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Estratégia e execução

25 min de leitura

As vozes da diversidade

Conscientes de nossos vieses, decidimos ceder as nossas páginas para quem mais precisa de voz. Assim, você será guiado(a) pelas experiências e conhecimentos de quem realmente entende de diversidade e inclusão: pessoas que, ao enfrentarem situações de exclusão e preconceito, decidiram fazer algo para mudar o mundo

24 de Outubro

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Artigo As vozes da diversidade

Depois de tantas pesquisas e aulas sobre vieses inconscientes, uma questão fundamental nos surgiu: tendo consciência da nossa própria condição privilegiada (somos jornalistas brancas, empreendedoras e de classe média), como falar de preconceito e retratar a diversidade e a inclusão, sem enviesar a reportagem com a nossa visão de mundo? Nossa solução foi ceder nossas páginas para as diferentes vozes da diversidade, deixando as propostas emergirem de quem mais entende dos temas. Pedimos a sete porta-vozes de diferentes grupos minorizados para que trouxessem dados, propostas de soluções e alertas de armadilhas para orientar pessoas e empresas que desejam se aprofundar no tema. O resultado você confere nas páginas a seguir, lembrando que, ainda que esse seja um bom panorama, estamos longe de esgotar o tema. Como a diversidade é para todos, nem que este dossiê tivesse 200 páginas daríamos conta de contemplar todos os grupos que precisam de voz neste País. Portanto, pedimos a sua ajuda para que essa conversa iniciada aqui não termine nos limites de nossas páginas, ok?

Antes de ler as ideias dos nossos especialistas, convidamos você para um bate-papo com Ricardo Salles, sócio da consultoria Mais Diversidade e pesquisador da Universidade de São Paulo. Para nós, entrevistar Salles foi uma primeira aula sobre diversidade e inclusão, e nos demos conta de algo que o mundo dos negócios conhece bem: não podemos melhorar aquilo que não podemos medir. E esse é o alerta comum dos especialistas. Muitas empresas estão entrando na onda da diversidade sem nem compreender a sua própria realidade. 

E aí aprendem, da pior forma, que ser diverso sem ser inclusivo pode produzir uma foto bonita para o LinkedIn, mas resultar em um grande desperdício de tempo e investimento. E o que é preciso para ser inclusivo? Antes de mais nada, sensibilizar e educar. E é para realizar essa jornada de descobertas e empatia que convidamos você nessa primeira reportagem do dossiê.

Qual a diferença entre diversidade e inclusão?

Ricardo Salles: Pensar em diversidade é pensar no conjunto de características que nos torna únicos: raça, gênero, orientação sexual, formação cultural etc. Falar em inclusão significa valorizar essas características, e garantir que todos possam ter as mesmas oportunidades de desenvolvimento. 

Por que o tema ganhou relevância?

Ricardo Salles: Parte das organizações entendeu que essa é uma questão urgente para a nossa sociedade. Nosso País ainda é profundamente desigual e preconceituoso, e isso atinge esses grupos minorizados. Outra coisa é a quantidade de pesquisas, estudos, que associam diversidade e inclusão a resultados. Equipes inclusivas têm maiores taxas de engajamento, empresas diversas são mais inovadoras, criativas, sofrem menos com absenteísmo, turnover etc. Quando essa pauta passa a ser olhada pelo ponto de vista de negócios, desperta-se também a atenção das organizações. 

Como começar a fortalecer uma cultura que valoriza a diversidade e a inclusão?

Ricardo Salles: O primeiro passo é capacitar. Não são questões triviais. Muitas pessoas não tiveram acesso a discussões de qualidade sobre LGBT+, por exemplo. Aí chegam na empresa sem entendimento do tema. As empresas hoje têm a oportunidade de educar, de dar informação, de dizer o que é esperado delas. E o que é esperado? Não é aceitação. É respeito. Então, é preciso criar um ambiente em que o respeito seja a base das relações, que apareça no discurso e nas atitudes da liderança, e que reflita no comportamento dos colaboradores.

