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Reportagem

20 min de leitura

Rumo ao escritório vivo

O trabalho está sendo pivotado e o ambiente onde se trabalha tem de acompanhar; confira as melhores práticas das empresas que estão preparando essa mudança

Adriana Salles Gomes e Sandra Regina da Silva

26 de Maio

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Artigo Rumo ao escritório vivo

Imagine que você acordou e decidiu ir trabalhar presencialmente hoje, não em home office. Você avisou ontem via app que ia para o escritório e, quando passar pela catraca, sensores avisarão ao sistema que chegou. Um encarregado de layout, somando essa informação com as dos outros funcionários presenciais, apertará uma tecla no computador e, imediatamente, lasers de diodo instalados no forro do escritório iluminarão o local em que o mobiliário deve ser posicionado para receber adequadamente você e os outros. Então, os móveis serão carregados no braço (um dia, esse trabalho será feito por robôs, como na imagem acima) e cortinas motorizadas que correm sobre trilhos, feitas de membranas de econáilon (que não prolifera vírus como outros materiais), ajudarão a separar os ambientes. Isso não é ficção científica. É um projeto do que se começa a chamar de “escritório vivo” desenvolvido para o escritório do Google em Belo Horizonte (MG) em setembro de 2020. A empresa promoveu um hackaton arquitetônico, “archathon”, para definir como ficaria o ambiente de trabalho pós-pandemia e o vencedor foi o escritório de arquitetura e design Ultra, do Rio Grande do Sul. “Esse design foi inspirado nas células de organismos vivos”, explica o sócio do Ultra, Arthur Lauxen, que vê demanda crescente por projetos de escritório vivo, com ambientes customizáveis. A implementação, no entanto, ainda não aconteceu; está à espera da definição da volta ao presencial.

A área administrativa da maioria das empresas no Brasil ainda se encontra 100% em trabalho remoto e é uma incógnita quando se dará o retorno ao escritório. Porém, os gestores de algumas empresas já estão trabalhando em como será o escritório pós-pandemia, especialmente nas grandes empresas multinacionais, no planejamento ou até fazendo algumas implementações.

“Ninguém sabe ainda como será, na prática, a relação que vai se estabelecer com o trabalho híbrido e flexível nesse novo momento. Mas já é muito claro que não existe volta ao que era, já que todos nós mudamos muito nesse período de pandemia. Mudamos nossa relação com o trabalho, com a família, com a nossa casa; descobrimos coisas que queremos mudar na nossa vida”, afirma Alessandra Morrison, diretora de recursos humanos da Kimberly-Clark (KC) Brasil. Sua empresa já estabeleceu que o modelo será híbrido. “Fizemos três pesquisas sobre isso com os colaboradores e um dos indicadores é que 73% dos funcionários querem voltar no esquema híbrido e flexível”, diz Morrison. A empresa só não está mexendo em layout ainda – quer poder experimentar.

A Whirlpool no Brasil, por sua vez, já tinha uma reforma programada para a unidade de São Paulo e a está executando neste momento sob os princípios FoW (“future of workspace”, ou futuro do espaço de trabalho). “O projeto traz muitas características do FoW, refletindo em nosso ambiente de trabalho uma empresa ainda mais ágil, digital, diversa, centrada no consumidor e pronta para o futuro”, diz Andréa Clemente, vice-presidente de RH da Whirl­pool. FoW é um modelo híbrido.

Também a Ticket Serviços, subsidiária da francesa Edenred, adotará o modelo híbrido. E seus planos de transição andam tão adiantados que a matriz fez benchmarking com os gestores brasileiros para definir a estratégia nos 46 países em que atua, como afirma José Ricardo Amaro, diretor de RH da Ticket Serviços. Outra adiantada, e com o trabalho híbrido escolhido, é a DSM. “Lançamos um projeto amplo para definir nosso novo modo de trabalho, chamado NEWork. Ludicamente o consideramos uma cidade que se conecta a todas as outras cidades da DSM, que são as plantas fabris, cada escritório e cada laboratório”, diz Renata Medeiros, diretora de RH da DSM América Latina. Embora algumas empresas venham optando pelo trabalho 100% remoto, como é o caso da consultoria Great Place to Work, a maioria ou não definiu ainda o que fará ou já optou pela mistura de trabalho remoto e presencial. A dúvida, neste caso, é entre um híbrido 3-2-2 ou um 2-3-2 (o primeiro corresponde a três dias no escritório, dois em home office e dois de descanso; o segundo, a dois dias presenciais, três remotos e dois off.) Parece futebol.

