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Estratégia e execução

9 min de leitura

Relatório A3: a metodologia da Toyota

Livro “Managing to Learn”, de John Shook, gestor americano na Toyota, esmiúça a jornada da solução de problemas de um gerente e seu mentor, bem como o mecanismo de gestão que os orienta, na empresa japonesa

Michael S. Hopkins

17 de Abril

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Artigo Relatório A3: a metodologia da Toyota

Em 1983, um jovem norte-americano chamado John Shook foi ao Japão trabalhar para a Toyota. Ele já estivera naquele país, havia sido aluno dos princípios da gestão enxuta e se sentia atraído pelas ideias japonesas sobre melhoria de processos, qualidade e responsabilidade distribuída. Mas (hoje ele admite) ainda não sabia onde estava se metendo. Ele estava prestes a encontrar “o caminho”.

Shook era o único ocidental na cidade de Toyota e foi iniciado e treinado como qualquer outro que chegasse – passou pela forja daquilo que chamavam de “relatório A3”. “Cada novo contratado saído da universidade começava a aprender a partir das orientações do processo A3”, recorda. “O funcionário chegava a sua nova mesa e encontrava um problema esperando por ele, um mentor e um processo para aprender a resolver aquele problema. Todo o processo era estruturado em torno do PDCA {sigla em inglês para planeje, faça (do), verifique (check), aja} e capturado pelo A3.”

Ele acabou descobrindo que A3 era a designação internacional para o tamanho de uma folha de papel. Mas, na Toyota, tinha outro significado: um processo, uma maneira de pensar e de comunicar, um modo de aprender, um jeito de fazer as coisas acontecer e de tentar criar uma organização inteira de solucionadores de problemas. “A conclusão a que a Toyota chegou, muitos anos atrás, foi a de que cada questão em uma organização deveria ser descrita, analisada e solucionada em uma única folha de papel, que qualquer envolvido no problema poderia ver”, diz Shook.

Especificamente, continua ele, o A3 reúne em um único documento:

  • Descrição de um problema.
  • Análise a situação e suas causas subjacentes.
  • Identificação do resultado exigido.
  • Propostas de ações corretivas ou contramedidas.
  • Prescrição de um plano de ação (o que quem fará quando).
  • Criação de um processo de acompanhamento e revisão.

Não que dois relatórios A3 diferentes fizessem isso da mesma maneira. Apesar de os A3 terem seções padronizadas e uma ordem típica, eles diferem amplamente tanto no visual como no conteúdo. Shook sabe isso tudo porque acabou passando dez anos na Toyota – foi o primeiro norte-americano a tornar-se gerente na empresa – e porque, como ele escreve no livro Managing to Learn: “Tenho aprendido sobre o processo A3 por 25 anos, desde o começo de minha experiência na cidade de Toyota. Tive um mentor, vi pessoas sendo orientadas, orientei outros. Debati, treinei, xinguei e fui xingado. Aprendi a conseguir que as coisas fossem feitas, a envolver a organização, a reunir esforços para efetivamente ver as coisas acontecerem. ‘John, você deve usar a organização. Ela está aí para você. Use a organização como se fosse uma ferramenta para manuseio, um instrumento para tocar’, meu chefe implorava. Eu, sinceramente, não tinha ideia do que ele falava, no primeiro momento. Mas ele continuou a me orientar, a implorar, a me treinar. E, no final, eu comecei a ver”.

Porém tão interessante quanto o que Shook passou a ver foi o porquê de ele começar a vê-lo. Sua “iluminação” foi consequência do poder do A3 como mecanismo de gestão – uma ferramenta criada para produzir um resultado desejado não ao concentrar esforços para alcançá-lo, mas ao engendrar um processo que assegura que o resultado será alcançado.

