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Saúde mental

5 min de leitura

“E eu, que era a rainha da zoeira, perdi a vontade de gargalhar”

Neste 10 de outubro, Dia Mundial da Saúde Mental, além de falar da minha história, faço também um convite à reflexão

Colunista Tatiana Pimenta

Tatiana Pimenta

10 de Outubro

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Artigo “E eu, que era a rainha da zoeira, perdi a vontade de gargalhar”

Hoje, 10 de outubro, é Dia Mundial da Saúde Mental. Data importante para todos que lutam diariamente contra o adoecimento emocional e os sintomas de doenças como a depressão.

Acordei pensando que deveria escrever algo a respeito. Ao pesquisar um pouco de história, descobri que a data foi estabelecida em 1992, pela World Federation for Mental Health. O objetivo? Ampliar o debate sobre as doenças mentais, reduzir o estigma e elevar o grau de conscientização à respeito de um assunto rodeado de preconceito.

A organização citada acima nasceu em 1948, em Londres, e há 62 anos tem como propósito mudar a percepção das pessoas sobre as doenças mentais.

Desde 1992 um programa anual foi criado como forma de dar mais atenção às doenças mentais e seus efeitos na vida individual, no trabalho, na família e na estabilidade geral de comunidades e países. Em 2020, o tema de trabalho será ‘Saúde mental e doenças de longa duração: a necessidade de cuidados continuados e integrados’.

Primeiras reflexões

Após ler algumas informações, me pego pensando: o que temos feito desde 1992? O que tem sido feito aqui no Brasil? Por que ainda é tão difícil falarmos abertamente sobre o adoecimento emocional? Sobre o sofrimento psíquico? Por que será que ainda ouvimos pessoas falando que ir a um psicólogo é coisa de gente fraca, louca, preguiçosa etc?

O que há de errado com nossa sociedade? Gastamos rios de dinheiro com diversos tipos de serviços estéticos, mas deixamos de lado o cuidado com uma das peças mais importantes do corpo: a mente.

Quando queremos manter corpos belos e saudáveis, praticamos atividade física, mantemos uma alimentação balanceada e investimentos em uma série de procedimentos para garantir aparência mais jovem. Só falta mesmo dormir no formol. Mas, e as emoções? Como será que elas estão?

Adoecimento silencioso

Lembro, como se fosse hoje, como era assustador me dar conta da minha própria mudança de humor. Uma mulher alegre, extrovertida, de bem com a vida que, por consequência de situações adversas da vida e de um evento traumático, acabou conhecendo a senhora depressão.

A depressão tira a cor, a graça, o sabor, o cheiro das coisas e das situações da vida. Absolutamente tudo fica insosso. A gente simplesmente perde a vontade de levantar da cama. Eu que costumava ser a rainha da zoeira, perdi minha vontade de gargalhar. O choro fácil, o desânimo, a desesperança, a pouca certeza de dias melhores à vista. Eu não pedi para ter depressão. Acho que ninguém pede ou deseja sentir uma tristeza tão profunda. Mas ela aconteceu e eu precisei aprender a lidar com ela.

Estou falando de uma doença, sim doença, como outra qualquer. Só que ela é silenciosa. Ela vem e se instala de mansinho, sem você perceber. Pode ser por um desequilíbrio químico ou hormonal do seu organismo, pode ser por decorrência de alguma situação ambiental (meu caso) e, em alguns casos, pode ser decorrente ainda de fatores genéticos.

Fato é que a depressão, assim como qualquer outra doença mental, requer tratamento, acompanhamento psicológico, psiquiátrico e muito apoio.

É preciso ampliar a conscientização

E o que o dia da saúde mental tem a ver com isso? Oras, ele tem como objetivo trazer para o debate um assunto que muitas vezes queremos varrer para debaixo do tapete. O mundo, e nosso país também, ainda sofre de um mal chamado desinformação.

Dados da Organização Mundial da Saúde apontam para um suicídio a cada 40 segundos no mundo. Aqui no Brasil, a cada 45 minutos uma pessoa tira a própria vida. No entanto, pesquisas comprovam que 90% dos casos de suicídio poderiam ter sido evitados.

Hoje, com tristeza, recebi a notícia de que uma colega de infância foi encontrada ontem, 9 de outubro, enforcada em seu apartamento. Jovem, bela, bem sucedida, dona de um sorriso largo. Aos 37 anos, deixa um filho de 11 e a dor de uma partida sem explicação.

Escrevo esse texto, ainda meio em choque, me questionando: quantas pessoas mais ainda perderemos para nos darmos conta da importância de falar abertamente sobre saúde mental? Para conseguirmos de fato evitar uma tragédia precisamos entender o que acontece. Educar, conscientizar, compreender os fatores e gatilhos que levam aos estados psíquicos debilitados.

Lembro-me agora do filme do Coringa, em que o personagem comenta que a pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não a tivesse. O que é incongruente e triste, pois quando estamos doentes, precisamos de ajuda, de apoio, de tratamento e não ignorar os sinais da doença.

Quantas vezes não ouvi questionamentos e comentários que remetiam exatamente à frase do Coringa. "Tati, você tem tudo, um bom emprego, uma família legal, por que você fica triste? Você é linda, é jovem, tem uma vida inteira pela frente, não faz sentido ficar chorando o tempo todo" - só para dar um exemplo. A cada frase, um passo para trás. Ninguém compreendia o que se passava.

Para quem olha de fora, a doença mental não tem explicação. Não se entende como ela surge ou porque pessoas são acometidas por ela. Por conta de uma sociedade não acostumada a lidar com os ditos transtornos mentais, somos sempre cobrados para agir como se não estivéssemos mal.

A ironia triste? Mesmo estando doentes precisamos fingir que estamos bem, ou as coisas podem piorar. Mais irônico ainda é que, ao fingir, as coisas de fato pioram.

Um convite à reflexão

Será que estamos prontos para acolher as pessoas que sofrem com um transtorno mental? Estamos preparados para ouvir, não julgar, e oferecer apoio a quem precisa de ajuda?

Segundo a OMS, vivemos em um dos países com maior incidência de transtornos mentais do mundo. O que é contrastante com a imagem que as pessoas têm do Brasil como um lugar alegre, do samba, do futebol, das belezas naturais e do sorrisão no rosto. O problema é que boa parte disso é "fachada".

Que tal aproveitarmos essa data para falar abertamente das nossas vulnerabilidades? Que tal usarmos o Dia Mundial da Saúde Mental para escancarar de vez o assunto? Deixo aqui um convite para que façamos do dia de hoje uma ponte para construção de um futuro menos doente emocionalmente.

Que possamos propor ações educativas sobre saúde mental dentro de nossas empresas. Que seja permitido falar abertamente sobre questões que nos afligem. Que sejamos aliados do bom combate.

Neste dia 10 de outubro, desejo apenas que todo ser humano possa se sentir livre e acolhido para falar sobre qualquer doença, física ou mental.

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Autoria

Colunista Tatiana Pimenta

Tatiana Pimenta

CEO e fundadora da Vittude, healthtech no desenvolvimento e gestão estratégica de programas de saúde mental para empresas. É formada em ciência da felicidade e aplicações da psicologia positiva para ambientes de trabalho. Atualmente, faz parte do time de LinkedIn Creators, host e idealizadora do podcast Terapeutizados e empreendedora premiada internacionalmente pela Cartier Women’s Initiative.

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