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Carreira

7 min de leitura

Um possível novo mundo do trabalho

Colunista Daniela Diniz

Daniela Diniz

13 de Maio

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Artigo Um possível novo mundo do trabalho

A expressão “novo normal” passou a fazer parte do vocabulário da sociedade – tanto a ocidental quanto a oriental. De março para cá, temos especulado como será a vida pós-pandemia. 

Especulamos e não prevemos, porque ainda estamos na fase de ter mais perguntas do que respostas, o que nos coloca mais na condição de adivinhadores do que de previsores. 

Primeiro, porque ninguém sabe exatamente quando a pandemia irá acabar. Segundo, porque não temos comparação histórica suficiente para prever novos comportamentos da sociedade e da economia após a doença. 

Qualquer comparação com a peste negra ou a gripe espanhola, talvez as epidemias mais mortais da história, seria errônea, uma vez que a ciência, a tecnologia e o modelo de vida do início do século 20 (gripe espanhola) e principalmente do século 14 (peste negra) em nada se comparam ao que temos disponíveis hoje. 

Por tudo isso, o que nos resta é gerar hipóteses em cima dos dados que temos no presente (e não no passado) e de acordo com as novas rotas e comportamentos que já tivemos de adotar de março para cá. 

Alguns deles podem ser que chegaram para ficar e irão moldar um novo comportamento da sociedade (há quem arrisque a dizer, por exemplo, que apertos de mãos e beijos não estarão mais na nossa etiqueta de cumprimentos); outros podem ser que desapareçam ao primeiro sinal de um antiviral ou de uma vacina eficientes. 

Sendo assim, com base nesta história recente que estamos vivendo e olhando para dados de algumas pesquisas e conversas com executivos, trago aqui três possibilidades (e não previsões) de como a pandemia irá afetar o mundo do trabalho e suas relações. 

  1. Planejamento

Se por um lado, o apetite ao risco e o estímulo ao erro difundido pelo sucesso de algumas startups vinham provocando um novo modelo mental no mundo corporativo, a pandemia pode despertar um senso de cautela maior na tomada de algumas decisões. 

O “e se” pode ser indagado mais vezes nas discussões estratégicas sobre produtos, pessoas e até mesmo processos. 

O livro O Ambiente de Trabalho de 2020 – como as empresas inovadoras atraem, desenvolvem e mantém os funcionários do futuro nos dias de hoje - escrito por Jeane C. Meister e Karie Willyerd em 2013 - previa uma série de situações, ferramentas e modelos que deveriam ser adotados pelas organizações até 2020. 

Numa das passagens, as autoras são categóricas ao afirmar que empresas inovadoras devem planejar agora potenciais eventos futuros. “E se uma série de eventos globais mudar dramaticamente o caminho daqueles que estiverem trabalhando no ambiente de trabalho de 2020? Você e sua organização estão pensando em que ações e que alterações farão no modo pelo qual traz, atrai, recompensa, desenvolve, engaja e retém funcionários? .... o que [você] fará se os seguintes cenários ocorrem: há uma década global perdida nos Estados Unidos; há um levante político na China ou na Índia; ocorrem desastres, como pandemias, terrorismo e mudanças climáticas massivas que criarão um foco ainda maior no teletrabalho; há uma mudança na longevidade; há mais ênfase no aumento da inteligência.” 

Para alguns, a sentença pode soar como premonição, mas na verdade não passa de uma provocação. Planejamento com base em dados e análises sempre nos ajudaram a minimizar as crises, por maiores que sejam. 

Talvez nunca pudéssemos imaginar uma pandemia como essa (talvez?), mas aqueles que no início da década passada souberam desenhar cenários futuros, puderam antecipar algumas medidas (como o próprio trabalho remoto) e hoje sentem um impacto menor diante da incerteza. O que fazemos hoje definirá nosso trabalho amanhã. 

Talvez a pandemia coloque mais “e se” nas falas dos líderes, forçando-os a desenhar cenários futuros, estocar planos B e criar rotas alternativas para os negócios e as pessoas em caso de uma nova catástrofe. Não estaremos apenas mais fortes após essa tempestade, mas provavelmente estaremos mais preparados para novas tormentas. 

  1. O coletivo vem antes do individual

“Espécies que cooperam são mais bem-sucedidas. Das abelhas aos humanos. Quando os humanos decidem colaborar, há grande benefício e, espero, que isso que estamos vendo nesta fase possa se estender pelo planeta”, disse Jonathan Haidt, autor e investigador na área de psicologia social da Universidade de Nova York sobre o momento atual que vivemos. 

