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A importância da estratégia em grupos de afinidade

Nos canais de TV por assinatura Telecine, os grupos de afinidade surgiram de forma orgânica, criados por pessoas identificadas com a diversidade

Colunista Thalita Gelenske

Thalita Gelenske

17 de Maio

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Artigo A importância da estratégia em grupos de afinidade

Você já teve ter ouvido falar em grupos de afinidade (GA) ou coletivos de diversidade. Como o nome sugere, são grupos de pessoas unidos por interesses comuns. Pesquisa da Software Advice revelou que 65% das pessoas acreditam que tais redes corporativas trazem impacto positivo no engajamento dos colaboradores, enquanto outros estudos comprovam que a diversidade alavanca a performance. Ou seja, iniciar um grupo de afinidade pode ser uma excelente estratégia para promover uma cultura de respeito e fomentar a formação de lideranças inclusivas na sua organização.

No entanto, estruturar, lançar e manter esses grupos de maneira efetiva não é tarefa fácil. Muitas empresas acabam construindo essa ação sem o devido aprofundamento e planejamento, e por isso costumam enfrentar dois cenários diferentes, mas igualmente problemáticos:

  1. Grupos de afinidade com integrantes desengajados, por falta de alinhamento, estrutura, recursos ou governança.
  2. Grupos de afinidade com integrantes tão engajados que todos acabam propondo ações e ideias que fogem do escopo de atuação do grupo.

Desenvolvemos uma metodologia para apoiar e estruturar grupos de afinidade, colocando-os realmente como importantes aliados da estratégia de diversidade e inclusão (D&I) das organizações. Neste artigo, explicaremos nossa metodologia e detalharemos o case Telecine, realizado em 2021, que exemplifica bem como ela é aplicada na prática.

Unir para integrar

Os employee resource groups (ERGs) foram criados nos Estados Unidos e adaptados para o cenário brasileiro como “grupos de afinidade”, “grupos de diversidade” ou “coletivos de diversidade”. Eles reúnem colaboradores voluntariamente, em um modelo de gestão horizontal. Seus integrantes atuam de forma consultiva em questões ligadas à diversidade (como gênero, raça e etnia, inclusão de pessoas com deficiência, inclusão da comunidade LGBTQIA+, diversidade geracional, entre outras características compartilhadas por seus integrantes).

Em abril de 2020, realizamos uma pesquisa de benchmarking sobre o tema com 45 empresas brasileiras, dentre elas Natura, Carrefour, QuintoAndar, RD Station, Easynvest, Prudential, Tim, Ambev e outras. Cerca de 70% dos entrevistados dessas empresas afirmaram que possuem “grupos de afinidade/diversidade” como uma das dez ações mais recorrentes em seus programas de diversidade.

Ao explorarmos quais os principais objetivos desses grupos, vimos que foi unânime a resposta de “conectar pessoas, proporcionando um ambiente de troca”. Em seguida, também observamos um volume expressivo (82%) de empresas que associam o grupo de diversidade ao objetivo de operacionalizar ações internas, de validar ações do programa de D&I (64%) ou de realizar ações para engajar os líderes de negócio (61%). Um volume menor de empresas tem o objetivo de realizar ações para atrair talentos diversos.

Nem sempre, porém, as empresas conseguem aproveitar os benefícios que esse tipo de grupo traz. A partir da nossa experiência de mercado, apoiando mais de 60 grandes empresas e marcas, nós observamos os seguintes erros mais comuns na elaboração dos grupos de afinidade:

  1. Não pensar na governança do programa de diversidade como um todo (e como o grupo de afinidade se encaixa nessa governança).
  2. Esperar que o grupo de afinidade seja o principal responsável por endereçar e resolver problemas estruturantes da organização.
  3. Não definir bem o objetivo do grupo e o que a organização espera atingir como resultado dessa iniciativa.
  4. Lançar o grupo sem refletir sobre seu público-alvo, forma de seleção e quem é elegível a participar.
  5. Achar que o grupo terá completa autonomia e funcionará organicamente desde o primeiro dia.
  6. Não oferecer os recursos necessários para o trabalho do grupo de afinidade.