Por onde começa um trabalho de diversidade e inclusão?

Ricardo Salles: São dois pontos: estratégia e governança. A estratégia, além de trazer clareza de qual o olhar da empresa para o tema, serve para determinar o resultado esperado e em qual prazo. Essa etapa pode ser desenhada pela liderança com apoio de grupos de afinidade (como as empresas se referem aos grupo de mulheres, LGBT+, negros etc.), certificando-se de que, mais do que entusiastas, essas pessoas entendam profundamente do negócio. Já a governança ajuda na divisão de papéis e responsabilidades. Por exemplo, o comitê desenha a estratégia, estabelecendo métricas e indicadores, e abaixo desse comitê os grupos detalham o plano de como chegar a esses resultados (atividades, cronograma, investimentos etc.).

Infelizmente as estatísticas sobre a população trans no Brasil são escassas. Costumo citar a Antra (Articulação Nacional de Travestis e Transexuais), que aponta que 90% das pessoas trans vivem da prostituição, mas os dados não são abrangentes. É por isso que uma das nossas batalhas é identificar quem são e onde estão as pessoas trans, para que possamos ter políticas públicas corretas e mais centradas. Precisamos dar visibilidade e foco para que essa causa seja realmente inserida dentro da nossa sociedade. 

Para isso, a primeira coisa a fazer é acabar com os estigmas e ajudar as empresas a enxergarem os invisíveis. Porque, no geral, as pessoas acham que trans só pode ser garota de programa, cabelereira ou estar em subempregos. E as empresas, por não conhecerem, preferem não lidar com essa realidade. Isso dificulta o processo de tornar a cultura corporativa mais inclusiva. É preciso que os filtros e os processos seletivos das empresas aprendam a fazer contratações verdadeiramente inclusivas, em que todo mundo se sinta contemplado. Na outra ponta, é preciso capacitar as pessoas trans que sofrem desde cedo a exclusão na família e com a evasão escolar. Precisamos ampliar as capacitações e o desenvolvimento educacional dos profissionais trans. 

Temos observado que há muita empresa querendo entrar na moda da diversidade sem transformar a cultura corporativa. Eu acredito que não adianta buscar consultoria querendo ter mais diversidade se não procurar criar uma cultura verdadeiramente inclusiva. Se a empresa trabalha a cultura, a diversidade brota naturalmente. Outra coisa que eu vejo como muito importante é não transformar o processo de inclusão no que chamamos de “efeito zoológico”, que é fazer exibicionismo. É extremamente prejudicial, principalmente quando não é conversado com a pessoa que está inserida no processo. Aí, ela tem que posar de modelo na intranet ou palestrar em eventos para mostrar como a empresa é legal. Colocar a diversidade numa vitrine é uma armadilha. 

Eu acredito que quanto mais orgânico for o processo de incorporação da diversidade e ampliação da cultura inclusiva, melhor é. As empresas não precisam criar novos mecanismos. 

É preciso olhar para dentro e ver quais projetos já fazem parte do DNA da empresa e que podem ter essa cultura mais inclusiva. Assim, tudo fica muito mais fácil e natural. As empresas também precisam ir além da empregabilidade, e pensar no que é possível fazer para transformar ainda mais a cultura e agregar impacto por meio da responsabilidade social. 

Por fim, quero registrar que trabalho nessa causa porque tem tudo a ver com o que acredito, com minhas vivências e referências pessoais. 

E também por entender que um mundo mais justo e mais humano tem que tratar com equidade toda sua população. É isso que me move e que me impulsiona. Como visão de futuro, o que a gente quer é acabar com a TransEmpregos. Ela não foi criada para durar para sempre. Temos uma meta da instituição durar 15 anos. Já estamos no quinto ano. O dia que as pessoas e as empresas entenderem que competência não tem nada a ver com a identidade, cor, raça, de onde a pessoa veio ou orientação sexual, estaremos no caminho certo. Gosto muito de uma frase que diz: “Diversidade é quando a gente conta as pessoas. Inclusão é quando as pessoas contam”. Quando isso acontece, você não depende da boa vontade de uma liderança ou de um grupo. Todo mundo sabe qual o caminho certo a seguir.

