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Desenvolvimento pessoal

5 min de leitura

Observe como você está falando

O mundo corporativo está cheio de palavras e expressões flácidas: vazias de sentido e que nada traduzem. Assim, quais palavras e expressões não fazem mais sentido usar hoje no ambiente organizacional?

Colunista Daniela Diniz

Daniela Diniz

03 de Novembro

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Artigo Observe como você está falando

Há cerca de 10 anos, Jean Bartoli, um querido professor de ética e filosofia, que carrega seu sotaque francês na fala calma e pausada, trouxe durante um almoço a seguinte provocação: “você já parou para pensar como o mundo corporativo acumula palavras flácidas?”. Sob meu olhar de curiosidade, ele prosseguiu. “Palavras flácidas são aquelas que usamos sem refletir, seguindo um modismo, e que, na essência, são vazias, não traduzem nada.”

Para mim, que sempre usei a palavra como ferramenta de trabalho, a afirmação dele não apenas fazia sentido como me fez prestar mais atenção no ‘corporativês’. A constatação é que somos pouco originais em nossas mensagens, passando a reproduzir sempre o discurso do outro, repetindo as tais palavras, que de tanto serem pronunciadas perdem seu significado, esvaziam-se. Outras palavras, mais do que desgastadas, passam a ser obsoletas no mundo do trabalho, mas insistimos em repeti-las porque elas se encaixam no discurso esperado pela plateia.

Abaixo, listo algumas palavras e expressões que passei a captar ao longo desses anos. e faço apenas um alerta para os que acreditam que a linguagem é um detalhe: as palavras têm força e elas traduzem exatamente o que você pensa.

Retenção

Vamos começar pela minha preferida. Quem já leu outros artigos meus já até sabe o que vou escrever aqui. Parem de reter seus talentos. O mantra “atração e retenção” entrou na nossa veia de tal forma que não refletimos mais sobre o sentido dele, pois apenas repetimos. A não ser que você ainda tenha uma gestão baseada no aprisionamento de pessoas e use antigas fórmulas como a de “fazer contrapropostas” para segurar o casamento, essa palavra não deveria ser mais usada.

No GPTW, por exemplo, substituímos por manter/permanecer. A expressão reter talentos ficou popular no final da década de 1990 com o famoso relatório publicado pela Mckinsey chamado Guerra de Talentos. Nele, uma nova relação de trabalho passou a ser descrita, não mais pautada na lealdade eterna dos seus profissionais, mas em uma concorrência natural: a melhor empresa leva o melhor funcionário.

Desse modo, estava estabelecida a largada para a corrida entre as empresas que passaram a revelar seus atributos e benefícios em pesquisas como a do Great Place to Work, para, entre outras finalidades, atrair e reter os melhores profissionais.

Num funil cada vez mais acirrado e num mundo cada vez mais complexo, dobrar o passe do candidato, exibir benefícios ou prometer cargos futuros não se revela mais uma prática sustentável para “segurar” os talentos. A relação entre colaborador e empresa hoje deveria estar num outro patamar que poderíamos chamar de relacionamento sério – até que cada um possa perceber que a aliança pode não fazer mais sentido, e tudo bem.

Desligamento

Essa ouvi recentemente, durante um debate em que mediei entre duas executivas de recursos humanos. Embora não gostasse muito dessa palavra, nunca parei para pensar que a palavra desligamento realmente não faz sentido no mundo corporativo atual. É flácida, como diria Jean. Afinal de contas, desligamos máquinas e não colaboradores. Pelo menos é isso que se espera em uma gestão de pessoas do século 21.

Não ligamos as pessoas quando a contratamos como se fossem robôs que passaram a funcionar no primeiro dia de trabalho. Portanto, não deveríamos desligá-las quando elas vão embora. O que fazemos quando a relação acaba? Nós nos despedimos. Sim, despedida. E ela pode ser um adeus ou, quem sabe, um até logo mais. Vai depender, claro, de que como foi essa relação.

Headcount

Nessa rica discussão em que paramos para refletir o significado de “desligamento”, falamos de outra expressão, vinda do inglês, que significa em linhas gerais o número de pessoas que trabalham na minha organização: headcount, literalmente “contagem de cabeças”. Se a tradução fez você imaginar uma cerca com vários bois, não se culpe. A palavra parece realmente mais apropriada para gado do que para gente.

Por isso, em tempos em que buscamos uma gestão mais humanizada, não custa nada adequar nosso vocabulário. Se tiver dificuldade, lembre de Jair Rodrigues, cantando Disparada, o clássico de Geraldo Vandré: “porque gado a gente marca; tange, ferra, engorda e mata; mas com gente é diferente”.

Funcionário padrão

O que é um funcionário padrão? É um colaborador que não falta? Que cumpre o horário? Que obedece ao chefe? Que bate todas as metas? Que faz tudo isso sempre com um sorriso no rosto? Não sei dizer, só sei que a expressão não faz sentido.

Num mundo que está aprendendo a valorizar a diversidade, não apenas como uma responsabilidade de inclusão, mas como uma estratégia de inovação, nada mais contraditório do que estabelecer um padrão a ser seguido.

Quando explicamos para as empresas que o caminho para o engajamento e inovação das pessoas passa por explorar o máximo potencial de cada um, significa conhecer e entender cada colaborador na sua essência, permitindo que seu melhor, que é diferente do melhor do outro, cresça e apareça.

Como escreveu o professor Michael B. Arthur, autor de An Intelligent Career “é muito mais produtivo ver as organizações como parte de um ecossistema, no qual cada um depende em alguma medida das outras partes”. Desse modo, é preciso ter mais colaboração e diversidade e menos padrão e competitividade.

Homem-hora

Ah, não poderia terminar esse artigo sem falar do homem-hora. E nem vou explorar aqui a questão de gênero – por que homem e não mulher? Contudo, esse não é o foco do questionamento. O essencial consiste em perguntar: por que ainda usamos essa expressão como medida de produtividade de funcionário?

A resposta é simples, mas carrega um desafio complexo: porque ainda estamos presos no modelo mental industrial. Todas as outras palavras, aliás, nos remetem a esse modelo mais hierarquizado, processual, segmentado, previsível e linear, típico da era industrial. Homem-hora, assim, é a unidade de medida usada para verificar o valor da hora de um trabalhador. Valor financeiro, é importante dizer, era o tipo de valor que o trabalho tinha na era industrial.

Se a definição da expressão provocou um desconforto, como se estivéssemos comparando funcionários às máquinas, verificando seu rendimento e durabilidade, você entendeu tudo. Afinal, quanto vale sua hora de trabalho? Consegue me dar um número para isso?

Adoraria aumentar o meu glossário das palavras flácidas e ficarei feliz com os comentários de vocês. Na sua opinião, quais palavras e expressões não fazem mais sentido usar hoje?

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Autoria

Colunista Daniela Diniz

Daniela Diniz

Jornalista, com MBA em Recursos Humanos, acumula mais de 20 anos de experiência profissional. Trabalhou na Editora Abril por 15 anos, nas revistas Exame, Você S/A e Você RH. Ingressou no Great Place to Work em 2016 e, desde Janeiro de 2023 faz parte do Ecossistema Great People, parceiro do GPTW no Brasil, como diretora de Conteúdo e Relações Institucionais. Faz palestras em todo o País, traçando análises históricas e tendências sobre a evolução nas relações de trabalho e seu impacto na gestão de pessoas. Autora dos livros: Grandes líderes de lessoas, 25 anos de história da gestão de pessoas e Negócios nas melhores empresas para trabalhar, já visitou mais de 200 empresas analisando ambientes de trabalho.

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