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Existe liderança fora das escolas de negócios?

Dona Rosa, sócia cofundadora da Cooperativa de Catadores e Recicladores de Alagoinhas, prova que é possível liderar uma jornada educativa sobre sustentabilidade, inclusão e diversidade nas ruas catando resíduos sólidos

Colunista Elisangela Matos

Elisangela Matos

05 de Abril

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Artigo Existe liderança fora das escolas de negócios?

Na posição de diretora de uma empresa global com grandes desafios na área de sustentabilidade estou sempre em busca de referências para o meu trabalho, o que inclui metas corporativas ambiciosas e baseadas na ciência, como reduzir as emissões de CO2 até 2030, reduzir a intensidade do consumo de água em 20%, implementar ações para sete dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) do Pacto Global da ONU e avançarmos na educação ambiental e impacto social, tanto interno quanto com as comunidades que atuamos. Assim, ler artigos, participar de fóruns com experts, ouvir conferencistas renomados ou líderes midiáticos são oportunidades para obter insights, fazer descobertas, encontrar algo que inspire e construir parcerias.

Mas quem tem me inspirado ultimamente encontra-se em um modesto barracão de uma cooperativa de catadores. Sem títulos acadêmicos, sem nunca ter estudado em uma faculdade, sem ter milhares de seguidores e nem sequer ter perfis nas redes sociais, uma mulher, preta, humilde, com não mais de 1,60 m de altura, que impressiona e empolga com sua voz contagiante e com o sentimento que transmite quando fala de reciclagem de resíduos, a importância dos catadores e o trabalho em cooperativa.

Rosa Queirós, a Dona Rosa, como é conhecida, não expõe estatísticas nem discorre sobre teorias de aquecimento global. Ela apenas conta a história, da sua vida e da Cooperativa de Catadores e Recicladores de Alagoinhas (Coral), da qual é sócia fundadora, que se misturam num exemplo de luta e empoderamento.

Quando era jovem, atravessava madrugadas empurrando carrinho com duas filhas crianças agarradas à saia e catando resíduos pelas ruas da Alagoinhas, cidade baiana a uns 120 quilômetros da capital. Hoje, com alguns problemas de saúde e quase sexagenária, faltam-lhe condições físicas para continuar na rua. Em compensação, sobram energia e determinação para continuar liderando uma jornada educativa sobre sustentabilidade, inclusão e diversidade.

No início, catar lixo era sua alternativa para “pôr comida nos pratos das filhas”. Com o passar dos anos, porém, o que começou como obrigação de mãe tornou-se a causa de uma cidadã que Dona Rosa nutre diariamente conversando, orientando e mobilizando cooperados, autoridades públicas e a comunidade em torno da importância da preservação do meio ambiente e do papel essencial dos catadores. Neste ponto, a liderança de Dona Rosa emerge pela firmeza, simplicidade e, sobretudo, autenticidade que conquistam confiança e inspiram. Como ela diz, “eu lidero meu povo, não ordeno!”.

A reciclagem de resíduos sólidos é altamente relevante para o planeta porque tem duplo papel no combate à crise climática. Numa ponta, a destinação correta reduz a emissão de gases de efeito estufa. Na outra, permite logística reversa e economia circular que podem diminuir a extração de recursos naturais do meio ambiente para a produção de insumos ou matérias-primas. Uma tonelada de alumínio reciclado, por exemplo, poupa cinco toneladas de bauxita e quase 17 mil kWh de energia, conforme dados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alumínio (Abralatas).

Graças às cooperativas de catadores e, também, aos trabalhadores informais, o Brasil é imbatível nesta categoria e recicla 98,7 % das latas de alumínio após o consumo. Mas em outros setores ainda há muito por fazer. De acordo com o último Índice de Sustentabilidade de Limpeza Urbana (ISLU 2020), o índice médio de reciclagem no Brasil não passa de 3,5%, e cerca de 50% dos municípios continuam descartando lixo incorretamente.

Desde o lançamento da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010, os catadores informais são reconhecidos legalmente como atores fundamentais na cadeia de reciclagem. Estudos da organização internacional Wiego (Mulheres em empregos informais: globalizando e organizando) apontam que esses trabalhadores geralmente não têm proteção social ou têm proteção social limitada e enfrentam grandes riscos (riscos à saúde, acidentes, violência urbana etc.). As mulheres são mais expostas a estes riscos porque constituem a maioria nas cooperativas.

Vistos, muitas vezes, com desprezo, ideias preconcebidas e preconceito, catadoras e catadores têm papel fundamental para que o Brasil possa atingir algumas metas de ODS, como a 11, no item seis (reduzir o impacto ambiental negativo per capita das cidades, inclusive prestando especial atenção à qualidade do ar, gestão de resíduos municipais e outros) ou a 12, item 5 (reduzir substancialmente a geração de resíduos por meio da prevenção, redução, reciclagem e reuso).

São metas difíceis e, mesmo que não saiba, Dona Rosa contribui cada vez mais para que sejam alcançadas, porque sempre que ela fala, seja para seus cooperados ou qualquer pessoa da comunidade, sua liderança inspira e tem uma força transformadora, mobilizando mais pessoas para a causa.

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Colunista Elisangela Matos

Elisangela Matos

Elisangela Matos é diretora de sustentabilidade da Ardagh Metal Packaging.

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