Princípios-chave

Se for para encontrar uma palavra que defina o trabalho pós-pandemia, escolhemos “flexibilidade” – e essa é a razão pela qual o escritório fica mudando e é chamado de “escritório vivo”. As pesquisas da fabricante de móveis de escritório americana Herman Miller, que estuda a relação entre comportamentos e layouts há décadas, confirmam isso. Como diz Andrea Soria, diretora de performance de espaços de trabalho da Herman Miller México, trata-se de fazer “espaços resilientes que podem ser reconfigurados e que podem se adaptar a mudanças sem a necessidade de grandes investimentos”. Lynda Gratton, a professora da London Business School que é uma das principais pesquisadoras mundiais em futuro do trabalho, tem dito que os gestores vão precisar tomar dedisões de espaço e tempo no FoW; não dá para pensar apenas em espaço. Num artigo publicado na MIT Sloan Management Review, ela afirma que as decisões sobre o ambiente onde o trabalho acontecerá levarão em conta os dois aspectos: • Espaço: para a atividade em questão, a pessoa precisa de mais de energia ou mais foco? (A maioria tem mais energia em casa e mais foco no escritório, mas pode ser o contrário para alguns.) • Tempo: o trabalho deve ser sincronizado com as outras pessoas ou é assíncrono? (Se síncrono, a preferência é o escritório.)

Além de tomar tais decisões para atender às necessidades de trabalho, os gestores também precisam contemplar as necessidades de socialização – especialmente numa cultura social como a brasileira. Segundo Soria, o escritório tende a ser, no mundo inteiro, o local para a criação e a disseminação da cultura organizacional, para engajamento dos funcionários e trabalho colaborativo, para promover a criatividade e a inovação. “A transferência de conhecimento, o aprendizado com o outro e a conexão com redes estendidas têm sido uma prioridade das empresas, uma vez que impulsionam o desenvolvimento profissional dos funcionários.” No Brasil, ainda mais talvez. Para a Herman Miller, a configuração do escritório tem uma lógica, como explica Andrea Soria: “Perto da entrada e no núcleo do edifício, as empresas devem concentrar os espaços de conexão, que podem ser utilizados como pit-stop pelos colaboradores que se deslocam de uma reunião para a outra e pelos visitantes e trabalhadores remotos. As áreas separadas do núcleo têm de ser projetadas para o trabalho mais focado, heads-down, em que os funcionários precisam de concentração; essas áreas requerem bom isolamento acústico, algo no qual não se presta muita atenção”.

Melhores práticas

Para entender o que pode ser feito nessa transição para o trabalho pós-covid, e como fazê-lo, HSM Management conversou com os executivos de RH de DSM, Kimberly-Clark, Ticket Serviços e Whirlpool, que vêm acompanhando o que é feito internacionalmente e dedicam uma parte significativa do seu tempo a pensar sobre o retorno ao escritório. O home office está 100% mantido nessas empresas – no caso das industriais, isso vale para os funcionários administrativos – e deve seguir assim ao menos até outubro de 2021. Os quatro líderes compartilharam conosco suas práticas, mas é importante pontuar que suas empresas já tinham meio caminho andado pré-pandemia: haviam abolido os lugares fixos – criando lockers para objetos pessoais –, permitiam um ou dois dias de trabalho remoto (que nem todos usavam) etc.