O preconceito etário no mercado de trabalho no Brasil é um fato. O País tem mais de 30 milhões de idosos (pessoas com mais de 60 anos) e 51 milhões de pessoas com mais de 50 anos, ou seja, um quarto da população brasileira. E são essas pessoas que mais sofrem com o desemprego. Mesmo ativas, essas pessoas ficam invisíveis no mercado de trabalho. Para as mulheres é ainda pior. Com 40 anos elas já sofrem preconceito pela idade. É muito comum as empresas terem processos seletivos que limitam a idade do candidato, e isso muitas vezes é visto como normal, e não como preconceito. Números mostram que a taxa de desemprego entre os trabalhadores com mais de 60 anos é de 4,8%. Questionamos esse dado porque a maior parte desse contingente acaba indo para a estatística de desalentados, já que a maioria desiste de procurar emprego formal com essa idade. 

Na MaturiJobs, a gente tenta combater o problema por dois caminhos. De um lado, conversando com as empresas, debatendo o assunto, fazendo um processo de conscientização e sensibilização. Tentamos quebrar vários mitos que compõem o preconceito etário no mundo corporativo, como o de que os profissionais mais velhos não servem mais porque não sabem mexer com tecnologia, não são tão ágeis ou antenados quantos os jovens, entre outras coisas. Nossa experiência mostra que as pessoas mais velhas têm muito a agregar. Elas trazem bagagem de vida, um comprometimento mais alto, além de ter bom relacionamento interpessoal, mais calma para lidar com os problemas, até porque já passaram por diversas situações. 

Em paralelo, trabalhamos com os profissionais maduros para que eles pensem em outras alternativas, como o trabalho autônomo, a consultoria ou o empreendedorismo. A gente tem o desafio de fazer com que as pessoas estejam atualizadas para entender esse novo mundo do trabalho e saber lidar com isso. Oferecemos cursos, tecnologia e damos apoio para que depois a pessoa mais velha possa achar outros caminhos além do emprego tradicional. É preciso desaprender para reaprender. 

Para não caírem em armadilhas, as empresas não podem querer fazer inclusão etária só por uma boa ação ou por marketing. Mais do que uma questão social, entender o envelhecimento é estratégico para as empresas. Afinal, se a população está envelhecendo, isso significa que o público consumidor também está. Então, não adianta ser inclusivo só para sair no jornal como empresa responsável. A inclusão etária precisa ser genuína e sustentável. Os líderes precisam entender o quanto isso é importante para o negócio e para a sociedade. Os profissionais maduros não são melhores nem piores que os jovens. Eles são diferentes, com características complementares que podem trazer benefícios diretos para o negócio.

Acreditamos que, para começar, as empresas devem investir na conscientização de seus colaboradores, para que eles de fato entendam a importância desse assunto. Aí então passar a incluir as pessoas maduras nos processos seletivos, fazendo eventuais adaptações para que elas tenham as mesmas condições de performar e mostrar seu trabalho tanto quanto os mais jovens. As empresas também precisam estar mais abertas para receber essas pessoas para que, quando contratadas, elas encontrem um ambiente mais propício para o diálogo e para a integração intergeracional. 

Eu sempre digo que o preconceito etário é universal, porque independentemente da classe social, da raça, do gênero, todo mundo vai passar por isso. As pessoas estão vivendo cada vez mais, com qualidade de vida, e elas precisam ter a possibilidade de trabalhar por mais tempo, enquanto elas quiserem, e não até o mercado descartá-las em função da idade. A missão do MaturiJobs é quebrar esse preconceito etário no mercado de trabalho, mostrando que a idade cronológica não tem nada a ver com a performance, a capacidade de aprender, ser criativo e executar tarefas. O legado que a gente quer deixar é abrir cada vez mais essa discussão, gerar a inclusão e fazer com que as pessoas entendam que todos temos muito para fazer enquanto sociedade.

