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Antes e depois da COP26

É importante enxergar tanto as ameaças quanto as oportunidades derivadas da crise climática – e agir. Como muitos já estão fazendo

Sílvia Marcuzzo

04 de Novembro

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Artigo Antes e depois da COP26

Já há algum consenso de que os livros de história do futuro irão se referir a 2020 e 2021 como um novo “ano zero”, separando o “antes” e o “depois” da grande pandemia. Com sorte, o mesmo pode acontecer com a 26ª Conferência do Clima da ONU (COP26), ou o Acordo de Glasgow. Isso porque pandemia e COP26, somadas, podem alavancar um nível inédito de consciência dos problemas que a humanidade causa e de respostas a eles.

“Precisamos demonstrar ação e ambição nesta COP26”, disse Daniela Lerario, líder Brasil na COP26 poucos dias antes de embarcar para a Escócia. As ações descentralizadas dão esperanças. “Há muitos sinais fortes acontecendo mundialmente, inclusive no Brasil, mesmo sem considerar o governo federal. Estou há 18 meses atuando com atores não estatais e subnacionais e tenho visto bastante ambição – em especial dos Estados. Ao redor do mundo, o setor financeiro tem quase US$ 90 trilhões sob compromissos net zero.” Embora o governo brasileiro sempre tenha se orgulhado de responder por apenas (sic) 3% dos gases de efeito estufa do mundo, a mudança na forma de medição colocou esse orgulho em xeque. Antes era contabilizada apenas a contribuição da queima de combustível fóssil para as emissões. Recentemente, o think tank Carbon Brief acrescentou na conta o desmatamento e a produção de cimento, e a lista dos cinco maiores poluidores históricos mudou. Agora inclui, do maior para o menor, Estados Unidos, China, Rússia, Brasil e Indonésia.

A descentralização que Lerario observa significa que muito mais atores estão arregaçando as mangas contra o aquecimento global. Quase indiferentes a obstáculos como ideologias, movimentos anticiência e visões de curto prazo, mais pessoas, organizações não governamentais e empresas agem sem pedir licença ante estudos como o publicado na Environmental Research Letters dando conta de que o avanço do mar pelo degelo e a intensificação da erosão marinha podem afetar mais de 1 bilhão de pessoas em áreas costeiras.

No Brasil, acaba de ser formalizada a decisão de subir a régua nas ações ambientais, o que se traduz na prática pelo estabelecimento de metas mais ousadas para a sociedade e as organizações. A formalização é o trabalho Clima e desenvolvimento: Visões para o Brasil 2030 – Documento de cenários e políticas climáticas, lançado agora em outubro, que representa mais de 250 especialistas e lideranças do setor econômico, da sociedade civil e políticas. Foi coordenado pela Talanoa, think tank dedicado à política climática, e pelo Centro Clima da Coppe da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e contou com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS).

No evento de lançamento do documento, o imenso potencial do País para a nova economia verde foi destacado por Joaquim Levy, ex-ministro da economia e atual diretor de estratégia do Banco Safra. Levy vê oportunidades para liderarmos negócios em pelo menos três frentes: a economia de baixo carbono em si, as soluções baseadas na natureza (NBS, na sigla em inglês) e a regeneração florestal.

O leitor se questiona sobre um potencial ônus econômico em perseguir essas metas? A resposta vem do próprio Levy: “O trabalho feito ratifica que nós temos condições de alcançar essas metas criando oportunidade, e não ônus, para a economia”. O vislumbre dessas oportunidades nessas frentes já está levando mais e mais empresas e empreendedores brasileiros a trabalhar em finanças verdes, compensação de emissões de carbono, energias renováveis, inovação em resíduos e reinvenção de processos, como veremos a seguir.

Finanças verdes. Desde o Acordo de Paris, em 2015, o mercado dos green bonds – títulos de dívida para captar recursos destinados a atividades de baixo carbono ou que promovam adaptação climática – vem ganhando tração. Em junho de 2021, a Climate Bonds Initiative apresentou o relatório Análise do Mercado de Financiamento Sustentável da Agricultura no Brasil, e vimos que no País já foram emitidos US$ 9 bilhões em títulos verdes (que, assim, respondem por 84% do mercado de dívida sustentável brasileira), US$ 1,6 bilhão em títulos sustentáveis (15% do total) e US$ 111 milhões em títulos sociais (1%). Energias renováveis e uso da terra (que inclui negócios agrícolas, florestais, de bionergia etc.) são as duas categorias mais financiadas, com, respectivamente, 45% e 27% do total das emissões verdes.

