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Uma maneira mais estratégica de engajar pessoas

Em vez de associar a gestão dos colaboradores apenas às práticas de RH, o melhor é pensar em processos culturais conduzidos pelas áreas de RH e comunicação que fortaleçam requisitos de ética, cuidado e corresponsabilidade e gerem prosperidade para a organização e para cada indivíduo

Vânia Bueno

10 de Outubro

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Artigo Uma maneira mais estratégica de engajar pessoas

A gestão por obediência, aquela do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, impediu que as áreas de comunicação e recursos humanos, mesmo que fossem relevantes, evoluíssem para se tornar estratégicas, como hoje precisam ser. Então, agora, temos um problema.

De um lado, já estamos imersos na pluralidade e na influência cruzada e exponencial das redes tecnológicas, fruto da macrotransição em curso {veja quadro abaixo}, que provocam uma transparência compulsória e um impacto sistêmico, que o economista Moisés Naím define como “o fim do poder” – o poder, nesse caso, é a capacidade de influenciar outros a fazerem ou deixarem de fazer algo. Já não é possível exercer tal controle absoluto com o mesmo grau de liberdade. Ainda existem os que mandam, mas quem obedece tem cada vez mais escolhas e protagonismo. É para mediar essas mudanças que a governança corporativa se torna essencial.

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Prova disso, nas organizações, é que vemos acionistas, CEOs, membros do conselho e líderes em geral sendo confrontados por novos e surpreendentes atores. O poder central está fragilizado. Com as rédeas do “comando e controle” cada vez mais frouxas – é impraticável que a decisão do topo defina o comportamento da organização por decreto. E, com isso, emergem riscos até então desconhecidos. (Ou negligenciados.)

O momento pede uma ação mais estratégica, coordenada e, por que não dizer, atualizada, de RH e comunicação na gestão das pessoas. Se o poder não está mais intramuros – físicos, simbólicos ou imaginários –, e sim na dinâmica caótica de conexões, percepções e compartilhamentos, RH e comunicação não podem continuar a trabalhar como trabalhavam, nem podem se dar ao luxo de se fechar em silos. Por que unir essas áreas complementares? Um bom motivador vem de Martin Selligman, precursor da psicologia positiva, que vê na gestão da prosperidade individual o fio condutor para uma mudança bem-sucedida {veja quadro abaixo}, trabalhando para preencher lacunas da empresa em proporcionar condições e produtividade, aprendizado e bem-estar.

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Outro estímulo, utilizado em conjunto com a gestão da prosperidade, pode ser a aproximação entre as duas áreas e a governança corporativa, que se apresenta como um sistema de gestão guiado por princípios, diretrizes, práticas e estruturas que devem orientar e regular a maneira como as empresas operam. Isso permite mediar essas relações mais complexas e muitas vezes incontroláveis, e endereça os desdobramentos do poder central fragilizado, tanto nos riscos como nas oportunidades inéditas que isso gera.

Para os fins deste artigo, o sistema de governança que pode inspirar a mudança da gestão de pessoas não se limita à estrutura ou à tomada de decisões, mas a criar condições para que as decisões tomadas se realizem.

Governança e gestão da prosperidade se encontram na demanda por engajamento. Se não há a obediência ao poder central como resposta garantida, é preciso fomentar a colaboração, que vem de inclusão e entusiasmo. Escuta, diálogo, mediação de conflitos, habilidades emocionais. Mas quem aprendeu a fazer isso em um mercado racional-mecanicista e com RH e comunicação operando em silos? Este artigo propõe três caminhos, que passam pelo C-level, pela integração de comunicação e RH, e, por fim, pelo uso da governança como um motor de engajamento.

Humanos na pauta dos conselhos

Entre o topo e a base estão indivíduos carregados de valores, crenças, medos, motivações e peculiaridades. É para cuidar dessa dimensão intangível que as áreas de pessoas e comunicação, antes tidas como de apoio, estão migrando para o coração da estratégia. Quando lidamos com seres diversos, mais do que habilidades técnicas, é necessário coerência para mobilizar indivíduos e grupos. Isso só é possível quando há mais do que tarefas e metas a serem cumpridas. É preciso significado e atitude. Tocar o humano em nós.