Atualmente, a cada 59 pessoas que nascem, uma é diagnosticada com autismo. Quando falamos na questão de trabalho para pessoas com autismo, os dados são alarmantes. No Brasil, temos poucas estatísticas com relação ao desemprego dessas pessoas. Usamos como referência dados vindos de fora (da Inglaterra, da Espanha, dos Estados Unidos), os quais apontam que apenas 15% das pessoas com autismo conseguem emprego nas corporações.

Empresas, equipes de RH e profissionais de recrutamento e seleção desconhecem o potencial que as pessoas com autismo têm. Geralmente, quando os autistas se candidatam a vagas de trabalho, não conseguem passar nos processos seletivos em função de suas dificuldades de comunicação e interação social. Mas as empresas que adaptam seus processos seletivos a essas pessoas conseguem perceber a qualidade dos profissionais com autismo em termos de raciocínio lógico, capacidade para identificar erros e paixão pelos detalhes. Além disso, precisamos desenvolver habilidades e comportamento dos autistas para minimizar suas dificuldades e, ao mesmo tempo, preparar as equipes que vão receber esse novo profissional por meio de palestras informativas e sensibilização. Tudo isso faz com que o processo de inclusão ocorra de uma forma mais confortável tanto para as pessoas com autismo como para os times de trabalho. 

Na minha opinião, uma armadilha em que as empresas podem cair é não ter um cuidado posterior depois que um profissional autista é contratado. Mesmo com um processo seletivo inclusivo, as empresas tendem a esquecer desse apoio especializado ao longo do tempo. É importante que as empresas mantenham um acompanhamento individualizado e uma checagem de como está esse profissional, que tipo de apoio essa pessoa precisa e como preparar toda a equipe de trabalho para a convivência. As empresas que fazem esse acompanhamento constante têm excelentes resultados e uma alta taxa de retenção. 

Para a empresa que quer começar um projeto de valorização da neurodiversidade, a melhor coisa a fazer é conversar com quem já fez, com quem vivenciou essas situações desde o recrutamento até os apoios necessários durante o trabalho. Não precisa reinventar a roda. Tem muitos exemplos aí que podem contribuir para que outras empresas criem sólidos programas de inclusão, nas quais as pessoas com autismo sejam acolhidas e se sintam felizes trabalhando. Isso gera tanto impacto econômico como social na empresa. Na Specialisterne sugerimos que, principalmente no começo, as empresas busquem um profissional ou alguma organização que conheça bem o tema. As empresas podem se preparar para a convivência com o diverso e aproveitar todo o potencial que isso tem. 

Eu escolhi trabalhar nessa causa porque acredito que as pessoas que hoje são minorizadas na nossa população e têm poucas oportunidades de trabalho precisam de apoio, de tecnologia social para que elas possam sair de uma posição de exclusão da sociedade para um novo patamar de inclusão profissional e cidadania. A questão da valorização da diversidade é um processo que pode contribuir muito com as empresas. Nós sabemos que quanto mais diversas são as equipes, mais inovação e criatividade surgem. A diversidade também faz bem para o engajamento dos times de trabalho, para a humanização das equipes e também para os resultados da empresa. 

Como adendo, gostaria de colocar que as corporações que adotam uma postura inclusiva com os autistas podem aliar-se aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, contribuindo para o crescimento econômico e a valorização de uma cultura de diversidade. 