A potência do A3 como mecanismo de gestão é uma das razões pelas quais ele, e o livro de Shook, merece mais atenção. O efeito de rigorosa seletividade da folha única é somente a maneira mais óbvia com que se cumpre uma tarefa. Outra razão é que mecanismos, em geral, são escandalosamente subutilizados pelos gestores. Mecanismos tratam de processos. Grandes mecanismos tratam de processos brilhantemente compreendidos. Nós ainda vivemos no mundo da administração por objetivos, mesmo se não usamos mais esse nome. Apenas se lembre de sua última avaliação anual, seu último plano estratégico, seu último orçamento. Considere quantos executivos recebem um número e a eles é dito para alcançá-lo, quantas organizações ainda operam por plano e instrução – aumente vendas, faça crescer o tráfego do site, aperfeiçoe a margem.

Não que os objetivos não tenham seu valor; eles são bons para colocar uma organização ou um indivíduo em certa direção. Mas não vão muito longe no sentido de permitir progressos nessa direção. Eles têm relação com resultados, porém não abrigam nenhuma pista sobre como esses serão alcançados. Não ajudam a resolver problemas, conceber planos ou melhorar a maneira como uma organização funciona.

O A3 faz tudo isso, pois é tanto um método como um relatório. O A3 requer de seu autor reunir e relatar fatos, pesquisar e oferecer feedback, identificar os donos de cada parte do trabalho e construir um caminho claro de acompanhamento antes que qualquer ação inicie. É quase ilimitadamente interativo. Acima de tudo, força todo o aprendizado a ser baseado não em estudos abstratos, mas “no lugar onde o trabalho acontece”.

Ele declara: “O aperfeiçoamento e a reflexão estão enraizados nos detalhes práticos da linha de frente de uma loja ou um escritório. Dividir e discutir o relatório leva a contramedidas eficazes e soluções que sejam baseadas em fatos e dados. Indivíduos aprendem fazendo”.

Segundo Shook, as pessoas também aprendem que o que a princípio parecia ser o problema acaba não se revelando dessa forma. Normalmente, descobrem isso porque o A3 conduz o autor, inexoravelmente, à identificação das causas-raiz, por meio da investigação e da escuta. “Preencher e discutir o A3 força os indivíduos a observar a realidade, apresentar os fatos, propor contramedidas para atingir o objetivo expresso, obter um acordo e fazer o acompanhamento, verificando e ajustando as ações em função dos resultados”, explica Shook.



Em primeira pessoa: John Shook em sua jornada A3
Como descobri em minha carreira na Toyota, a essência do conhecimento enxuto é aprender fazendo. Em 1982 aprendi, de imediato, como o processo de produzir um relatório A3 para enquadrar um problema ou definir um objetivo fomenta o modo Toyota de gerar conhecimento. Além disso, o processo revelou-me como os passos sequenciais do A3 marcam a trilha da geração de valor por toda a organização.

Em 1986, recebi a incumbência de dar suporte aos planos da empresa de construir uma fábrica em Georgetown, Kentucky. Primeiro, tive de aprender a entender e enquadrar a questão. A fábrica Kentucky Camry era um projeto enorme, com exigências de todos os níveis. Uma de minhas responsabilidades era criar e supervisionar o processo que faria com que milhares de páginas de documentação técnica japonesa fossem traduzidas para o inglês. Comecei a preparar um A3.

Para compreender o tema, ou o resultado desejado, primeiro precisei investigar a questão em profundidade. Que documentação teríamos? Como se apresentaria, quão complexa seria e qual seria a dificuldade de traduzi-la? Que processo já existia para isso? Esse questionamento me conduziu à única experiência prévia comparável que a Toyota havia tido, a NUMMI (New United Motor Manufacturing, a joint venture entre a Toyota e a General Motors em Fremont, Califórnia).

Nesse ponto, meu chefe me perguntou como eu conduziria o processo. Minha primeira sugestão foi abordar o problema como no caso NUMMI. Afinal, por que reinventar a roda? Em vez de me corrigir, ele me pediu para avaliar o processo de tradução da NUMMI. Esse tipo de inquirição exigiu que eu pesquisasse para compreender que processo havia sido usado previamente e o pensamento a ele subjacente.