Gestores de ativos e de investimentos têm feito vários alertas sobre quão grande é a oportunidade de títulos verdes no Brasil, diz Natalie Unterstell, presidente da Talanoa. E as metas atreladas a esses papéis ainda são pouco ambiciosas, como mostra o documento sobre o Brasil 2030. Além disso, como afirma Unterstell, “não basta ter só verde no nome, é preciso ser, de fato, uma contribuição boa para o País”. A líder da Talanoa observa que é preciso, por exemplo, criar uma taxonomia de finanças sustentáveis, algo que vem sendo adotado em mercados internacionais, para garantir essa contribuição.

Carbono zero. A descentralização das ações não está acontecendo à toa. A UNFCCC (sigla em inglês de Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) criou diversas ações para estimular a ação dos atores não estatais. Uma delas é a campanha Race to Zero, que reúne entidades de todo o mundo comprometidas com uma recuperação econômica verde, resiliente, sem carbono e que buscam alcançar emissões líquidas zero até 2050.

Os efeitos práticos que podem ser associados à Race to Zero incluem a priorização de empréstimos pelo BNDES a projetos relacionados com energias limpas e renováveis. Isso foi reforçado, inclusive, pela decisão do banco, em meados de outubro, de não financiar operações envolvendo carvão mineral. O banco age alinhado com a tendência mundial – instituições financeiras da Europa, por exemplo, vêm abandonando clientes que representam risco climático, seja aumentando os juros cobrados ou negando pedidos de empréstimo.

Iniciativas como a criação do Net Zero Asset Managers, grupo internacional de gestores de ativos comprometidos em apoiar (leia-se “pressionar por”) a meta de zero emissões líquidas até 2050 ou antes, também são um efeito da Race to Zero. “Dos fundadores, o único da América Latina foi a Fama. Agora entrou outra gestora do Brasil, a JGP”, diz Fábio Alperowitch, voz ativa na pauta climática que é cofundador da Fama Investimentos e também é signatário da Race to Zero. Segundo ele, o compromisso dos gestores de investimento e investidores tende a crescer também aqui e será uma pressão para que as empresas mudem mais rápido. Isso sem falar na pressão óbvia esperada pelos consumidores da geração Z, que não vão comprar produtos de poluidores, desmatadores e afins.

Compensação de carbono. O mercado de carbono vem se tornando um negócio cada vez maior e mais promissor. E o Brasil tem enorme potencial nele, como acredita o CEO da Biofílica, Plínio Ribeiro. Estamos vendo no Brasil movimentos de fusão e aquisição nesse segmento, como ocorreu com a própria Biofílica, cujo controle de capital foi adquirido em julho pela Ambipar, empresa multinacional de origem brasileira especializada em soluções sustentáveis – também em julho, a supermodelo e militante ambiental Gisele Bündchen se tornou sócia da Ambipar e membro de seu conselho de administração. A hoje Biofílica Ambipar Environment já nasceu como líder em projetos de conservação no Brasil e, com investimentos expressivos planejados para os próximos meses, prepara-se para virar a maior agente de NBS (soluções baseadas na natureza) do mundo.

O mercado de carbono é um universo com características bastante peculiares. Para começar, há dois mercados: o regulado e o voluntário – cada um com suas ramificações. O maior volume de compensações ainda está no mercado regulado, mas o voluntário avança a passos rápidos, favorecido pela pressão dos consumidores e dos investidores sobre as empresas, que procuram formas de compensar suas emissões.

Os números mostram esse vigor. “Este ano, pela primeira vez, o mercado voluntário vai passar de US$ 1 bilhão e deve crescer umas 50 vezes até 2030, segundo um estudo da McKinsey”, observa Ribeiro.

São negociados nos dois mercados desde créditos de energia renovável até títulos emitidos pela troca por fontes de energia menos poluentes. Para as empresas, o caminho é comprar “offsets”, mecanismos de compensação por créditos de carbono gerados em projetos que sequestram, evitam ou reduzem a emissão de gases de efeito estufa (GEEs). No campo dos ativos florestais, um exemplo de crédito negociado é o REDD+ (redução de emissões por desmatamento e degradação florestal) na Amazônia, categoria em que a Biofílica foi uma das precursoras.