Toda a sociedade é prejudicada pelo racismo estrutural que existe no Brasil, que exclui sistematicamente a população negra do mercado de trabalho. De acordo com o IBGE, somos 110 milhões de pessoas negras no País. No entanto, ocupamos apenas 5% dos cargos executivos nas 500 maiores empresas, segundo pesquisa do Instituto Ethos. Desse número, menos de 1% são ocupados por mulheres. E as mulheres negras são 50% mais suscetíveis ao desemprego do que outros grupos, diz o Ipea. Mas os números não escancaram o preconceito velado com que o negro se depara diariamente. No instituto fazemos uma dinâmica chamada “o jogo do privilégio branco”, que já rodamos com 3.000 pessoas em mais de cem empresas e organizações. Os profissionais são enfileirados e a cada pergunta sobre oportunidades eles dão um passo à frente ou atrás. Nunca uma pessoa negra ficou na frente. Esse jogo ilustra a crueldade do racismo no mundo corporativo. 

Segundo pesquisa da consultoria McKinsey & Company, empresas com índices altos de diversidade de raças têm 35% mais probabilidade de obter resultados acima da média no seu ramo. É um fato que a promoção da igualdade racial agrega valor para as corporações. Mas, para que isso aconteça, é preciso criar um plano de ações propositivas que valoriza e respeita as habilidades de cada um, independentemente da cor da pele.

No Instituto ID_BR, acreditamos em três pilares de ações que começam com o Compromisso da empresa pela igualdade racial (com palestras, dinâmicas e conscientização do time), passam pelo Engajamento (com a definição de metas concretas para contratação, retenção e desenvolvimento de pessoas negras na empresa) e terminam na Influência (sensibilização de colaboradores, fornecedores e clientes para criar uma mudança em cadeia). Essas três fases visam um nível de maturidade consistente das empresas em relação à pauta racial. 

Para promover a igualdade racial no ambiente corporativo, as empresas têm que envolver diversos setores e pessoas, em especial a gerência média e a alta liderança, e criar ações estruturadas de longo prazo. Não adianta só fazer palestra no dia 20 de novembro (Dia da Consciência Negra). É preciso criar metas e prazos para que a mudança não fique só no discurso. Para isso, é necessário investir. Não se move cultura corporativa sem investir dinheiro e tempo da alta liderança. Inserir a pauta racial na empresa sem ter pilares estruturados, metas, prazos e budget é uma armadilha. Trabalhar a cultura organizacional e a gestão de pessoas não é fácil, mas as coisas só acontecem se tiver investimento e real vontade de mudar. 

Para tornar o ambiente corporativo menos desigual, a primeira coisa é fazer um diagnóstico inicial, entendendo o perfil dos colaboradores. É preciso também criar um ambiente seguro e abrir um momento para escuta, o que facilita o processo de construção da igualdade dentro da empresa. Um bom caminho é reunir um grupo de trabalho formado por integrantes de diversos setores e níveis hierárquicos que se debruce especificamente sobre a pauta de modo estruturado com o objetivo de sensibilizar, construir e acompanhar as ações concretas para avanço da igualdade racial. Aconselho também que a empresa tenha um sponsor, que será alguém da alta liderança para patrocinar ações e defender a prioridade da pauta racial. 

O meu envolvimento com essa causa começou com a minha própria história pessoal, quando ainda era modelo e percebi as barreiras que tinha que enfrentar por conta da minha cor, que limitava as ofertas de trabalho. Foi a partir daí que entrei fundo no tema e criei o ID_BR, cuja missão é promover a igualdade racial no mundo corporativo.

Pesquisas apontam que levaremos 150 anos para equiparar as oportunidades no mercado de trabalho para as pessoas negras, e nós não queremos esperar todo esse tempo. Nossa perspectiva com o Instituto é reduzir essa previsão a um terço e acelerar o processo para que, em 50 anos, a gente possa ter na alta liderença das organizações 50% de funcionários negros e 50% de funcionários brancos. Para isso, queremos cada vez mais engajar pessoas de diferentes raças e estimular o debate em toda a sociedade, com foco no mundo corporativo. A promoção da igualdade racial é uma causa de todos. 

