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Gestão de pessoas
20 Junho | 2024
Por que o propósito é uma chave para a economia digital
11 min de leitura
Dossiê HSM
8 min de leitura
O grande volume de dados e a substituição frenética de trends geraram a hiperpersonalização e a algoritmização da experiência do consumidor. Os estudos baseados em recursos da neurociência ajudam as marcas a conhecerem a fundo seus consumidores e a reestabelecerem a conexão genuína
Álvaro Machado Dias e Renato Meirelles
30 de Junho
A visão dominante da experiência do consumidor vem mudando desde a virada do milênio. O acesso à internet evoluiu ao ponto de hoje ser praticamente ubíquo. Junto a isso, tivemos a dramática aceleração do processo de sucessão de tendências, propiciada pelas redes sociais. Em conjunto, o impacto do FOMO (sigla em inglês para medo de ser deixado de fora) se multiplicou, o que fez da capacidade de reinvenção continuada uma estratégia de sobrevivência. O volume de informações disponíveis explodiu, tornando imprescindível o uso dos algoritmos de recomendação. O ponto de contato primário com a produção humana passou a ser o browser, o novo alçapão dessa Torre de Babel.
Esse não é apenas um ponto de vista conceitual, é uma verdade empírica sobre o Brasil. No País, 50% das pessoas estão na classe C. Isso significa que esse público tem, proporcionalmente, mais jovens do que a população mais abastada e incluem 56% de pretos e pardos. Dados recentes do Instituto Locomotiva mostram que 90% dessa população está totalmente conectada à internet – taxa próxima às das classes B e A (95%/96%) – e considera que “a internet é a principal forma de contato com os amigos” (81%).
Ou seja, o Brasil é majoritariamente composto por gente que não circula pelos espaços de elite do Leblon e dos Jardins, mas que nem por isso está alienada dos fluxos tecnológicos e de consumo.
O paradigma do momento na confluência entre marketing e TI é a hiperpersonalização que, na prática, significa o atendimento algoritmizado, com fluxos azeitados conectando lojas físicas e marketplaces, CRM e preferências manifestas. A ideia é que o consumidor veja alguma coisa na loja e receba uma oferta digital ou vice-versa. Uma vez no fluxo aquisitivo, é comum que sejam agregados produtos financeiros, especialmente o crédito, já que bancos viraram marketplaces e estes viraram bancos.
Celebrada por muita gente como o pináculo da inovação, a verdade é que essa lógica já foi totalmente incorporada pelo status quo e não mais representa um diferencial competitivo. Pelo contrário, estamos em meio a uma espécie de crise da meia-idade da algoritmização, o que vem fazendo as big techs demitirem às dezenas de milhares. Por seu lado, o consumidor sente falta da criatividade, hoje subjugada pelas técnicas de exibição de ofertas que mimetizaram as lojas de rua como se fossem maquetes de empreendimento imobiliário.
Essa dinâmica impacta especialmente a classe C, cujo potencial de consumo é de R$ 1,9 trilhões e que é altamente bancarizada (mais de 95%, de acordo com os nossos dados), mais adepta ao crédito do que a elite e que demanda renovação mercadológica. Essa mesma classe, em nossas pesquisas, vem reiterando a demanda por formas de comunicação mais inspiradoras, que não sejam meras reproduções empobrecidas das estratégias originalmente desenvolvidas para a elite, mas que tragam valores populares como fartura, colorido e diversidade racial.
Experiências de consumo são processos de construção de identidade. Elas servem de tubo de ensaio para o encontro com representações de si mesmo, inacessíveis até que aquela roupa seja provada, a família sente-se à mesa do restaurante ou a criança entre na loja de brinquedos. Marcas e produtos são recursos para a geração de alinhamentos inconscientes com ideais de subjetivação que as pessoas projetam nesses artefatos culturais, extraindo disso um senso de individuação. Roupas, celulares, capacetes ou maquiagem são como léxico para a elaboração de cartas de princípios individuais. Milhões delas.
Por isso, o sucesso de uma marca tende a ser reflexo da sua capacidade de otimizar a elaboração dessas declarações de amor ao “eu ideal”, o que apenas é possível quando o conjunto “produtos-marca-empresa” (1) encontra suas metáforas essenciais no espelho do seu público-alvo e (2) alinha processos, tornando-se internamente consistente do ponto de vista desse público.
Não existe experiência do consumidor positiva com conjuntos dissonantes. É preciso atingir o nível da realidade cotidiana, onde, frequentemente, os modelos de sucesso não são CEOs ou top models internacionais, mas influenciadores que habitam ecossistemas que a elite tende a ignorar, seja no mundo offline, seja nas redes sociais.
Um ponto que mapeamos recentemente e que não pode ser desconsiderado é que, quando as indicações tácitas subsomem diálogos de elite, a maior parte do público consumidor brasileiro sente que aquela marca ou produto não é para ele. E passa a ignorá-lo.
O imaginário é estruturado de forma associativa. Na linha dos olhos, uma marca define-se pela rede de relações que se estabelece entre a empresa que lhe dá guarida, a totalidade dos produtos abrigados sob seu guarda-chuva, as experiências aquisitivas, a precificação, a concorrência e aquilo que ela comunica de forma explícita. Sob essa linha, esse conjunto incorpora a sua declaração de princípios subjetivos, que muita gente chama de arquétipo de marca, um termo teoricamente ingênuo. Quando esses princípios não ressoam, os laços afetivos com o consumidor se enfraquecem.