Critérios para voltar. A Kimberly-Clark se baseia muito no Center for Disease Control and Prevention (CDC), dos EUA, como diz Morrison: “Precisa ter um número de infectados por milhão de 90 e hoje estamos em 284 no Brasil. Quando chegar a 90 esse número precisa se estabilizar por três semanas ou cair”. Quando isso ocorrer, os colaboradores serão avisados e terão mais um mês para retornar, a fim de poderem se programar. “Alguns até se deslocaram para outros locais do País.” A DSM também considera esses fatores, e, além disso, prevê que, para voltar, deve ter ocorrido a vacinação em massa em todos os locais em que atua, não só nos escritórios brasileiros, informa Medeiros. Na Ticket Serviços, a data da volta será decidida pelo comitê de liderança ad hoc que faz avaliações semanais da situação da covid-19. E o plano é voltar paulatinamente, diz Amaro, seguindo as recomendações do governo paulista, com até 20% ou 40% de acordo com as fases emergenciais. No início, cada pessoa deve ser voluntária para retornar à atividade presencial.

Modelo na volta. “Acreditamos que a relação entre as pessoas é tecida nos pequenos momentos de interação; os encontros nos corredores e as conversas no café é que de fato transformam indivíduos em uma única equipe.” É assim que Clemente justifica a escolha do modelo híbrido pela Whirlpool global, com até dois dias de home office por semana. Na Kimberly-Clark, ainda há uma decisão pendente – será 3-2-2, como no pré-pandemia, ou 2-3-2? A esse respeito, há uma discussão global em curso. “Estamos num momento de revisitar o propósito da companhia, os valores, os comportamentos e o que chamamos de EVP – Employee Value Proposition, que é o que a empresa oferece para as pessoas”, explica Morrison. Na Ticket Serviços, o flex place, implantado em 2018 e que previa home office até dois dias por semana, será ampliado para até três dias na semana. E será mantido o flex time, para que as pessoas possam chegar ou sair duas horas antes ou depois do horário do expediente, evitando o trânsito. Na DSM América Latina, por fim, ficou definido que 45% dos colaboradores usarão o esquema híbrido, incluindo os líderes – os demais seguem presenciais, por atuarem nas fábricas. “Para as áreas administrativas a jornada será 60% presencial e 40% remoto”, explica Medeiros.

“Decision rights”. Na maioria das empresas, o direito de decidir quando cada um faz trabalho remoto e quando atua presencialmente é do líder da equipe, e o desejável é que ouça seus liderados e se baseie nas pesquisas que as empresas têm feito. A DSM estabeleceu alguns princípios para ajudar seus gestores.“Para atender às características específicas de cada área e os perfis de colaboradores, criamos quatro grupos de atividades: administrativo, vendas, pesquisa e desenvolvimento, e operações. Com isso, são elaboradas iniciativas que se adequem à realidade de cada uma dessas personas”, diz Morrison. Na Kimberly-Clark, assim como nas outras empresas, a distribuição dos dias de trabalho remoto e presencial entre os membros da equipe é atribuição do gestor direto, uma vez que depende muito da natureza da área. “O que reforçamos é que não se pode privilegiar ninguém. A distribuição tem que ser justa e equilibrada”, afirma Amaro, da Ticket Serviços.

Implementação. A maioria das empresas está fazendo muita pesquisa com os colaboradores para tomar suas decisões, em vez de impor um modelo top-down. Na DSM, por exemplo, o projeto para mudança do layout começa a ser pensado no âmbito do NEWork, com base nas informações da pesquisa “Futuro do Trabalho”, realizada com cerca de 800 colaboradores. “Além disso, diversos times estão sendo envolvidos em workshops e mapeamento de necessidades, colaborando com a pesquisa de referências, a ideação sobre tecnologias e arquitetura e a seleção de fornecedores especializados”, diz Renata Medeiros. Na Kimberly-Clark, a empresa fará o retorno presencial por etapas. Primeiro, voltarão 25% com distanciamento de 2 metros (e com uso de máscara). Conforme o número de infectados do País for baixando, o distanciamento será reduzido para 1,5 metro e, depois, para 1 metro, com aumento do percentual de pessoas voltando ao trabalho presencial. “Um pré-mapeamento já foi feito junto aos gestores, para identificar as pessoas que teriam uma melhor performance ou melhor qualidade de trabalho se estivessem no escritório e assim definimos os primeiros 25% que retornarão ao escritório. E os que utilizam transporte público para chegar à empresa devem ser os últimos a voltar ao trabalho presencial, por conta da segurança”, afirma Alessandra Morrison. Uma palavra-chave em todas as empresas é “protocolos”. A KC já tem uma série de protocolos desenvolvidos, de sinalização de distanciamento no chão a identificação de quantidade máxima de pessoas dentro do banheiro. “Temos um treinamento montado para os nossos líderes e colaboradores com todas as orientações”, diz Morrison. Importante: os programas de saúde mental desenvolvidos em 2020 serão mantidos nas empresas.