De acordo com o IBGE existem cerca de 45 milhões de brasileiros com alguma dificuldade física, auditiva, sensorial, intelectual ou múltipla. Isso representa quase 24% da população brasileira. Se considerarmos as limitações compatíveis com as deficiências contempladas na Lei de Cotas, chegamos em um número em torno de 7 milhões de brasileiros. A Lei 8.213/1991, conhecida como Lei de Cotas, estabelece um percentual que varia entre 2% a 5% de funcionários CLT com deficiência em empresas com cem ou mais funcionários. Quanto maior é a empresa, maior a cota. Empresas com mais de 1.000 colaboradores devem preencher 5% do quadro com profissionais com deficiência.

A cota nacional, considerando todas as empresas com cem ou mais funcionários gira em torno de 700 mil a 800 mil vagas de trabalho.

De acordo com os últimos dados da RAIS do Ministério do Trabalho existem cerca de 440 mil pessoas com deficiência trabalhando.

Esse número representa menos de 1% da força de trabalho formal nacional, ou seja, mesmo com uma Lei de Cotas que obriga as empresas a contratar pessoas com deficiência, a representatividade desses trabalhadores no mercado de trabalho formal é baixíssima.

A despeito dos números, o maior e principal desafio a ser combatido é o preconceito, que às vezes se manifesta de forma consciente, mas muitas vezes se manifesta de maneira inconsciente: os chamados vieses inconscientes que rotulam as pessoas com deficiência, generalizando o grupo como um todo e colocando todos em uma mesma caixa, normalmente associada a conceitos de incapacidade, vulnerabilidade, piedade e inferioridade.

A inclusão de pessoas com deficiência deve ser encarada como um processo de longo prazo que exige investimento, acompanhamento e gestão. As empresas são reflexo da sociedade e para se tornarem inclusivas precisam fazer um trabalho constante e profundo. Por isso, é preciso fazer treinamento, comunicação, palestras, workshops. Também garantir ações de recrutamento e seleção inclusivos com banco de currículos e employer experience para acompanhar a jornada desses colaboradores e ações de employer branding para atrair os melhores talentos com deficiência. É preciso garantir acessibilidade física, com acessos e estruturas preparadas, e acessibilidade tecnológica, que é uma grande aliada da inclusão. Atualmente, temos muitas tecnologias assistivas que diminuem as limitações provenientes das deficiências, permitindo maior igualdade entre todos.

Apenas contratar pessoas com deficiência e cumprir a cota não garante que a empresa seja inclusiva. Essa é a maior armadilha em que as empresas podem cair. Na iigual trabalhamos com recrutamento e seleção de profissionais com deficiência há muitos anos e conhecemos bem as dificuldades de aprovação dos candidatos. 

A maioria das empresas contrata pessoas com deficiência apenas quando são fiscalizadas, motivadas exclusivamente para cumprir a cota e evitar a multa. Dessa forma, encaram a contratação desses profissionais como um custo e não como um investimento, oferecendo as vagas com salários mais baixos e procurando por pessoas com deficiências leves que não necessitem de acessibilidade física ou tecnológica. No final, essas empresas estão contratando profissionais desqualificados apenas como números para preencher cotas. Esse cenário mascara o potencial profissional das pessoas com deficiência, que permanecem estagnadas em cargos operacionais, sem plano de carreira ou chance de crescimento. 

Conviver é o melhor caminho para enxergar as pessoas além de suas limitações. Ainda existem muitos mitos sobre a capacidade dessas pessoas no ambiente de trabalho. Para as empresas que querem garantir a acessibilidade é preciso ter uma estrutura física preparada. Até hoje encontramos escritórios sem sanitários acessíveis ou sem acesso nas edificações. Mas não é só isso. É preciso garantir também acesso à tecnologia como softwares, sistemas, sites e apps com acessibilidade digital. Todas essas preocupações devem ser foco das empresas que querem trabalhar com diversidade e inclusão. Tudo feito por um gestor específico ou um profissional sênior especializado em diversidade e inclusão apoiado por um grupo multidisciplinar e com o patrocínio e o envolvimento da alta liderança.