Nos quatro meses de pandemia, assistimos não apenas a uma boa dose de solidariedade, mas há um aumento significativo de parcerias para fazer o negócio continuar funcionando ou para fazer novos negócios prosperarem em meio ao caos. 

O legado desse coletivismo pode se estender para o mundo pós-Covid e, se assim for, irá impactar na forma como nos organizamos em trabalho – os squads, que já avançavam no cenário corporativo – podem ganhar mais força e relevância – e até na forma como compomos nossas metas, derrubando os OKRs individuais para uma única OKR coletiva. 

Isso tudo irá colocar ainda mais em xeque um conceito que já vem sendo criticado há alguns anos: a tal meritocracia. 

Num momento em que o negócio passa a ser verdadeiramente ameaçado, vemos times se unirem por um único objetivo: o de salvar a empresa. 

Nessa hora, não existe departamento, área, indivíduo. Existe a organização. 

Nessa hora, derrubam-se as metas e desempenhos individuais, mirando apenas o resultado final. 

Nessa hora, assumimos nossas e outras funções (aprendendo e fazendo na mesma hora) para garantir empregos. 

Se funcionar e o negócio estiver a salvo e, mais ainda, se empregos forem mantidos, a possibilidade de repensar as metas e a organização dos times será grande. 

Trabalhando juntos somos melhores e mais fortes, mas talvez fosse preciso uma pandemia para nos mostrar isso. 

  1. Liberdade x status e remuneração

Se o propósito e o significado do trabalho já vinham se sobressaindo à salários, benefícios e estabilidade na busca pelo “emprego” ideal, a pandemia tem convidado muitas pessoas a refletir sobre um outro conceito: a liberdade. 

A busca pelo propósito e pela chamada qualidade de vida sempre foi atribuída mais à geração Millenium, hoje a maior representação do mercado de trabalho – dentre as 150 Melhores Empresas para Trabalhar, 37% dos funcionários têm entre 26 e 34 anos e 21% têm até 25 anos. 

O que o isolamento social e a necessidade de home office fizeram, no entanto, foi mostrar não apenas para os mais jovens – mas para todos – que é possível misturar os papéis da vida (antes dividida entre pessoal e profissional) e isso pode ser muito bom. 

O isolamento tem nos forçado a parar para analisar o que, de fato, devemos valorizar em nossa vida e o que passa a ser desprezível. 

Há quem esteja questionando se faz sentido manter sedes corporativas ou escritórios físicos regionais. Há quem já tenho adotado jornadas mais curtas com ou sem redução de salário. Há quem tenha redirecionado ou suspendido seus benefícios. 

E toda essa flexibilidade e adaptabilidade faz com que repensemos nosso retorno ao trabalho. 

Será que vamos abrir mão das coisas boas que conquistamos no período da quarentena, como pular o trânsito, dormir mais (afinal, todos precisamos acordar mais cedo para estar presencialmente nos escritórios nos compromissos agendados, independentemente de bater ou não cartão de ponto), fazer reuniões remotas mais eficientes e, principalmente, ter mais família no seu dia? 

A Owl Labs, uma empresa americana que produz dispositivos de videoconferência, divulga anualmente uma pesquisa sobre trabalho remoto nos Estados Unidos. 

No ano passado, a pesquisa contou 1202 trabalhadores, com idade entre 22 e 65 anos, dos quais 62% trabalhavam de forma remota. Dois números chamaram atenção no resultado da pesquisa: 55% dos que trabalham remotamente procurariam outro emprego se não pudessem mais fazer home office e 61% esperariam um aumento de salário caso não pudessem trabalhar de casa. 

Em 2021 suspeito que esses números sejam ainda maiores. A pergunta: posso fazer home office ou preciso vir ao escritório todos os dias? fará parte dos rituais de entrevistas de emprego. 

As empresas que souberem oferecer a melhor flexibilidade e traduzirem seu propósito de forma clara sairão na frente.

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Autoria

Colunista Daniela Diniz

Daniela Diniz

Jornalista, com MBA em Recursos Humanos, acumula mais de 20 anos de experiência profissional. Trabalhou na Editora Abril por 15 anos, nas revistas Exame, Você S/A e Você RH. Ingressou no Great Place to Work em 2016 e, desde Janeiro de 2023 faz parte do Ecossistema Great People, parceiro do GPTW no Brasil, como diretora de Conteúdo e Relações Institucionais. Faz palestras em todo o País, traçando análises históricas e tendências sobre a evolução nas relações de trabalho e seu impacto na gestão de pessoas. Autora dos livros: Grandes líderes de lessoas, 25 anos de história da gestão de pessoas e Negócios nas melhores empresas para trabalhar, já visitou mais de 200 empresas analisando ambientes de trabalho.

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