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Saúde mental

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Precisamos falar sobre luto nas organizações

Tabu para a maioria dos brasileiros, esse sentimento passou a fazer parte da nossa vida cotidiana, direta ou indiretamente, devido à pandemia de covid-19. O luto coletivo tem especificidades que exigem uma postura ainda mais proativa das empresas

Carolina Genovesi Gomes

08 de Julho

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Artigo Precisamos falar sobre luto nas organizações

O coronavírus entrou em nossas vidas trazendo uma série de novas palavras para nos ajudar a lidar com o momento que vivemos: pandemia, isolamento social, quarentena, lockdown, achatar a curva e teste PCR são alguns exemplos incorporados em nosso cotidiano. Trouxe também o luto – e o luto coletivo – para a rotina dos brasileiros, que tem gerado uma série de impactos na vida das pessoas e até na dinâmica das organizações.

Na nossa cultura, já existem usualmente poucos espaços para falarmos sobre o luto, que é um processo desencadeado pelo rompimento de vínculos com alguém ou com alguma coisa. Com o avanço da pandemia no Brasil, os espaços continuaram poucos mas a necessidade de fazer isso escalou: as pessoas passaram a lidar com as perdas não só em suas vidas privadas, mas também estão tendo que viver o luto de maneira coletiva.

De acordo com Mariana Clark, psicóloga com especialização em perdas e lutos, o luto coletivo se caracteriza por mortes em massa e por sobreposição de perdas – financeira, de identidade, de pessoas, da liberdade de ir e vir, da fé, de trabalho, de bens, para citar alguns exemplos. É seguro dizer que, de modo geral, todos estão vivenciando ou já vivenciaram mais de uma dessas perdas desde março de 2020.

As estatísticas dizem que, para cada indivíduo que falece, uma média mínima de dez pessoas entra em estado de luto, apresentando sintomas agudos de sofrimento. Recentemente, o Brasil atingiu a triste marca de 529 mil vidas perdidas para o coronavírus. Isso significa que pelo menos 5 milhões de pessoas estão enfrentando um processo de luto por perda de entes queridos somente em decorrência da pandemia.

O que passa despercebido é o que acontece com quem não perdeu ninguém no luto coletivo. “Mesmo nós que não perdemos uma pessoa que amamos, sentimos como se tivéssemos perdido. E esse sentimento é potencializado por toda a sociedade”, explica Clark. “Nós, enquanto sociedade, tivemos que aprender a viver uma vida que não conhecíamos e isso afeta todas as nossas dimensões: emocional, psicológica, social, espiritual e cognitiva.”

Luto e saúde mental

O luto é um processo muito individual, extremamente desorganizador e de ressignificação. Clark destaca que é uma travessia longa, duríssima, mas a pessoa se transforma, cresce e acomoda essa dor, dando-lhe novos significados à medida que encontra espaços seguros pra falar sobre ela.

Apesar de o luto não ser uma doença, se o indivíduo não olhar para essa dor, ela pode virar uma – uma doença mental e física. A pessoa enlutada tende a se sentir triste, ter insônia e angústia, ter crises de choro ou ansiedade – sintomas que fazem parte do processo de luto, mas se confundem com os das doenças e transtornos mentais. O prolongamento desse quadro pode fazê-lo transformar-se de fato num problema de saúde mental e agravá-lo. Portanto, é fundamental prestar atenção aos sintomas, buscar ajuda profissional caso sinta necessidade, e contar com o apoio das pessoas mais próximas.

O espaço social é imprescindível para as pessoas fazerem essa jornada do melhor modo possível. À medida que encontram afeto, acolhimento e processos humanizados, elas conseguem falar sobre essa dor – dor compartilhada é dor diminuída. E as empresas podem ter um papel importante nessa cura.

Humanizando as organizações

Administrar os desdobramentos da pandemia, sabemos, tem sido o principal desafio das empresas e das lideranças. E encontrar maneiras de enfrentar o luto deve fazer parte desse desafio. O que temos visto de forma generalizada é um sentimento persistente de pesar, que se infiltra no local de trabalho e que nem sempre é tratado, o que pode causar prejuízo à saúde e aos resultados – individuais e das organizações.

Iniciar o difícil diálogo sobre luto não apenas é necessário como é uma oportunidade de ouro para humanizar as organizações. Afinal, lidar com perdas é inerente à experiência humana.

Uma das iniciativas ao alcance de todos é abrir espaços seguros para falar sobre o assunto, promovendo o acolhimento, oferecendo escuta ativa e validando os sentimentos das pessoas. “Um caminho possível para as empresas é encorajar, validar, reconhecer os sentimentos das pessoas – meio dos seus rituais, ela faz isso acontecer”, recomenda Clark.

Em um movimento mais recente, algumas organizações passaram a incluir o luto e formas de lidar com ele como parte de seus programas de bem-estar e saúde mental e, aqui, compartilhamos algumas iniciativas para inspirar a ação:

- Conscientização sobre o assunto.

Promover a curadoria de conteúdo sobre luto e saúde mental, oferecendo aos colaboradores materiais informativos sobre o processo de luto e dúvidas comuns; oferecer treinamentos específicos, abordando o tema inclusive sob a perspectiva de perdas em decorrência da covid-19 e orientações gerais; preparar a liderança para conversas com a equipe.

“Como eu identifico uma pessoa que está precisando de ajuda? Como eu ajudo essa pessoa a sair desse quadro?” Trabalhar a psicoeducação das pessoas é uma ação fundamental.

- Criação de políticas e procedimentos.

Explicitar as formas pelas quais a empresa pode apoiar o colaborador enlutado. Licença luto, orientações internas de comunicação, uso de seguro de vida, como homenagear, apoio profissional (psicológico, jurídico) são alguns exemplos que podem constar nos guias e manuais internos para endereçar o assunto dentro das organizações.

Dar clareza a temas mais burocráticos e jurídicos traz alguma estrutura em um momento que é dão desorganizador, ajudando o colaborador, de certa forma, a lidar com a situação.

  • Inclusão do assunto na agenda.

Proporcionar momentos de diálogo, contar com o apoio de profissionais especializados para o apoio adequado a colaboradores. Em algumas empresas, rodas de conversa sobre o assunto têm se mostrado uma ação efetiva. “São cuidados para que as pessoas possam se sentir humanizadas, para que elas possam falar o que sentem, para que a empresa ofereça os espaços seguros para abordar assuntos desafiadores”, orienta Clark

Sempre desejamos mais afeto, mais cuidado e mais transparência para o mundo corporativo. A maneira como as organizações acolhem as pessoas em seus momentos mais vulneráveis contribui significativamente para que processem essa etapa e sigam adiante. Mais do que fazer parte do papel social da empresa, um olhar mais afetuoso para as perdas no meio corporativo pode representar, enfim, o começo da cura não só para elas, mas também para as organizações.

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Autoria

Carolina Genovesi Gomes

É editora de conteúdos customizados em HSM Management e MIT Sloan Review Brasil.

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