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Diversidade

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Chamem os baby boomers

Eles estão deixando o mercado de trabalho e, em vez de discutir impactos e alternativas, as empresas seguem dando as mesmas desculpas. É hora de romper com esse padrão

Colunista Daniela Diniz

Daniela Diniz

23 de Julho

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Artigo Chamem os baby boomers

O ano de 2020 será marcado não apenas pela pandemia causada pelo coronavírus, mas também pelo êxodo de baby boomers do mercado de trabalho. Nascidos entre 1945 e 1960, os representantes dessa geração vêm a cada ano desaparecendo do mapa laboral.

Segundo uma pesquisa do Pew Research Center, think tank americano, a força de trabalho dos boomers vem diminuindo em média 2,2 milhões a cada ano desde 2010, ou cerca de 5.900 diariamente nos Estados Unidos. E a pandemia pode empurrar ainda mais esses profissionais para fora do mercado.

A taxa combinada de desemprego e subemprego – também nos Estados Unidos -- para trabalhadores acima dos 65 anos foi de 26% em maio, cerca de 5 pontos percentuais a mais do que a taxa de trabalhadores entre 25 e 54 anos. É a maior diferença desde que se iniciou a série histórica, em 1948.

No Brasil, a situação é semelhante. Segundo análises dos dados da Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 1,3 milhões de pessoas com 60 anos ou mais deixaram de trabalhar ou de procurar um emprego, na comparação do primeiro trimestre de 2020 com o mesmo período do ano anterior, quando 696,4 mil deixaram emprego.

A saída dessa geração do mercado traz alguns impactos. Um deles é a produtividade. Segundo o Federal Reserve, a aposentadoria dos boomers pode causar um declínio de 2.8 pontos percentuais no crescimento da produtividade entre 2020 e 2040.

Outra consequência é a lacuna histórica que se abre no universo corporativo. Num mundo que muda o tempo todo e cuja velocidade das mudanças assusta, todos parecem estar olhando para o futuro, ignorando aprendizados passados – um risco enorme em qualquer negócio.

A cultura do erro, inspirada pelas startups, tem provocado uma certa confusão no mercado. Uma coisa é punir o erro (errado); outra é exaltar o erro (também errado). “São tantos projetos entregues rapidamente, sem uma análise mais profunda, que os mais experientes precisam ser acionados o tempo todo para consertar os erros e evitar perder mais dinheiro”, me disse no final do ano passado uma executiva de gestão de pessoas.

No mundo ágil, nos permitimos experimentar mais, errar mais, aprender mais e realizar mais. E isso é incrível. Por outro lado, corremos um risco enorme de nos tornamos superficiais. Na ânsia por entregar soluções rápidas, a profundidade e análise vêm perdendo espaço. Como consequência, damos respostas rasas para um mundo que faz perguntas complexas.

O desafio é ser ágil e ser profundo ao mesmo tempo. E por isso, o complemento (e não choque) geracional é tão importante. E por isso, os boomers deveriam ser incluídos e não excluídos do mercado de trabalho.

Velhos argumentos num novo mundo

Ah, mas eles não querem. Ah, mas eles não conseguem se adaptar à tecnologia. Ah, mas eles são caros. E, a mais recente: ah, mas eles são grupo de risco da Covid-19. Esses argumentos não passam de desculpas que acabam sustentando o status quo das organizações, indo na contramão das mudanças ocorridas no mundo do trabalho.

Enquanto estivermos apegados aos estereótipos acima, vamos seguir com um desequilíbrio gritante no quadro de funcionários: 21% dos profissionais das melhores empresas para trabalhar no Brasil têm até 25 anos; 37% entre 26 e 34 anos; 27% entre 35 a 44 anos; 12% entre 45 e 54 anos e apenas 3% acima dos 55 anos.

Vamos descontruir esse pensamento linear?

1 - Quem diz que eles não querem?

É claro que há uma parcela dentro da geração baby boomer que acredita que agora é o tempo do descanso. Educados numa época em que se dividia claramente a vida pessoal e profissional e que o prazer estava reservado para as anos pós-labuta, eles desejam sim pendurar definitivamente as chuteiras. Mas há uma boa parte de profissionais com 60 anos ou mais que desejam se manter ativos.