A iigual nasceu de um propósito. Quando me tornei cadeirante em 1998, percebi o quanto a sociedade não era inclusiva. Eu uso cadeira de rodas, mas sou muito mais do que minha deficiência. Sou uma mulher empoderada, empreendedora social, gestora, casada, tenho dois filhos, dou palestras e ajudo a sustentar minha casa. Mas as pessoas insistem em olhar apenas para a minha cadeira de rodas. Muitas vezes sou chamada como “a moça da cadeira de rodas”.

Hoje, a iigual atua como uma consultoria auxiliando e orientando as empresas a construir, desenvolver e aprimorar programas de diversidade e inclusão. Contamos com um banco de currículos com mais de 200 mil profissionais com deficiência e uma equipe especializada. Além de recrutamento e seleção, a iigual também faz consultoria e palestras. Nossa missão e legado é contribuir para um mercado de trabalho inclusivo, que enxergue valor na diversidade e que ofereça igualdade de oportunidades para todos independentemente de deficiência, raça, idade, sexualidade ou qualquer outra característica.

As mulheres estão sub-representadas nos altos cargos de direção. Segundo pesquisa do Instituto Ethos apoiada pela ONU Mulheres, as mulheres são 14% dos comitês executivos e 11% dos conselhos de administração das maiores empresas brasileiras. Outro dado preocupante dessa pesquisa é que as mulheres em cargos gerenciais estão estagnadas ao redor de 30% desde 2005. As mulheres estudam mais, são mais de 50% das formadas em universidades, com exceção das carreiras de exatas, nas quais há mais de uma década estão estagnadas na faixa de 30%. 

As mulheres também são a maioria dos trabalhadores informais. E são sobrecarregadas com os trabalhos de cuidado, não remunerado. Elas também ganham menos do que os homens. Em 2015, um homem branco ganhava na média R$ 2.509 

e uma mulher branca R$1.434, um homem negro R$ 1.383 e uma mulher negra R$ 1.027.

Em primeiro lugar, as empresas precisam assumir que empoderar as mulheres não é só o certo a ser feito, mas é a decisão mais inteligente para os negócios. Empresas com mais mulheres nos conselhos de administração são mais lucrativas, inovadoras e produtivas. As organizações precisam também adotar políticas de promoção de igualdade e oportunidade e estabelecer programas especiais para a contratação de mulheres.

A ONU Mulheres e o Pacto Global criaram em 2010 a plataforma dos princípios de empoderamento das mulheres para orientar as empresas. A plataforma tem sete princípios orientadores. Entre as várias práticas para mais mulheres na liderança e em funções predominantemente masculinas destaco: programas de mentoria, sponsorship e treinamentos exclusivos para liderança; assegurar pelo menos a identificação de uma mulher na lista de sucessão de cargos de liderança e pelo menos uma mulher na lista curta do processo de seleção; dar visibilidade para mulheres que chegaram lá; esforço para buscar mulheres fora da empresa em cursos e faculdades das carreiras de exatas; benefícios que apoiem a conciliação da vida profissional e pessoal; treinamentos de vieses inconscientes para assegurar que mulheres são avaliadas de maneira equitativa em relação aos homens.

Se uma empresa pretende adotar ações de inclusão, ela precisa seguir alguns passos, conforme explicitamos no Perfil social, racial, e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas. São elas: 1. Criar uma comissão dedicada à gestão da diversidade; 2. Desenhar um plano de ação; 3. Criar indicadores de processo e resultado; 4. Implementar o plano; 5. Monitorar e avaliar as ações; 6. Dar visibilidade ao plano.