É preciso cuidado com essa desconexão. Como exemplo, a pesquisa Branding Brasil, que estudou a percepção do brasileiro com o País, revelou que 55% dos jovens de 16 a 20 anos deixariam o Brasil por outro país, se pudessem; e segundo o Datafolha, essa taxa seria mais alta ainda – 72%. Também foi revelado que a identificação com símbolos nacionais é baixa. Apenas 62% dos jovens avaliam que a bandeira do Brasil é o maior símbolo nacional, taxa que sobe a 83% entre quem tem mais de 55 anos. Em contraste sutil, 73% acreditam que a cultura nacional é muito rica.
Ainda que comunicação corporativa, branding, marketing, cartela de produtos e precificação sejam assuntos distintos do ponto de vista empresarial, para o consumidor trata-se de uma coisa só, que gera uma experiência inconsciente de caráter integrativo. Essa experiência pode ser menos ou mais genuína, característica daquilo que tem consistência interna e alinhamento com os valores do seu público consumidor. No exemplo acima, isso se traduz em uma brasilidade não óbvia e nem ufanista.
Acertar a mão nessa dimensão é essencial para a sustentabilidade da marca, contribuindo muito para o seu valor de mercado. Marcas internamente consistentes e claramente identificadas com suas metáforas essenciais (que precisam ser aquelas que ressoam junto ao público) tendem a valer mais, dado que seus consumidores tendem a ser mais leais e o mercado mais resiliente aos seus erros de posicionamento ou gestão.
Não se engane, a ideia de que essas coisas são menos importantes nos segmentos de renda média e baixa é completamente errada. A realidade é oposta: o impacto relativamente maior do consumo na renda das famílias faz com que compras tidas como triviais para a elite – um tênis, um vestido ou um adereço – ganhem tremenda conotação identitária. Do mais, como nossos dados mostram, o boca a boca é particularmente importante na classe C, o que significa que as dinâmicas aspiracionais circulam com mais velocidade do que entre as pessoas de maior poder aquisitivo, menos impactadas pelo valor simbólico de bens não duráveis.
Observando esses impactos, qual seria uma abordagem que apoiasse uma percepção, pelo consumidor, de uma marca genuína e consistente com seus valores e metáforas essenciais? Entendemos que passe por uma abordagem que investigue esses aspectos inconscientes e intangíveis.
Por isso, a unidade de neurociências do Instituto Locomotiva desenvolveu um novo assessment do conjunto “empresa-marca-produtos”, o VAM (valores agregados de marca). Ele mapeia aspectos transversais à experiência do consumidor, tanto em termos da empresa e marca, quanto da cartela de produtos, do processo aquisitivo e do pós-venda. Duas virtudes do método são identificar as representações inconscientes evocadas pelo consumidor e as dissonâncias que mais afetam a experiência total e, em especial, o senso do genuíno.
O assessment é estruturado em quatro blocos investigativos, que podem ser resumidos por perguntas singelas: (1) Quais as minhas metáforas essenciais? (2) Qual o pano de fundo mercadológico e inconsciente em que as associações que eu evoco emergem para o meu público-alvo? (3) Quais as diretrizes corporativas, de negócios e comunicação, no interior do meu conjunto “empresa-marca-produtos”? Quão consonantes são essas relações para o meu público-alvo? (4) Como navegar o futuro a partir desse legado, respeitando as aspirações de quem de fato movimenta a empresa/marca? Para responder essas perguntas, análises de dados internos à empresa são combinadas com pesquisas com consumidores/shoppers e experimentos neurocientíficos, nos quais há o uso de diferentes tipos de tecnologia.
As pesquisas são feitas em nossa plataforma gamificada, que evita o aspecto declaratório típico dos Q&A. Já os experimentos são conduzidos em laboratório, onde o clima é descontraído para evitar bloqueios pessoais. E produzimos insights a partir dos dados disponíveis em sites como o Reclame Aqui e redes sociais, usando recursos de inteligência artificial com o processamento de linguagem natural (NLP, na sigla em inglês). Isso tem se provado útil já que esses ambientes concentram críticas e observações sarcásticas difíceis de serem registradas de maneira planejada.
O mapeamento das metáforas essenciais na conexão da marca com o público-alvo emerge de um procedimento que criamos e que dialoga, de maneira remota, com o ZMET (veja ao lado). A avaliação da qualidade das experiências aquisitivas e atributos de qualidade, estética e custo/benefício dos produtos apoia-se na plataforma gamificada de experimentos digitais, que tem rastreamento ocular pela câmera do computador e diversos outros recursos, enquanto os mapeamentos afetivos são feitos usando eletroencefalografia (EEG) e outros registros neurofisiológicos do nosso toolbox.
O diagnóstico leva à parte mais importante de todas, que é a produção de indicações para azeitar a relação entre os diferentes segmentos de consumidores e o conjunto “empresa-marca-produtos”.
A TESE DE QUE PERSONALIZAÇÃO SE RESOLVE COM ALGORITMIZAÇÃO ENTROU EM DECLÍNIO. Falta agora reestabelecer a conexão com os diferentes públicos-alvo, incorporando seus ricos universos metafóricos e sua grande sensibilidade a marcas e tendências. É aí que depositamos a nossa fé.
Leia também: A relação íntima entre dados e experiências
Artigo publicado na HSM Management nº 157.
Álavaro Machado Dias é neurocientista, professor livre-docente da Unifesp e sócio do Instituto Locomotiva. Renato Meirelles é membro do corpo docente do IBMEC, sócio e presidente do Instituto Locomotiva.
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