Ferramentas digitais. Em todas as organizações entrevistadas, a equipe de facilities estava fazendo levantamentos sobre as soluções no mercado, e isso continuou ou deve ser retomado no pós-pandemia. Muitas já são usadas, como as aplicações de fluxo de trabalho e de videoconferência. Mas há algumas medidas extras que vale mencionar, como as seguintes: eliminar, na medida do possível, o uso de papel, concentrando-se em arquivos digitais (e em apps de anotações em vez de cadernos); adotar assinaturas dos contratos feitas eletronicamente; usar aplicativos que substituam cadernos de anotações; instalar apps com mensagem de voz em cada notebook (como o Skype, na KC); e intensificar o armazenamento de documentos em nuvem.

Custos. Todas essas empresas estão fazendo investimentos na mudança, mas algumas, como a DSM, também pagarão ajuda de custo aos funcionários para compra do mobiliário adequado ao home office, garantindo ergonomia e saúde. Ajudando na aquisição, e também na manutenção, as empresas têm mais chance de reter os talentos que migraram para o interior e litoral durante a pandemia e até podem pensar em buscar novos colaboradores em outras geografias –, desde que em conformidade com a legislação. Localidades como Porto Seguro (BA), Ilhabela e Campos do Jordão (SP), e Alto Paraíso de Goiás, vêm investindo em melhor conexão com a internet e outra infraestrutura para se tornarem “cidades-escritório”.

Espaço. Já há menos metros quadrados de escritório nas companhias em geral. Em nossa amostra, a capacidade média vai de 60% da força de trabalho (KC) a pouco mais de 90% (Ticket). “Avisamos para toda a organização que um dia, excepcionalmente, talvez alguém precise usar a mesa do café”, diz Morrison. O princípio na KC, que foi decidido em 2017 mas cai como uma luva hoje, é a empresa poder operar como quem encaixa blocos Lego – de modo colorido, diverso, divertido, colaborativo, ágil, de múltiplas possibilidades – e ter um espaço alinhado com isso. Por enquanto, há quatro estruturas-lego: tradicional, squad (time ágil), hub (para área de marketing, que tem várias equipes, e todas devem fazer trocas sinérgicas) e o lab (voltado à experimentação). Na DSM, a tendência é dividir os espaços conforme as necessidades, como colaboração, trabalho focado, inovação e descanso. “Nos escritórios, por exemplo, teremos espaços mais colaborativos, com menos baias e mais salas modulares. Deve ser um local onde seja promovida a inovação entre os times. Nossas fábricas vão contar com salas de descompressão”, afirma Medeiros.

Tempo. Em todas essas empresas, a determinação do trabalho que requer sincronizar várias pessoas e a atividade assíncrona de cada um é uma decisão descentralizada – feita pelos gestores em conjunto com suas equipes. Porém o tempo não se limita a isso no escritório vivo; há rituais temporais. Um exemplo simples é que a maioria das empresas está fazendo as sextas-feiras serem mais curtas – ou toda semana, ou a cada 15 dias. Na Kimberly-Clark, além disso, uma manhã de sexta-feira por mês vira o “Focus Day”, reservado para as pessoas se organizarem.

sofá e poltrona NO ESCRITÓRIo são um convite para as pessoas não trabalharem? Segundo Antonio Mantovani Neto, diretor geral da Pitá Arquitetura, muitos gestores brasileiros ainda acreditam que sim. Por isso, mudar a mentalidade da liderança constitui um dos maiores obstáculos para uma empresa criar um escritório vivo.