Nesse contexto, é muito preocupante saber que uma pesquisa do Gallup constatou que cerca de 85% das pessoas no mundo (73% no Brasil) se sentem desengajadas do trabalho, o que causa prejuízos significativos para o bem-estar delas e para a produtividade das empresas: estima-se que a perda seja de US$ 7,8 trilhões por ano. Nesse grupo, 67% não são funcionários com resultados ruins. São pessoas que gostariam de contribuir mais, mas não têm espaço.

Como aspecto agravante do problema, temos a crise na liderança, que herdou um modelo mental que se tornou obsoleto e muitas vezes resiste a complementar a formação técnica com habilidades relacionais. Infelizmente, assumir dúvidas ou demonstrar vulnerabilidades ainda é percebido como risco nas organizações. Falar sobre convivência, empatia e tolerância ao erro ainda é tabu, e a humanização nas empresas pode ser considerada uma ideia excêntrica. Mudar essa mentalidade não será simples nem confortável, mas é urgente.

Pesquisas revelam que engajamento, produtividade e saúde mental são vasos comunicantes, uma analogia que remete à interdependência entre esses conceitos e seus impactos. Ficou comprovado que o baixo engajamento aumenta os níveis de estresse, o que causa menor criatividade e queda na produtividade. Por outro lado, o alto engajamento gera energia e pertencimento, traz benefícios para as pessoas e para as organizações. É nessa dimensão que o ideal de humanização, os dados das planilhas e o desenvolvimento econômico se encontram. Se mais de 80% da força de trabalho global não está motivada ou em condições de fazer as entregas que a liderança espera nem a inovação que o mundo precisa, como é possível reverter esse quadro?

Aspectos humanos na gestão já vinham ganhando atenção do board, quando a pandemia provocou, em dois anos, transformações que levariam dez. Assuntos como insegurança emocional e saúde mental chegaram às salas dos conselhos e, ao que tudo indica, vieram para ficar.

A integração fundamental

A experiência mostra que um grande obstáculo para a gestão horizontal e colaborativa é a cultura de silos, que separa áreas como núcleos independentes. Essa mentalidade já gerou resultados, mas precisa ser superada. A inteligência está por toda a organização: para acessá-la, a comunicação e o RH devem atuar juntos removendo as barreiras da competição, dos preconceitos e das certezas, e para regenerar conexões comprometidas.

É fundamental começar pela mobilização, reconhecimento e investimento nas áreas responsáveis pela dimensão humana nas organizações: RH (incluindo a parte de remuneração e benefícios e a de treinamento e desenvolvimento – T&D) e comunicação.

Selligman, já citado, aborda no livro Tomorrowmind, em coautoria com Gabriella Rosen, a necessidade de maior interação entre RH e T&D para se atingir a gestão da prosperidade. Ele enfatiza que as áreas têm aptidões complementares, mas frequentemente operam de maneira isolada, e é isso que cria lacunas entre o estímulo da produtividade e a garantia do bem-estar. Além dessas, e com algumas exceções, as relações do RH com a área de comunicação realmente se estabelecem como prestação de serviços, quase sempre em caráter de urgência e com troca limitada de conhecimento. Repetindo a orientação de Seligman, quanto mais coesa for a integração entre os profissionais de comunicação e de pessoas, maiores serão as chances de resultados expressivos.

Nas últimas décadas, os comunicadores foram submetidos a uma constante adaptação a novas ferramentas. Essa realidade contribuiu para que as áreas mantivessem uma abordagem operacional, concentrando-se na produção de mais e mais canais e conteúdos. Nunca tivemos tantos meios de comunicação, nem enfrentamos tantos desafios como agora. É possível afirmar que todas as empresas enfrentam dificuldades diárias em suas interações. Isso demonstra que tecnologia e fluxo de informações não são suficientes. Há excesso de informação e carência de significado.

Houve uma época em que os dilemas de comunicação eram resolvidos na área de comunicação e por comunicadores. Não mais. Hoje, apesar do trabalho intenso dos profissionais da área, a comunicação ocorre de forma coletiva. Já não se trata apenas de comunicar em nome de outros ou estabelecer a versão oficial dos fatos, como no passado. Agora, trata-se de conviver com diferentes interpretações da mesma realidade, algumas intencionalmente falsas.

