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Tecnologia, a força motriz do espírito do tempo

Não podemos falar em zeitgeist sem considerar o impacto das tecnologias na vida de pessoas e na sociedade. Rumamos cada vez mais para uma simbiose com a tecnologia, em um modo de vida físico e digital (figital), com forças que alteram as relações humanas e de produção.

Sandra Regina da Silva

06 de Abril

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Artigo Tecnologia, a força motriz do espírito do tempo

A evolução tecnológica é um ingrediente fundamental para vislumbrar como o futuro poderá ser. A tecnologia é vista como uma força motriz do espírito do tempo, hoje e amanhã, e nos últimos anos essa evolução chegou a parâmetros nunca vistos (ou previstos).

A vida cotidiana está se tornando uma simbiose entre os mundos físico e digital, o chamado figital. “Já sentimos um cheiro de metaverso, que ainda está sendo construído”, avalia Tatiana Revoredo, especialista em blockchain e diretora de estratégia da The Global Strategy. A construção de mundos virtuais hoje, para ela, lembra a definição de metaverso funcional feita pelos tecnólogos das décadas de 1960 e 1970. Mundos em que o digital impacta a economia do mundo real.

Especialistas percebem que a construção desse zeitgeist começou há alguns anos, com o movimento de transformação digital, adotado no início pelas startups e empresas com mentalidade mais “jovem”. Nas organizações mais tradicionais, que resistiram em adotar novos modelos, o processo foi acelerado de forma meteórica pela pandemia. Em vários casos, a transformação aconteceu de uma maneira atropelada. Mas não foi por falta de alerta.

“Em 2017 e 2018, já falávamos que as empresas precisavam ser mais remotas e ágeis, podendo trabalhar ‘anywhere’, mas a resistência cultural sempre foi muito grande”, diz Patrícia Figueiredo do Prado, professora da Fiap e chief digital officer (CDO) na Legami Intelligence.

Quem ouviu o alerta se preparou melhor. Prado conta o caso de uma gigante centenária do ramo de postos de combustíveis que, pouco antes da chegada da covid-19 ao Brasil, iniciou um projeto de adaptação aos novos tempos. Mesmo com a esperada resistência, o projeto foi finalizado em cinco meses. Quando estourou a pandemia, 100% das equipes comerciais já estavam trabalhando remotamente. Graças a isso, a companhia atravessou o período crítico dos negócios melhor do que sua concorrência.

Nova mentalidade, novas habilidades

“Vivemos por décadas encaixotados num mindset rígido. Bem diferente do mindset disruptivo do profissional do futuro”, diz Prado. Mas quais as habilidades desse profissional? Para ela são flexibilidade e aptidão para atingir objetivos além da área de domínio, sem deixar de lado a intimidade com a tecnologia. Ou seja, uma combinação de tech com soft skills.

No campo corporativo, as empresas “baby boomers” precisam atualizar sua cultura, caso contrário, lidarão com a perda de talentos. Quando profissionais como arquitetos de dados e especialistas de aplicativos entram em corporações com culturas morosas, eles tendem a seguir outros caminhos, explica.

E quais são essas tecnologias? Albert Segars, professor da Kenan-Flagler Business School, da University of North Carolina, em artigo para a MIT Sloan Management Review de 2018, destacou sete tecnologias que estão reinventando o mundo.

A pedido de HSM Management, Tatiana Revoredo avaliou a situação atual de cada uma.

Robótica. A missão dos robôs é facilitar nosso dia a dia em funções repetitivas. “O robô trabalha com o humano”, diz Revoredo. Ou seja, não o substitui. Em Dubai, por exemplo, robôs policiais executam ações de prevenção. Soluções robóticas são usuais no setor de logística.

Machine Learning. Tem valor tangível no longo prazo, especialmente na cadeia de fornecimento. “Futuramente, vai atuar como um oráculo, classificando a qualidade de determinado componente da cadeia, por exemplo.”

Impressão 3D. Usada para baratear o custo de componentes da indústria ou suprir eventuais faltas, de forma emergencial. Vem ganhando espaço na saúde, na impressão de ossos no lugar de próteses artificiais e na modelagem de maquetes.

Biotecnologia. Associada ao desenvolvimento de produtos. Na saúde, atua na criação de vacinas e antibióticos. Na agricultura, aprimora pesticidas. Na indústria alimentícia, aumenta a quantidade de nutrientes em produtos.

Redes mesh. Essenciais na web3, em que a internet será descentralizada e hiperconectada. Permitem ampliar a cobertura e dão mais estabilidade às redes wi-fi, eliminando pontos cegos. Revoredo considera a brasileira Intelbras um exemplo em redes mesh.

Computação ubíqua. Relógios e TVs conectados já são corriqueiros. A aplicação futura da internet das coisas só tende a crescer.

Nanotecnologia. Continua avançando na produção de circuitos e dispositivos invisíveis a olho nu, com aplicações na indústria têxtil e na saúde, entre outros.

Revoredo lembra que robótica e aprendizado de máquina fazem parte da inteligência artificial, que, assim como internet, blockchain, nanotecnologia e biotecnologia, é uma tecnologia de núcleo, ou “general purpose technology”, aquelas com poder de alterar drasticamente a sociedade. “Só se terá a dimensão das possibilidades que elas trazem, abalando tudo e todos, depois de 30, 50 anos”, explica.