Descobri que tinham ocorrido muitos problemas com a tradução no projeto NUMMI: inconsistências, má qualidade, prazos não cumpridos e confusão, devido à contratação de muitos fornecedores. Propus que enviássemos toda a documentação para um único tradutor. Contudo, após mais pesquisas, aprendi que o fornecedor de qualidade mais alta também era o que pedia maior prazo e maior preço. Além disso, nem todos pensavam que a qualidade do trabalho dele era a melhor, já que as pessoas da fábrica consideraram difícil trabalhar com a empresa. Ficou claro que eu precisava acrescentar o critério de avaliação “facilidade de trabalho com o fornecedor”, considerando a fábrica como outro cliente. E teria de levar em conta a inconsistência de qualidade e os prazos ruins de entrega. Isso exigiu a compreensão de todo o processo de tradução da documentação, do início ao fim.

Assim, expus minhas preocupações aos fornecedores, as quais desejava ver sanadas com um melhor serviço. A reação deles foi informar-me – com irritação considerável – os problemas que tinham tido. Muitos dos documentos que receberam da fábrica estavam praticamente ilegíveis. Eles frequentemente gastavam mais tempo formatando documentos do que fazendo a real tradução das palavras do japonês para o inglês. A papelada sempre continha muitos desenhos e gráficos, que eram desencorajadores para traduzir e recriar.

Então, voltei a falar com meu chefe com a proposta adicional de que teríamos de fazer um trabalho melhor de padronização de nosso processo de entrega da documentação aos fornecedores. Ele pareceu compreender e mesmo concordar, mas também me perguntou por quê, por vezes, os tradutores não tinham dificuldades com aqueles pontos. Por que acontecia de eles conseguirem terminar a tradução no prazo e com qualidade excelente? Meu primeiro pensamento foi simplesmente que alguns tradutores eram melhores do que outros. Mas, dessa vez, antes de saltar para uma conclusão, decidi voltar e ver exatamente como o processo funcionava.

Ainda que eu não percebesse, meu chefe estava me levando a questionar continuamente o estado das coisas, até que eu chegasse à causa-raiz do problema. Descobri que não apenas havia níveis diferentes de habilidades de tradução, mas também tipos diferentes. Alguns eram habilitados a entender a linguagem técnica, enquanto outros eram mais capacitados a lidar com as nuances das traduções japonês-inglês, e assim por diante.

Portanto, sugeri uma alternativa viável à situação que se apresentava, que atacasse diretamente as causas do problema. E se a tradução fosse feita em três passos, cada um desempenhado por um tradutor com a habilidade apropriada?

Meu chefe gostou da ideia, mas me perguntou como eu sabia que funcionaria. Teríamos de testar nossa hipótese. Ao mesmo tempo que parecia boa, também envolvia complexidade. De fato, em nossas amostras de teste, as etapas não foram tão bem como esperávamos. Como resultado, introduzimos um cronograma para mostrar onde estava cada documento no processo.

No entanto, apenas implantar aperfeiçoamentos não terminava o processo. Tivemos de compartilhar o que aprendemos com a equipe. Fui solicitado a criar um processo de acompanhamento gerencial para assegurar que tudo funcionasse bem do ponto de vista de cada pessoa a cada passo. Isso foi realizado ao assegurar que as pessoas a cada passo saberiam o processo precedente e posterior e teriam feedback instantâneo e contínuo sobre prazos e qualidade.

Tudo isso foi inserido no relatório A3, que era usado como ferramenta de colaboração para registrar feedback antes de implantar o processo e conseguir o consenso de todos os envolvidos. O design do sistema era transparente e levou em conta as preocupações de todos. Enquanto meu trabalho era criar o serviço em si, o objetivo maior era também eliminar o trabalho: meu trabalho era abolir o meu trabalho!



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Michael S. Hopkins

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