Manter a coesão só é possível pela força de uma cultura organizacional sólida, sustentada por valores e práticas que orientem a tomada de decisões em toda a empresa. Isso é possível somente por meio de relacionamentos de confiança duradouros. RH e comunicação desempenham um papel fundamental nesse processo, cuidando da formação, perfil, reconhecimento e apoio às equipes.

Governança, motor de engajamento

Na era da interatividade, todos os stakeholders devem ser reconhecidos como agentes da governança. O poder concentrado e controlado do passado está sendo diluído – prova disso é que casos como os das condições desumanas de terceirizados em vinícolas, que em outros tempos poderiam ser ignorados, hoje ganham repercussão porque a governança está também fora da empresa.

Só que essa é uma transformação profunda; requer tempo, persistência e aprendizado contínuo. O que pensar de escândalos corporativos em empresas como Enron, Lehman, Vale e Americanas, as quais, apesar de sofisticados sistemas de governança, se envolveram em erros e fraudes? Isso é assustador porque mina a confiança nos mecanismos de governança. Mas, como ressaltam alguns especialistas no tema, essas graves crises resultaram do fato de elas cumprirem protocolos, mas não possuírem uma cultura organizacional que refletisse os compromissos registrados em atas.

Por esta razão, acredito que a contribuição mais valiosa da governança para a mudança na gestão de pessoas de que falamos aqui talvez seja fazer com que o propósito da organização, mais do que uma frase bem escrita, se torne o guia do compromisso e da estratégia. A governança corporativa – com seus princípios, diretrizes, práticas e estrutura – pode passar a ser entendida como um motor para promover uma cultura de engajamento, corresponsabilidade e realização. Deve atuar como um antídoto para a esquizofrenia organizacional {veja quadro abaixo}.

Esquizofrenia organizacional
Contradições entre discurso e prática evidenciam uma gestão de pessoas disfuncional

O conceito “esquizofrenia organizacional” é uma metáfora que descreve contradições, inconsistências ou dualidades na cultura, estrutura, comunicação ou comportamento de uma organização. Diferentemente da doença homônima, essa expressão é usada de maneira figurativa para destacar situações que evidenciam as disfunções:

1. Discrepâncias entre discurso e ação: Quando uma organização defende valores que entram em conflito com suas ações. Existe uma desconexão notável entre as declarações e os comportamentos da empresa.
2. Mudanças drásticas e incoerentes: Mudanças abruptas na direção ou na cultura da organização sem explicação clara. Essas mudanças podem causar confusão entre funcionários e stakeholders.
3. Comunicação contraditória: Quando a comunicação interna ou externa da organização transmite mensagens conflitantes, ocorre “esquizofrenia organizacional”. Isso pode prejudicar a confiança e a reputação da empresa.
4. Culturas divergentes: Se diferentes partes da organização possuem culturas ou valores discrepantes, pode-se falar de “esquizofrenia organizacional”. Isso pode ocorrer em grandes empresas com unidades de negócios independentes.


É vital lembrar que “esquizofrenia organizacional” é uma expressão figurativa, não um diagnóstico técnico. Deve ser usada com sensibilidade, evitando minimizar a gravidade da esquizofrenia como doença mental. O conceito destaca inconsistências percebidas nas organizações, ilustrando como podem mostrar características similares à desintegração mental da esquizofrenia, mas em um contexto diferente. (VB)

É essencial lembrar que a governança não é um destino, mas uma jornada constante de aprendizado, adaptação e melhoria. Ela exige coragem para abraçar mudanças, humildade para reconhecer erros e falhas, e compromisso para construir um futuro mais responsável e sustentável.

As três soluções abordadas aqui, com ênfase para a governança corporativa, oferecem um caminho para a melhor gestão de pessoas. A oportunidade da macrotransição está dada. Vamos?

Artigo publicado na HSM Management nº 159.

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Autoria

Vânia Bueno

Vânia Bueno é fundadora da VB Comunicação na Governança, professora convidada na ECA-USP, ESALQ-USP, EACH-USP, Albert Einstein, Aberje, IBGC e FDC, além de TEDx speaker.

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