Blockchain, metaverso e as realidades aumentada e virtual são tecnologias complementares às destacadas por Segars. Para Revoredo, que também é membro-fundadora da Oxford Blockchain Foundation, o blockchain tem diversos usos, como identificar e reconhecer a procedência de drones de entrega (produtos de farmácia, correspondência etc.) ou até fornecer uma identidade a robôs, caso eles sejam vistos como pessoas jurídicas no futuro, por exemplo.

Forças tecnológicas

Em 2016, Kevin Kelly, fundador da revista Wired, lançou o livro Inevitável: As 12 Forças Tecnológicas que Mudarão Nosso Mundo. Antes da covid-19, o autor previu uma revolução na forma que compramos, trabalhamos, aprendemos e nos relacionamos. E alertou que não adiantava resistir. Essa revolução acabou antecipada, até certo ponto, pela pandemia. Quatro dessas forças ainda são muito representativas.

Compartilhar: “A economia compartilhada está cada vez mais arraigada, principalmente nos jovens. O ato de compartilhar é feito por meio da tecnologia, como doação, venda, compra ou uso”, explica Prado.

Monitorar (ou rastrear): Revoredo diz que a sociedade já começa a rejeitar a rastreabilidade na internet. A valorização da privacidade é vista como direito funcional. “Sem sua preservação, não vejo como uma força caminhando para a web3”, diz.

Patrícia Prado cita outra forma de monitoramento, com foco na proteção. A cibersegurança ganha corpo, pois o trânsito de dados aumenta exponencialmente. Segunda ela, os gastos mundiais com cibersegurança atingirão a casa de US$ 1 trilhão por ano até 2035, “o que corrobora a força do monitoramento e de como nos protegemos diante de hackers, fake news, quebra de sigilos etc.”

Tornar-se (ou transformar): “Na força de transformação, gera-se valor a partir de uma ideia, que por sua vez deve resolver um problema”, explica Prado, que vê esta como a força de mais impacto nos negócios. Por isso, demanda profissionais mais preparados para se adaptar e apoiar transformações corporativas.

Interagir: Prado vê essa força conectada às demais. Para ela, o compartilhamento no mercado leva à necessidade de se estar atento à segurança e aberto à transformação e, consequentemente, à interação. A pessoa, nessa situação, deve ser mais articulada e mais comunicativa, acessando mais informações, de qualquer lugar.

E no Brasil...

O gap é grande ao se comparar o Brasil com outros países. “Só começamos quando já está feito lá fora. É difícil para os empresários implantarem inovação sem segurança jurídica”, explica Revoredo. Se nos países desenvolvidos já se projeta a chegada do 6G, não vemos nem o 3G distribuído em todo o território nacional.

Revoredo percebe que, de modo geral, os empresários brasileiros são mais conservadores e esperam a concorrência adotar as tecnologias primeiro. “Talvez seja pela instabilidade econômica e política do Brasil, sem contar a regulação, muito amarrada”, afirma. Mas não há dúvidas de que as pessoas estão se abrindo para o digital. Quando não ocorre, isso se deve a limitações externas.

Se a pandemia chacoalhou as empresas sobre a necessidade de transformação digital, também escancarou uma multidão de excluídos. “Quantas crianças ficaram sem estudo na pandemia por falta de acesso?”, lembra Prado. Ela acredita que é preciso uma atuação conjunta de iniciativa privada e governos para ampliar o acesso à internet. Se houver essa expansão, “nossos saltos serão ainda mais exponenciais nesta década”.

Leia mais: Um cargo para chamar de seu

À frente no tempo

Quais setores se destacam nesse espírito do tempo tecnológico? Para Revoredo, os que usam mobilidade. O protagonismo dos negócios móveis está ligado ao fato de “a sociedade caminhar para um mundo digital e em movimento”.

Prado diz que os setores de energia, financeiro e de manufatura usam a tecnologia com eficiência. O varejo, na pandemia, investiu para não sucumbir. Agora deve ir atrás de 5G, cibersegurança, nuvem e robôs – um desafio quando se pensa em distribuição longe de grandes centros. “Há empresas buscando esses espaços, mas é uma longa estrada”, explica.

O espírito do tempo segue com avanços tecnológicos exponenciais. Segundo o Fórum Econômico Mundial, até 2025 mais de 50 bilhões de dispositivos móveis estarão conectados na indústria de IoT. Ou seja, mais robótica, automação, inteligência artificial, impressoras 3D... E mais dados gerados.

Segundo Patrícia Prado, a estimativa é que se produza até 80 zettabytes de dados por ano. Uma dimensão que sequer poderia ser imaginada quando, em 2003, o professor da University of Pennsylvania, Mark Liberman, calculou o espaço necessário para armazenar todas as palavras existentes na história da humanidade: 42 zettabytes.

Leia mais: Mudança climática, mudança nos negócios

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Autoria

Sandra Regina da Silva

Sandra Regina da Silva é colaboradora de HSM Management.

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