Energias: mais renováveis, menos fósseis. A influência de reguladores e investidores em favor de setores de baixa intensidade de carbono está colocando os projetos de petróleo e gás, aos poucos, em desuso. O fracasso, em outubro, do leilão para exploração de petróleo e gás natural realizado pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), que tinha lotes próximos a santuários naturais, como Fernando de Noronha, é prova disso. Veja quadro ao lado. Somando a pressão com a crise energética que o Brasil enfrenta atualmente, por falta de chuva, temos uma tempestade quase perfeita para a ascensão dos negócios com energias renováveis.

O oceanógrafo João Pedro Demore apostou há cerca de sete anos que essa tempestade viria, quando passou a ser consultor em energias renováveis na Yes Energia Solar. Agora, vê crescimento exponencial da demanda pela tecnologia fotovoltaica em geração distribuída – que é quando o sistema fotovoltaico gera energia e compensa o consumo do cliente, reduzindo a necessidade de este usar a energia da rede da distribuidora local.

Na Open Road Investments, onde Demore atua como head de energia renovável, a movimentação também cresce. Surgem mais e mais startups e negócios nas áreas de energia eólica, solar, hídrica, biomassa e biogás de aterros sanitários. A última área, por sinal, começa a ser reconhecida como uma das fontes alternativas mais abundantes para a geração de energias despacháveis (aquelas cuja geração tem menor risco de ser interrompida) e, além de tudo, é excelente para a compensação de carbono, pois o gás metano tem 25 vezes mais intensidade no efeito estufa que o gás carbônico (CO2). “A geração de energia a partir do metano nos aterros sanitários é auditável e muito eficiente para o mercado de carbono, em complementação aos créditos florestais, mais conhecidos”, explica Demore.

Inovação em resíduos. Para as empresas industriais, cuidar dos resíduos sólidos é um grande desafio: a Política Nacional de Resíduos Sólidos, lei federal que completou 11 anos em agosto, determina que 22% de suas embalagens sejam recicladas. Um problema que virou oportunidade para a Polen Solução e Valoração de Resíduos. A cleantech desenvolveu uma plataforma que permite rastrear os resíduos e comprovar se as empresas estão se responsabilizando pela reciclagem. Renato Pasquet, CEO e fundador da Pólen, explica que a lógica é similar à do crédito de carbono. Empresas compram créditos de cota de reciclagem e repassam os valores para os recicladores. Desde 2019, a empresa começou a atuar também com logística reversa de embalagens, propondo soluções para quem precisa viabilizar a operação de reciclagem. Hoje, essa transação é feita para mais de 1,2 mil empresas.

Em operação na Zona Sul do Rio de Janeiro, o projeto de neutralização do impacto de embalagens do Ifood gerou benefício à população local. Os resíduos colocados em 56 pontos de entrega voluntária (PEVs) espalhados pela orla pelos moradores são recolhidos e encaminhados para empresas recicladoras parceiras para, então, se transformarem em traves de futevôlei, mesas e cadeiras que são instaladas na própria orla.

Atuar com resíduos foi uma decisão acertada também do ponto de vista de negócios. A Polen hoje está na fase de scale-up. Começou com dois sócios e hoje conta com 36 colaboradores, com escritórios no Rio de Janeiro e São Paulo, e funcionários no Paraná, Rio Grande do Norte e Goiás. Os números aumentam ano a ano. Das 18 mil toneladas recicladas em todo o ano de 2020, o volume já tinha mais que triplicado em setembro de 2021, marcando 60 mil toneladas.

Processos reinventados. Remodelar processos produtivos é outra forma de provocar impacto positivo na neutralização de carbono, inclusive em empresas com muito tempo de estrada. Na Mercur, que desde 2009 investe em tornar suas operações mais sustentáveis, as mudanças abrangem desde infraestrutura até linha de produtos. Neutra em carbono desde 2015, a empresa espera suprir cerca de 50% de sua demanda energética com a inauguração de uma planta de energia fotovoltaica na sede do distrito industrial, em abril de 2022. Ela vem inovando também no uso de matéria-prima e design de produtos, como na criação da bolsa térmica natural feita de caroços do açaí da palmeira juçara e revestida com tecido de algodão orgânico produzido pela Cooperativa Justa Trama, com sede em Porto Alegre. É o primeiro produto 100% renovável da Mercur.

Outra ação da Mercur está na logística. “Reduzir as importações é um dos objetivos estratégicos da empresa. Isso vem valorizar o mercado interno, o que significa gerar ocupação e renda locais, e diminuir a pegada de carbono, que é causada no transporte”, observa Eduardo Assmann, coordenador da área ambiental e sustentabilidade da empresa.