Segundo uma pesquisa realizada pelo Employee Benefit Research Institue (EBRI) em 2018, 26% dos trabalhadores diziam planejar trabalhar até os 70 anos de idade e outros 6% afirmaram que não pretendiam parar. Para fins de comparação, um mesmo estudo realizado pelo EBRI em 1991, mostrou que 50% dos trabalhadores esperavam poder se aposentar aos 65 anos.

Outra pesquisa também de 2018 revela que 29% dos baby boomers (entre 65 e 72 anos) estariam trabalhando ou procurando emprego, superando também as estatísticas das gerações anteriores.

Um dos motivos, claro, é a necessidade. Sem uma reserva financeira suficiente para viver mais vinte, trinta e quiçá quarenta anos, dado ao aumento da expectativa de vida, muito profissionais dessa geração precisam se manter na ativa.

Outro motivo, que percebo ao longo de anos estudando essas relações nas empresas, tem a ver com o significado do trabalho. Se em 1991, o trabalho era visto como aquele lugar onde eu tenho de ir para ganhar o pão, no decorrer no tempo, o trabalho muda de status.

Primeiro, ele passa a ser um lugar de realização profissional, em que além de pagar as contas precisava ser legal. Depois, além de ser legal, começou a ter de fazer sentido (propósito). Como consequência, os mais velhos vêm adiando cada vez mais a ideia de parar de trabalhar. Porque é legal e faz sentido.

2 – Eles não se adaptam à tecnologia

Tem certeza disso? A pandemia fez com que qualquer profissional – independentemente da idade – se conectasse à plataformas desconhecidas até então. E não só conectasse como descobrisse, na necessidade, todas as suas funcionalidades. O mesmo vale para a interação com aplicativos.

Como disse recentemente Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, hábitos e comportamentos que durariam anos para mudar, irão se consolidar rapidamente. “Serão cinco anos em cinco meses”, afirmou. E isso é geral. Não se restringe apenas aos profissionais X, Y ou Z.

Não ter familiaridade nativa com a tecnologia não significa entrave tecnológico. Eis outra confusão do mercado. Se dizemos o tempo que estamos na era do aprendizado contínuo, por que não incluir a aprendizagem digital entre os mais velhos?

3 – Caros?

Dentre as inúmeras coisas que a pandemia acelerou está a flexibilidade. Posso hoje oferecer benefícios flexíveis e estabelecer contratos flexíveis com esses profissionais.

Posso tê-los em jornadas reduzidas ou em contratos temporários. Posso aloca-los em projetos especiais e posso sim tê-los no meu quadro de funcionários sem os símbolos de poder do passado, como automóveis, (que não fazem mais sentido hoje).

Por fim, a desculpa de que os profissionais seniores são alvo da Covid-19 soa mais como puro preconceito do que preocupação genuína. As boas empresas para trabalhar têm afastado seus grupos de risco tanto quanto outros grupos, estendendo a todos uma flexibilidade maior de trabalho – seja em turnos ou na prática do home office. Ou seja, os mais velhos seguem trabalhando, mas em segurança.

Fazer uma lista de corte, colocando os mais experientes na linha de frente não é apenas injusto, é pouco estratégico. Afinal, ao eliminar os poucos representantes da geração baby boomer você aumenta ainda mais a lacuna histórica, minando parte da diversidade importante ao negócio.

Ao que parece é que parte dos baby boomers evoluiu com as transformações do trabalho. Mostram-se flexíveis, adaptáveis, muito mais saudáveis que sua geração anterior, e dispostos a aprender, desaprender e reaprender. Falta agora o mercado evoluir. Nesta relação, sobra maturidade de um lado (boomers) e falta maturidade do outro (mercado).

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Autoria

Colunista Daniela Diniz

Daniela Diniz

Jornalista, com MBA em Recursos Humanos, acumula mais de 20 anos de experiência profissional. Trabalhou na Editora Abril por 15 anos, nas revistas Exame, Você S/A e Você RH. Ingressou no Great Place to Work em 2016 e, desde Janeiro de 2023 faz parte do Ecossistema Great People, parceiro do GPTW no Brasil, como diretora de Conteúdo e Relações Institucionais. Faz palestras em todo o País, traçando análises históricas e tendências sobre a evolução nas relações de trabalho e seu impacto na gestão de pessoas. Autora dos livros: Grandes líderes de lessoas, 25 anos de história da gestão de pessoas e Negócios nas melhores empresas para trabalhar, já visitou mais de 200 empresas analisando ambientes de trabalho.

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