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Programas de talentos: derrubem os estereótipos

Algumas empresas já perceberam que, ou mudam a regra do jogo, ou ficarão estagnadas

Colunista Daniela Diniz

Daniela Diniz

23 de Outubro

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Artigo Programas de talentos: derrubem os estereótipos

Chamou atenção o anúncio do Magazine Luiza em selecionar apenas negros para o seu novo programa de trainees. Entre aplausos e revolta, o programa foi de inovador e disruptivo a ilegal e preconceituoso. Sem entrar no mérito do que é certo ou justo, gostaria de levantar apenas um ponto: por que a atitude do Magalu incomodou tanto a sociedade e ganhou tanta repercussão nas mídias? Porque ela rompe com um modelo mental de anos sobre quem é o jovem talento que se espera participar de um programa de trainees. 

Em minha trajetória profissional, pude acompanhar muitas companhias e conhecer de perto suas políticas e práticas de gestão de pessoas. Escrevi mais de cinquenta reportagens só sobre jovens talentos, seus perfis, competências e ambições. Durante mais de vinte anos, as empresas multinacionais ou gigantes nacionais, como o Magazine Luiza, buscavam selecionar jovens recém-formados em engenharia ou administração de empresas, de preferência em faculdades top de linha, com inglês avançado ou fluente, geralmente lapidado por intercâmbios no exterior realizados durante o Ensino Médio, e com um mínimo de experiência profissional. 

Num mercado que desenhava vagas baseadas apenas em hard skills, o profissional precisava preencher as lacunas exatas das competências exigidas. É claro que na fase de entrevistas a história pessoal de cada um e a empatia faziam diferença, mas a famosa peneira dos acirrados programas de trainees buscava selecionar, em sua esmagadora maioria, jovens com histórias de vida muito parecidas. A competitividade era vista como um traço de ambição saudável para a formação de futuros executivos de sucesso. Saíam na frente – e muito na frente – quem sabia (e podia) se alimentar com os ingredientes desejáveis para saciar a fome de poder. 

Liderança homogênea

O resultado de anos de busca pelo mesmo tipo de talento traduziu-se numa liderança com perfil homogêneo em grande parte das organizações. Dentre as 150 Melhores Empresas para Trabalhar no Brasil de 2019, por exemplo, dos 150 CEOs, 47 eram formados em Engenharia, 38 em Administração de Empresas, 13 em Economia, 9 em Ciências Contábeis e 8 em Ciência da Computação. Em sua maioria homens (135 homens x 15 Mulheres) e brancos. Dentre as lideranças, incluindo aqui cargos de diretores, gerentes e supervisores, a mesmice se repete: 44% de administradores e 28% de engenheiros. Maioria composta também por homens brancos. 

Num mundo que muda exponencialmente e já dá claros sinais de que precisaremos de uma mão de obra diversa, nós ainda nos comportamos analogicamente esperando formar e receber os mesmos padrões de profissionais estabelecidos no passado. O que não nos damos conta é que se repetirmos a mesma fórmula de vinte anos atrás não sobreviveremos nos próximos vinte. Provavelmente nem nos próximos cinco anos. Cabeças iguais nascidas em berços iguais dificilmente irão encontrar soluções diferentes. Algumas empresas já entenderam, portanto, que ou mudam seu estereótipo de talento ou ficarão estagnadas. 

O Magazine Luiza não é o único a romper com o modelo do jovem talento defendido por muitos anos por grande parte das companhias mundo afora. A Bayer, uma das pioneiras a levantar a bandeira étnico-racial, também abriu um programa de trainees e outro de mentoria exclusivamente para negros. A Nestlé deixa claro em sua página do programa que busca talentos diversos “não importa se você é black power ou indie, escuta um pagodinho, curte salto alto ou All Star”. A Movile, um ecossistema de empesas de tecnologia, como IFood, PlayKids e Zoop, enfatiza que o inglês não é um pré-requisito e que o recrutamento é feito às cegas. Ambev e Johnson & Johnson também retiraram a obrigatoriedade do inglês nos seus programas de trainees. E a Porto Seguro, embora coloque o inglês como desejável, reforça em primeiro lugar as atitudes desejadas no candidato: influência, humildade e ser conectado com tendências de mercado. As soft skills chamam mais a atenção do que as hard skills.

A iniciativa dessas empresas em derrubar algumas fortes barreiras de entrada – sejam elas objetivas ou inconscientes – é uma forma inteligente de se adaptar e responder às mudanças do mundo e dos negócios. É preciso ter jovens com mais brilho nos olhos do que sangue nos olhos. Com mais vontade de pôr a mão na massa e aprender, do que esperar um cargo alto no final do programa – promessa oferecida como o grande prêmio para os melhores. Como ouvi recentemente de uma executiva de recursos humanos, é preciso usar botina e salto alto – sem medo, pudor ou nojo. 

Durante anos, os programas de trainees formaram os executivos que o mercado precisava. Só que o mercado mudou. Os negócios pedem agilidade e múltiplos olhares para descobrir várias alternativas. Quanto mais diversidade de pensamento, de origem e de vida houver, mais possibilidades de rotas sua empresa tende a encontrar. Se não quiser, portanto, adotar esse caminho por justiça, que adote ao menos por inteligência.

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Colunista Daniela Diniz

Daniela Diniz

Daniela Diniz

Jornalista, com MBA em Recursos Humanos, acumula mais de 20 anos de experiência profissional. Trabalhou na Editora Abril por 15 anos, nas revistas Exame, Você S/A e Você RH. Ingressou no Great Place to Work em 2016 e, desde Janeiro de 2023 faz parte do Ecossistema Great People, parceiro do GPTW no Brasil, como diretora de Conteúdo e Relações Institucionais. Faz palestras em todo o País, traçando análises históricas e tendências sobre a evolução nas relações de trabalho e seu impacto na gestão de pessoas. Autora dos livros: Grandes líderes de lessoas, 25 anos de história da gestão de pessoas e Negócios nas melhores empresas para trabalhar, já visitou mais de 200 empresas analisando ambientes de trabalho.

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