Vencer tal desafio cabe ao RH. Amaro, da Ticket, diz que “a gestão deve passar a ser mais baseada em confiança e entrega, em vez de comando e controle”, e que é o RH que precisa orientar os gestores nesse sentido, tanto quanto fornecer informações de comportamentos desejáveis e discutir a performance das áreas. Andréa Clemente acrescenta que, entre os novos comportamentos da liderança, é crucial o de dar voz aos colaboradores e ouvi-los de fato. Tanto ela como Amaro enfatizam que o novo RH tem, até mais do que antes, a função de zelar continuamente pela integridade física e mental das equipes. “O RH deve elaborar estratégias para que o ambiente se torne cada vez mais saudável e colaborativo”, diz a VP da Whirlpool.

Em 2021, as empresas brasileiras estão na fase de testar novas configurações de escritório para entender seus limites e necessidades. “Nós as incentivamos a fazer pequenas intervenções e avaliar”, diz Michel Rike, sócio-diretor da empresa de arquitetura Zien. Essa prototipagem pode, porém, escalar antes do que se espera. O mercado de arquitetura vem prevendo um boom de demandas corporativas em meados deste ano, como afirma Raphael Tristão, fundador e CEO da Archademy, a plataforma que organizou a archathon do Google BH.





Escritório vivo básico

Área menor, conveniência maior. Reduzindo o espaço que ocupa, sua empresa pode buscar uma localização mais “cômoda”. Para isso, o objetivo não pode se limitar à redução de custos; deve ser principalmente ampliar a comodidade para as pessoas, o que se traduz em acesso a transporte, alimentação etc.

Mais espaços de convivência, menos estações individuais. Tem de haver espaços coletivos ao menos para processos de ensino, trabalho em equipe e momentos de descontração.

Espaços adequados para reuniões virtuais. Devem ter toda a tecnologia necessária, boa acústica, iluminação e cenário para lives – um cenário que passe a identidade corporativa e que possa ser atualizado para passar certas mensagens e informações.

Acústica em foco. É possível que a acústica do ambiente nunca tenha sido levada muito em conta na sua empresa; agora, isso importa mais do que nunca, não só nas salas de reuniões virtuais, como também nos espaços individuais, porque as pessoas precisam encontrar ali o foco que não conseguem ter em casa.

Revolução nos móveis. Empresas, na maioria, nunca deram muita importância aos móveis; historicamente, as cadeiras, por exemplo, eram escolhidas por preço – num “match” com o degrau hierárquico de quem sentaria nela. Com a abolição dos lugares fixos, a distinção perde o sentido. No escritório vivo, ergonomia, conforto, qualidade e estética contam muito, e são para todos. Manutenção e atualização são importantes, o que faz com que alugar móveis seja mais recomendável do que comprá-los. Buscam-se móveis residenciais, não de escritório, e “as a service”.

Descentralização. Dependendo do tamanho da empresa, a sede única pode dar a lugar a várias sedes – a principal e pontos satélites espalhados pela cidade.

Espaços terceirizados. Ainda que os encontros coletivos devam acontecer preferencialmente na sede, a fim de que a equipe “respire” a cultura corporativa, a empresa deve providenciar/facilitar coworkings para quem tem pouco espaço de home office em casa.

Fontes: Tiago Alves (coworking – Regus & Space Brasil), Andrea Soria (móveis – Herman Miller), Raphael Tristão (arquitetura e design de interiores – plataforma de inovação Archademy), Michel Rike e Antonio Mantovani Neto (arquitetura – Zien e Pitá).







“O dia em que demitimos nossa sede”

A decisão foi proposta pelo líder mas negociada coletivamente | por Daniela Diniz*

Doze de março de 2020. Esta foi a data da última vez que trabalhei no escritório da Rua Francisco Leitão, no bairro paulista de Pinheiros, a sede do Great Place to Work. Eu não poderia imaginar que aquele seria o último dia de trabalho no chamado modelo presencial. Afinal, nem essa expressão a gente usava naquela época. Ir para o escritório era algo natural, orgânico, fazia parte da rotina de todos nós, os 100 greaters, como somos chamados na empresa. Fazia parte da nossa vida.