Com a nossa metodologia, é possível evitar esses erros, como apresentamos a seguir.





O que se faz em um programa de diversidade Setenta por cento das iniciativas têm grupos de afinidade entre suas ações mais comuns

Comunicação: campanhas e ações para potencializar uma comunicação inclusiva interna e externamente | 88%

Eventos para o público interno sobre o tema | 88%

Participação em redes empresariais e grupos de networking e diversidade | 80%

Atração, recrutamento e seleção de candidatos diversos | 80%

Programas de treinamento e desenvolvimento para colaboradores | 75%

Programa de treinamento e desenvolvimento para líderes | 70%

Infraestrutura física | 70%

Canal de denúncias ou ouvidoria para reportar casos de desvio associados à diversidade | 70%

Grupos de afinidade ou de diversidade para colaboradores da organização | 70%

Indicadores: monitoramento de indicadores | 68%



Caixa de ferramentas

Chamamos nossa metodologia de “Toolkit de Diversidade”, e abrimos uma das nossas ferramentas para o mercado, o canvas dos grupos de afinidade, a base para desenhar a estratégia desse tipo de iniciativa.

Um canvas nada mais é do que uma forma enxuta e visual de representar ideias. Ele sintetiza em uma página os principais pontos a serem analisados e estruturados para que grupos de afinidades sejam efetivos para a estratégia de diversidade da organização.

A metodologia ajuda a construir e administrar novas comunidades internas, ou analisar e melhorar as já existentes. Também ajuda a identificar os temas fundamentais e a fazer as perguntas certas para que seu GA realmente atinja bons resultados.

Nosso canvas é dividido em três grandes atributos que toda comunidade de sucesso possui bem delimitados:

  • Identidade: comunidades fortes têm uma noção clara de quem elas são, por que existem e o que defendem.
  • Experiência: é o que realmente acontece na comunidade e como transmite o propósito em atividades que criam valores tangíveis para os membros.
  • Estrutura: grupos de afinidade de sucesso se organizam em estruturas que garantem sua sustentabilidade no longo prazo.

O preenchimento do canvas acontece inicialmente de cima para baixo e, em seguida, da esquerda para a direita, seguindo a numeração de cada quadro/caixa da metodologia. Caso a empresa esteja planejando lançar seus grupos, o preenchimento preliminar do canvas pode ser feito pela própria equipe de diversidade e, posteriormente, refinada pelos integrantes dos grupos. Caso a empresa já tenha coletivos ou grupos de afinidade ativos, o preenchimento pode acontecer de forma colaborativa, convidando os representantes de cada grupo a participar.

No fim do processo, é importante entender que nosso canvas deve ser encarado como um documento vivo, que passará por processos periódicos de revisão e atualização.

O processo no Telecine

O projeto de reestruturação a operação dos coletivos de diversidade do Telecine com base no canvas desses grupos aconteceu em 2021. Os encontros aconteceram em formato virtual, com o apoio de ferramentas de facilitação digital como Mural e Zoom.

Para trazer mais detalhes sobre esse projeto, no seu encerramento conversamos com Bernardo Bicalho e Raquel Marques, responsáveis por coordenar as ações de diversidade da empresa, e Thiago Dutra, integrante do coletivo Tela Preta e participante dos workshops que realizamos.

No Telecine, a área de pessoas e cultura é responsável pela gestão da diversidade, mas a pauta envolve a empresa como um todo. Segundo Bicalho, os grupos de afinidade, que na empresa são chamados de coletivos, surgiram de forma orgânica. “Os colaboradores com perfis ligados às afinidades se uniram para trazer essa pauta para a empresa. Vimos o valor dessa iniciativa e a partir daí nos estruturamos para organizar o pilar de D&I do Telecine”, explica. Atualmente, a empresa tem três coletivos: ColorBar (LGBTQIA+), Tela Preta (negro) e o Juntos (PcD). Raquel Marques explica que o objetivo é proporcionar aos colaboradores um ambiente diverso e pautado na equidade, “favorável ao autodesenvolvimento profissional por meio de uma jornada no qual estejam sempre engajados para realizar o seu propósito e o da empresa”.