Até hoje, a sociedade estava procrastinando. Apesar dos alertas da ciência, não pensou em fazer uma transição, em mudar os hábitos de produção e consumo. Agora, nós nos vemos em uma encruzilhada moral e correndo contra o tempo. Alperowitch questiona: “Que direito alguém tem de usufruir do presente e deixar a conta para a próxima geração pagar? Que direito uma empresa tem de não se responsabilizar pelas externalidades que causa?”. Daniela Lerario complementa: “Ação climática não é mais um propósito. É um dever e tem de fazer parte de todas nossas métricas de sucesso. Quem não for parte da solução vai ser parte do problema”. Por sorte, a urgência e o dilema moral também são oportunidades. Assim como a necessidade de integração deu origem a uma grande onda empreendedora nos EUA do século 19 e no Brasil do governo Kubitschek, em torno de ferrovias e rodovias, respectivamente, a necessidade de evitar as catástrofes climáticas está originando um boom de novos negócios no século 21.





Guia Net Zero para a liderança corporativa

Seis boas práticas que você pode adotar agora para apoiar o combate à crise climática

• Junte-se às corridas Race to Zero e Race to Resilience, patrocinadas pela ONU.

• Comprometeu-se? Contribua para seu setor avançar 20% na nova economia verde, convidando seus pares a se associar pelas redes locais e associações comerciais.

• Encoraje seus fornecedores a participar dessas corridas. Ajude-os a compreender o que é necessário para acelerar o processo.

• Incentive seus funcionários a tomar medidas pessoais por meio de uma campanha corporativa. A inspiração pode vir do projeto “Count Us In”, dos Estados Unidos.

• Seja um defensor das emissões líquidas zero de gases de efeito estufa. Exercite e demonstre a arte do possível: utilize uma narrativa positiva, mostre suas inovações e soluções para inspirar as pessoas e fazê-las crer que um futuro descarbonizado é possível.

• Junte-se a uma ou mais campanhas de transição inovadoras, globais ou nacionais – como a Net Zero Asset Managers, se você tiver uma empresa de gestão de ativos.







Economia circular posta em prática em noronha

Projeto recebe experimentos econômicos por Kennedy Michiles

Um dos principais patrimônios da biodiversidade brasileira, o arquipélago de Fernando de Noronha, ganhará o 1º Laboratório Colaborativo de Economia Circular do Brasil, batizado de “Vadelata pelo Planeta”, para fazer experimentos econômicos de baixo impacto ambiental. A ideia é desenvolver novos modelos socioeconômicos inclusivos, sustentáveis e replicáveis em larga escala, com participação ativa da própria população da ilha, da iniciativa privada, de universidades, governos e ONGs, e com patrocínio principal da Ball do Brasil, multinacional que fabrica embalagens de alumínio para bebidas.



A iniciativa começou a ganhar corpo em 2019, com a assinatura do termo de cooperação entre o Consórcio Noronha pelo Planeta e a administração do distrito estadual de Fernando de Noronha. O Lab terá um terreno de quase 19 mil metros quadrados, com edificações, trilha e um viveiro de espécies nativas.



Sérgio Xavier, articulador do consórcio Noronha, explica que “no primeiro momento, o foco será em iniciativas que promovam o descarbono e a mobilidade elétrica”, lembrando que nenhum veículo novo a combustão será admitido no arquipélago a partir de 2022. Ele também destaca a governança do projeto. “Teremos um conselho formado por integrantes da Ball, do consócio, demais parceiros e patrocinadores”, explica. “Nosso propósito é dar a maior transparência possível a nossas iniciativas”, finaliza.



O investimento não foi divugado. Segundo especialistas, foi de pelo menos R$ 8 milhões, financiados totalmente por empresas como a Ball Corporation, em parceria com a administração da ilha e o Consórcio Noronha pelo Planeta (Centro Brasil no Clima – CBC, InterCidadania – IC, Circularis e SinsPire). Também são parceiros da iniciativa a Ambev – AMA, Novelis, Minalba, Neoenergia, Renault e Gol, que lançou a primeira rota aérea brasileira carbono neutro Recife-Noronha-Recife, em setembro último.







