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Cultura organizacional

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O que o talento ganha e o que se pede dele?

Ao olharmos a proposta de valor aos talentos reconhecendo que toda relação de trabalho envolve – ou deveria envolver - demandas e recursos, temos maiores chances de termos marcas empregadoras mais maduras

Colunista Bruna Gomes Mascarenhas

Bruna Gomes Mascarenhas

16 de Maio

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Artigo O que o talento ganha e o que se pede dele?

No prefácio do primeiro livro sobre employer branding que escrevi em 2020 com a colega colunista Viviane Mansi, o autor e consultor norte-americano James Ellis defendeu que uma das principais diferenças entre branding e employer branding está no fato de que o primeiro quer gerar desejo em todo mundo, e o segundo, somente nas pessoas certas. Desde então, eu reflito muito sobre o que precisa ser dito em posicionamento de marca empregadora que já não é “resolvido” em um posicionamento de marca comercial ou institucional.

Employer branding surgiu a partir do pensamento de que quando nosso público-alvo principal é o talento e não o consumidor, a proposta de valor da marca é experimentada em uma relação muito mais íntima. Explicando: uma pessoa – salvo raras exceções – normalmente não está nas empresas de que compra produtos e serviços, mas está diariamente na empresa em que trabalha, vendo-a e vivendo-a por dentro.

Sendo assim, em employer branding nosso trabalho deve responder a uma pergunta específica: por que o talento deve escolher entrar, ficar e até promover a organização? Simplesmente listar valores, crenças, benefícios, fortalezas e oportunidades não é uma resposta suficientemente boa. Precisamos ser mais específicos em relação ao que os talentos querem saber: o que vai ser pedido deles? Quanto custa estar naquela empresa em termos de comprometimento, sacrifícios e entrega? O que eles recebem em troca, além do óbvio que está no contrato?

Em 2006, a teoria de demandas e recursos de trabalho foi publicada por dois pesquisadores, Arnold Bakker e Evangelia Demeuroti, que sugeriram que toda relação de trabalho envolve demandas e recursos: o que se pede dos funcionários e o que se oferece em troca em termos de compensação e recursos para realização do trabalho. O foco do trabalho era estudar o desequilíbrio entre esses dois aspectos como um preditor de burnout, mas há uma conexão interessante com employer branding. Mais ou menos na mesma época, o livro The employer brand, escrito por Richard Mosley e Simon Barrow, trouxe a ideia de que a proposta de valor do empregador (EVP, na sigla em inglês) precisa ter entre seus elementos os gives and gets – o que se espera que o talento dê (give) e o que ele recebe em troca (get) – muito bem estruturados.

Essa abordagem ganhou destaque bem depois, em 2020, quando Bryan Adams e Charlotte Marshall publicaram Give and get employer branding (sem versão em português até o momento), um livro que destrincha essa ideia em uma metodologia completa para a construção de EVPs. Na prática, construir uma proposta de valor incluindo os gives e gets envolve captar já no diagnóstico da marca empregadora não só os bônus, mas também os ônus da experiência de trabalhar na organização. Até aí, minha experiência diz que esses ônus aparecem quase que naturalmente durante o processo e cabe à metodologia escolhida para a construção do EVP reconhecê-los e classificá-los adequadamente – algo que o modelo de Adams e Marshall faz muito bem e faz com que ele mereça ser estudado.

O xis da questão está em como realmente levá-los para a proposta de valor ao talento. Qualquer profissional que já tenha construído ou participado da construção de um EVP levando para a mesa os aspectos negativos da marca empregadora sabe que a conversa pode ficar bem difícil, especialmente quando é hora de validar atributos e mensagens-chave. Há uma resistência enorme em levar qualquer mínima menção às sombras da experiência de trabalho. Ora, qualquer busca rápida pode entregar essas sombras a qualquer candidato e o talento interno...bem, esse as conhece melhor do que ninguém. Então, por que a dificuldade dessas sombras, digamos, em primeira pessoa?

Arrisco duas respostas. A primeira: consultorias ou times internos de construção de EVP nem levam as sombras para a discussão e entregam propostas de valor cheias de positividade, acreditando no seu poder de gerar visibilidade e persuadir pessoas a entrar e ficar na empresa. É uma abordagem bem alinhada com a ideia de vender o trabalho como um produto – promover, destacar, tornar visível, convencer a “comprar” – que ignora o que acontece da porta para dentro. A segunda: as propostas de valor até trazem para a fase de aprovação os elementos negativos da experiência de se estar na empresa, só que eles são imediatamente cortados ou diluídos ao ponto da insignificância. “Não podemos falar isso” ou “vamos trocar esse atributo de ‘dedicação de muitas horas diárias’ por ‘ritmo intenso’” são falas que podem aparecer nesses momentos.

O resultado é que vemos propostas de valor cada vez mais parecidas quando um dos propósitos de se trabalhar marca empregadora é a diferenciação. Parecemos superconfortáveis e até desejosos dessa diferenciação ao pensarmos em marcas comerciais, mas temos medo dela em marcas empregadoras. Um mestre em branding que tive a sorte de conhecer no meu caminho sempre dizia que posicionamento que é posicionamento pode gerar apenas duas coisas: identificação ou rejeição. Não à toa, marcas empregadoras maduras falam de repelir tanto quanto falam de atrair.

Eu penso que isso é causado, em parte, pela ideia de que um EVP é apenas um slogan e um manifesto ou, no máximo, um guia para o que a empresa vai escrever no site de carreiras, no Linkedin ou no Glassdoor. Por essa ótica, realmente é complicado pensar em repelir alguém ou falar sobre as coisas não tão boas da empresa. Porém, se o entendimento do EVP for de que ele não só guia essas coisas como outras muito mais granulares – por exemplo, o que um recrutador precisa deixar claro numa conversa – fica mais fácil entender que os elementos negativos da empresa precisam fazer parte do que ela diz sobre si mesma. Nesse sentido, fazer o exercício do que se pede de cada talento e o que ele ganha em troca é um dos mais ricos para trazer e manter por perto quem vai entregar, ter sucesso, prosperar e fazer tudo isso gostando do processo – nos dias bons e nos dias ruins, sem grandes surpresas.

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Autoria

Colunista Bruna Gomes Mascarenhas

Bruna Gomes Mascarenhas

Atua como consultora em projetos de comunicação, employer branding e gestão da mudança pela Smart Comms, empresa que fundou em 2016. Pós-graduada em marketing (FGV), graduada em comunicação (Cásper Líbero) e mestranda em psicologia organizacional (University of London), atuou por 13 anos nas áreas de comunicação e marca em empresas como Johnson&Johnson, Unilever, Touch Branding e Votorantim Cimentos. É professora do curso livre de employer branding da Faculdade Cásper Líbero, um dos primeiros do Brasil, autora de artigos sobre o tema em publicações brasileiras e internacionais e co-autora do livro Employer Branding: conceitos, modelos e prática.

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