Os grupos de afinidade estão entre as dez ações mais frequentes nos programas de D&I no Brasil, e para a equipe do Telecine os benefícios são claros. “São espaços seguros, de trocas, desenvolvimento e lugar de fala. Acreditamos que os grupos são importantes para que os colaboradores com perfis ligados a essa pauta se sintam pertencentes e acolhidos no ambiente de trabalho, além de impulsionar a construção de um ambiente plural e diverso interna e externamente”, explica Bicalho.

Sob o chapéu da governança, a área de pessoas e cultura construiu a estratégia com os coletivos, mantendo seus integrantes como protagonistas da discussão. Nossa missão foi facilitar os encontros de (re)estruturação dos coletivos em parceria com os representantes. Como os grupos se formaram organicamente, alguns pontos estavam desestruturados, o que desmotivava os integrantes, que não entendiam o posicionamento da marca e os processos de cada área.

A partir da metodologia da Blend Edu, criamos o canvas dos grupos de afinidade, definimos alguns aspectos-chave para planejar o lançamento de novas comunidades internas e a reestruturação das que já existiam, e com isso refletimos sobre aspectos como a identidade do grupo, a experiência que ele quer proporcionar para os participantes e a estrutura à qual tem acesso.

O canvas foi a base para organizarmos os workshops com a equipe do Telecine, usando salas simultâneas no Zoom e ferramentas de facilitação virtual. Marques afirma que essa metodologia facilitou bastante o trabalho por ser prática, ajustável, de fácil acesso e visual. “Com esse material, tivemos a oportunidade de definir os pilares estratégicos com a participação dos integrantes dos grupos. E a partir dos resultados a que chegamos, elaboramos um manual detalhado e personalizado com filmes do nosso acervo para torná-lo ainda mais acessível. Além disso, incluímos esse material no nosso onboarding, para que os novos colaboradores conheçam o trabalho de D&I do Telecine assim que começam a trabalhar na empresa.”

Para Thiago Dutra, do coletivo Tela Preta, além de ampliarem o conceito de diversidade, os encontros ajudaram a entender melhor o papel dos grupos de afinidade para a implementação do pilar de diversidade na empresa. “Já entendia o papel dos grupos como ambientes de acolhimento para os integrantes e os colaboradores recém-contratados, mas o processo também colaborou para compreender seu papel nas metas e diretrizes de negócios”, afirma.

“A construção e o resultado final do canvas ajudaram bastante o coletivo Tela Preta a se organizar melhor, com definições de papéis e responsabilidades para todos (líderes, sponsor e integrantes). Também ficou mais evidente o propósito e o objetivo do grupo. Com essas premissas bem definidas, ficou mais fácil traçar a estratégia do coletivo”, acrescenta. Para Dutra, o canvas também ajudou a apresentar o conjunto para os stakeholders e a definir calendários de ações.

O PRIMEIRO PASSO QUANDO SE PENSA EM GRUPOS DE AFINIDADE é definir sua estrutura, a partir dos objetivos e estratégias da empresa. É sempre bom quando essas iniciativas partem da base, mas a empresa precisa estar atenta para que os grupos se mantenham afinados com uma política de diversidade e inclusão mais ampla. Assim, é possível garantir os resultados e também o engajamento dos colaboradores com a pauta, identificando oportunidades e recursos em cada área.

Um levantamento de dados preliminar pode ser um bom ponto de partida, e a ajuda de uma consultoria especializada também pode colaborar para a consolidação desse pilar internamente, com protagonismo dos integrantes dos coletivos – que são os maiores interessados na pauta.

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Autoria

Colunista Thalita Gelenske

Thalita Gelenske

Fundadora e CEO da Blend Edu, startup que já tem em seu portfólio empresas como 3M, TIM, Reserva, Movile, Grupo Fleury, TechnipFMC, Prumo Logística, brMalls etc. Thalita também está presente na lista da Forbes Under 30 de 2019, como uma dos 6 jovens destaques na categoria Terceiro Setor e Empreendedorismo Social.

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