Cinco perguntas a Daniela Lerario

Líder Brasil na COP26 e membro efetiva do conselho do Sistema B, a bióloga Daniela Lerario conversou com HSM Management alguns dias antes de viajar para Glasgow

1. qual é seu sentimento sobre a descarbonização?
No Brasil, diversos atores não estatais e subnacionais estão ampliando fortemente seus compromissos “net zero”, o que me anima muito. E temos padrão. Campanhas globais apoiadas pela ONU, como Race to Zero e Race to Resilience, são o padrão para compromissos confiáveis; 73% das emissões globais estão cobertas por metas de emissões líquidas zero e vários países traduzem seus compromissos em políticas críveis. Acho a transição para net zero irreversível, só vai acelerar daqui em diante. E produzirá um futuro bem mais saudável.

2. O que podemos celebrar? Quais os desafios?
Limitar o aquecimento a 1,5˚C será o desafio difícil. Inação é uma das piores ameaças no momento. É preciso vontade política para iniciar as mudanças necessárias e garantir que sejam feitas de modo justo, e também mais ação e ambição, coordenação entre os diferentes atores, transparência e imaginação. No campo das conquistas, mesmo com a pandemia, a campanha Race to Zero experimentou um crescimento espetacular de 190% nos compromissos de todos os tipos de atores no mundo. Mais de 200 atores no Brasil estão comprometidos em cortar as emissões de carbono pela metade na próxima década. Prova que é possível desacoplar as emissões do desenvolvimento econômico e construir um futuro mais justo, resiliente e sustentável.


3. Como o Brasil vem enfrentando a crise?
O Brasil é um dos únicos países que pode chegar à emissão líquida zero até 2050 sem precisar usar tecnologias disruptivas, mas dependemos de fatores-chave para avançarmos: retomada econômica desacoplada de emissões, transição justa, desmatamento zero e sem tolerância com ilegalidades, vontade política e apoio técnico. Multilateralismo é fundamental, via parcerias setoriais e regionais. Cinco estados – Minas, Pernambuco, São Paulo, Pará e Espírito Santo – e mais de dez cidades se comprometeram em reduzir as emissões pela metade, o que pode levar à redução de cerca de 50% das emissões nacionais em compromissos net zero, pelos critérios da Race to Zero. É muito potente! Os desafios para implementar e financiar essa agenda são enormes, mas ficará mais fácil quando reconquistarmos credibilidade internacional. A sociedade civil tem outras iniciativas sérias, como o recém-lançado documento Clima e desenvolvimento: Visões para o Brasil 2030. Especialistas e lideranças elaboraram cenários para aumentar a ambição brasileira no enfrentamento às mudanças do clima com descarbonização da economia, justiça e inclusão social. Depois de ver as propostas ali, ninguém mais tem desculpa para não agir.

4. Qual a importância do setor econômico e das empresas para dar continuidade à transição?
Resolver o desafio da descarbonização cria vantagens sociais e econômicas. Nesta década, a atualização para um futuro carbono zero pode criar mais 35 milhões de empregos e mais US$ 26 trilhões em benefícios econômicos comparada com a tentativa de ressuscitar o status quo de alta emissão de carbono. O setor financeiro é um “game changer”. Os compromissos líquidos zero em 2020 praticamente dobraram, com cinco vezes mais instituições financeiras e dez vezes mais pequenas e médias empresas, entre outros, aderindo à Race to Zero. Há uma tendência de aceleração em setores-chave, como mobilidade, indústria, alimentos, energia elétrica. As empresas e suas lideranças são importantes para restaurar a confiança e a credibilidade com ações práticas: adotar métricas comparáveis, verificáveis e críveis; ampliar o uso de ferramentas como avaliação de Impacto B; colocar pessoas e natureza no centro das decisões, tratando de adaptação e resiliência, e não apenas de mitigação. É uma mudança estrutural e cultural gigante, com transformações sistêmicas, muita colaboração e criatividade.

5. onde o investimento trará mais frutos no futuro?
Não no “business as usual”, pois a economia linear está fadada ao fracasso. A transformação será sistêmica. No Brasil, temos oportunidades como a criação de economia de regeneração, adoção de agricultura regenerativa, redução radical do desmatamento, precificação de carbono, requalificação da mobilidade urbana com transporte coletivo e não motorizado, investimento em eficiência energética e energias renováveis. O Brasil tem ótimas condições para a transição, inclusive de custos. Mas é importante que isso seja feito de forma justa, protegendo a população mais vulnerável e gerando empregos com a retomada verde.



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Autoria

Sílvia Marcuzzo

Repórter especialista em meio ambiente.

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