É importante que a sociedade, no geral, e a comunidade empresarial tomem conhecimento das iniciativas em favor da igualdade de oportunidades desenvolvidas pelas organizações. A plataforma WEPs oferece ferramenta de análise de lacuna, gratuita e confidencial, além de ferramentas, informações e fóruns de discussão.

A ONU Mulheres foi criada em 2010, para unir, fortalecer e ampliar os esforços mundiais em defesa dos direitos humanos das mulheres. Nossa meta é assegurar uma vida livre de desigualdades para mulheres e meninas sem deixar nenhuma para trás. Estamos presentes em cem países ao redor do mundo. Nós acreditamos que as empresas têm um papel fundamental no alcance da igualdade de gênero. Nossa meta é contribuir para o alcance dessa igualdade até 2030 como parte da agenda do desenvolvimento sustentável das Nações Unidas. Nosso lema é “Por um planeta 50/50 até 2030: passos decisivos para a igualdade de gênero”. Importante frisar que a empresa não é uma bolha e que, portanto, precisamos que a sociedade, as pessoas e os governos também façam sua parte.

Mais de 11 milhões de pessoas no Brasil (o equivalente a 6% da população) vive, atualmente, em aglomerados subnormais, nome dado pelo IBGE para designar locais como favelas, ocupações e comunidades de todo o País. E o preconceito territorial é um fator que impede que os profissionais consigam bons empregos nas corporações. Um fato comum que ouvimos é que algumas pessoas têm vergonha de colocar o CEP onde moram porque isso determina se ela vai ser contratada ou não. Esse preconceito é histórico no Brasil e as pessoas não enxergam a favela como território de inovação, educação, como um celeiro de economia criativa. 

O primeiro passo é garantir acesso a pessoas da periferia ao conhecimento, à educação formal e informal, para que elas não entrem no mercado de trabalho só como mão de obra barata, força de trabalho manual, mas também em empregos criativos, gerenciais, cargos de tomada de decisão. A gente precisa começar a construir pontes, que é um pouco do trabalho que fazemos na FA.VELA, apoiando as empresas que querem ter um diálogo com essa população, querem incluir e trazer esses grupos excluídos social e economicamente para dentro do mercado de trabalho. Acredito que um dos principais caminhos é investir em organizações que já estão nesses territórios, fazendo projetos de impacto e também são representantes dessas populações. Assim, em parceria, é possível construir soluções que fortaleçam essas pessoas e os ecossistemas de onde elas vêm. 

Uma das principais armadilhas em que as empresas caem é a falta de empatia. Buscar iniciativas e consultorias que estão fora desses territórios, mas que propõem soluções sem entender realmente o local, sem pertencer ou fazer parte do problema. Quando as empresas nos procuram, a primeira coisa que propomos é fazer uma imersão. A gente leva as empresas para o mais próximo possível do problema, para que elas entendam que as soluções podem ser cocriadas por quem vive naquele território. A empatia é uma habilidade necessária para esse tipo de inclusão. 

As empresas precisam entender que a inclusão real não é só contratar pessoas de periferia, mas também investir no desenvolvimento interno desses profissionais. Para isso, tem que ter verba anual para investir em projetos de inclusão. E não são apenas recursos financeiros, mas também disposição de fazer uma mudança real. Uma empresa que quer trabalhar com a diversidade precisa estar disposta a fazer isso de uma forma plena e não apenas tentar fazer uma inclusão fake, criada pelo marketing para poder responder às questões dos acionistas. 

A gente resolveu criar o FA.VELA porque somos um grupo de periferia que teve acesso à educação, à tecnologia, e queríamos fazer uma devolutiva para os territórios de onde vínhamos. Isso se tornou uma coisa muito maior do que imaginamos e já estamos há cinco anos como um hub de educação e uma aceleradora de projetos e negócios. Também temos um braço de consultoria para ajudar empresas e organizações a trabalhar a questão do impacto social dentro das suas estratégias de crescimento. E assim queremos expandir nossa atuação para fazer evangelização do que é realmente uma diversidade territorial.

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