Era lá, naquele predinho de três andares, numa das regiões mais pulsantes de São Paulo, que a gente se reunia, tomava café, batia os sinos das conquistas, se jogava nos pufes coloridos e avançava no carrinho de guloseimas saudáveis diariamente e carinhosamente preparadas pela nossa madrinha do bem-estar, a Maroca. Era lá que gente rabiscava parede, colava post-its em folhas de flip chart, fazia nossas massagens de 15 minutos, relaxava nas redes, fazia planejamentos do semestre, do ano, da área, de tudo. Só não planejamos que uma pandemia tomaria conta do planeta, duraria um tempo ainda indeterminado, atingiria tantas pessoas (e tantas famílias) e nos obrigaria a criar um novo jeito de trabalhar – e de conviver.

A mensagem para nós era clara: o cuidado com as pessoas deveria estar em primeiro lugar. Eu não sei quantas vezes ouvimos essa frase do nosso CEO, Ruy Shiozawa, que se apressou em mandar todos para casa reforçando que só retornaríamos ao escritório quando estivéssemos seguros. Bom, o ano todo passou e outro entrou e não estamos ainda seguros. Temos menos de 20% da população brasileira vacinada (com a primeira dose), novas cepas de vírus se espalhando rapidamente pelo território e longe ainda de ter um cenário de definição.

Mas a vida corporativa precisa definir alguns rumos e aí recebemos outra mensagem de Ruy: o cuidado com as pessoas dizia não só respeito à saúde dos funcionários, mas também à permanência no emprego. Desligar funcionários seria o último recurso usado, em caso de extrema necessidade. Afinal, no lugar de demitir pessoas, poderíamos demitir a nossa sede.

E foi isso que acabou acontecendo. A decisão, claro, não foi tomada de um dia para outro. Afinal, somos os maiores especialistas em avaliar e reconhecer bons ambientes de trabalho. Em casa de ferreiro, portanto, espeto precisa ser de ferro. Fizemos duas pesquisas com nosso time para capturar a percepção da equipe sobre o novo modelo de trabalho e o desejo de cada um de manter esse formato no futuro. Queríamos entender o impacto dessa nova rotina na vida de cada colaborador, dos solteiros, dos casados, dos com filhos, dos que moram com pais, dos com moram com pets e até daqueles que moram apenas com plantas. E, foi assim, após um ano de análises, pesquisas, contratos, contas e afins que decidimos demitir nossa sede. Não por uma questão de necessidade, mas por uma estratégia que se mostrou lógica e bem aceita por todos. Uma demissão de respeito, que contou com a participação de todo o time, numa atitude que reuniu planejamento e valores, reforçando nossa cultura.

Todos os bens da empresa – das canecas à geladeira – foram leiloados pelo e para o time. Os itens menores foram disputados numa planilha online sem lances mínimos, gerando competições acirradas por notebooks, cestos de lixo, bandejas e taças. Os itens maiores (geladeira, fogão, TV e outros aparelhos eletrônicos) foram arrematados num leilão virtual, via zoom, que durou cerca de três horas numa sexta-feira animada.

Cadeiras ergométricas e samambaias (do nosso lindo jardim de parede) foram doadas para os funcionários. Cada um levou a sua. A parte inteligente de todo esse processo: cada um ficou responsável por retirar seus bens adquiridos na sede, em horários previamente estipulados para não gerar aglomeração, resolvendo um problema logístico comum a toda a qualquer mudança. De quebra, gerou uma graninha no caixa. A parte emocional: o leilão funcionou como uma partilha de bens da família. Cada um ficou com um pedaço daquela história, até aqueles que começaram essa história sem ter tido a oportunidade de conhecer a sede.

Quase um ano e meio após o início da pandemia, nenhum funcionário foi desligado por necessidade do negócio – ao contrário, o time está crescendo (e os negócios também!). Aprendemos a trabalhar com os filhos, os pets e as plantas e seguimos mantendo nossa cultura nos detalhes, reforçando, por meio de atitudes como essas, nossos principais valores. Temos agora tempo para pensar no próximo modelo de trabalho (afinal, nada é definitivo), com a certeza de que as pessoas – nosso maior bem – estão seguras e satisfeitas.

Daniela Diniz é diretora de conteúdo e relações institucionais do Great Place to Work Brasil e colunista HSM.



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Autoria

Adriana Salles Gomes e Sandra Regina da Silva

A reportagem é de Adriana Salles Gomes e Sandra Regina da Silva, respectivamente editora-chefe e colaboradora de HSM Management

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