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Liderança

13 min de leitura

A guerra por talentos será sangrenta

Em entrevista exclusiva, o especialista em talentos Claudio Fernández-Aráoz antecipa seu novo livro e explica por que as empresas do Brasil estão especialmente vulneráveis nesse cenário.

25 de Fevereiro

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Artigo A guerra por talentos será sangrenta

Duas fêmeas de macaco-prego dão pedrinhas a um pesquisador em troca de pedacinhos de pepino. Quando o pesquisador entrega a uma delas uma uva, a outra macaca, que continua recebendo o pepino, fica furiosa. O experimento, conduzido pelo primatologista Frans de Waal, é relatado pelo especialista em talentos Claudio Fernández-Aráoz, líder da Egon Zehnder, em seu novo livro, Não é Como nem O Que, mas Quem (ed. HSM), com uma provocação: macacos que entregam as mesmas pedrinhas devem receber prêmio igual; até os macacos sabem a diferença entre uma remuneração justa e uma injusta.

Vale a leitura porque...

 ... você entende a escassez de talentos que o mundo enfrenta, causada pela globalização, pela demografia e pelo pipeline de sucessão de líderes nas empresas. ... percebe o impacto que talentos individuais podem ter sobre a empresa, devido a sua maior produtividade em relação aos profissionais medianos. ... aprende que o potencial de talento pode ser medido de acordo com cinco características.

Nesta entrevista exclusiva, Aráoz fala sobre a questão-chave abordada em seu livro: a de que há uma guerra mundial por talentos executivos e, em países como o Brasil, ela tende a ser mais sangrenta. Ele explica por que e como virar esse jogo. Um de nossos problemas está no fato de poucos de nossos líderes compartilharem sonhos – ou uvas – com seus talentos.

Saiba mais sobre - Claudio Fernández-Aráoz

Quem é: Nascido e sediado na Argentina, é um dos líderes da empresa multinacional de recrutamento de talentos Egon Zehnder.

 Atuação mundial: Além de dar palestras sobre talentos no mundo todo, é professor do programa “Driving Performance Through Talent Management”, da Harvard Business School.

Livros: Não é Como nem O Que, mas Quem, Grandes Decisões sobre Pessoas.

Seu novo livro trata da escassez mundial de talentos. Qual o grau de escassez no Brasil? 

No mundo todo, na próxima década, o talento vai escassear, mas o Brasil tem um estoque de talentos particularmente limitado. Seu trabalhador médio apresenta uma produtividade muito baixa, como também acontece em outros países da América Latina. tentando olhar pelo lado positivo, hoje vemos um excedente de talentos na base da pirâmide, em grande parte pelo fato de que um número crescente de universidades privadas tem gerado, ao longo dos últimos 20 anos, uma oferta abundante de graduandos. 

Só que há uma distorção: existe uma abundância de advogados no Brasil, porém há uma grave escassez de líderes técnicos qualificados, enquanto a Índia ou a China, por exemplo, formam dez vezes mais engenheiros a cada ano. nos níveis médio e superior da pirâmide, verifica-se uma brutal escassez de talentos qualificados, com 64% dos empregadores reportando dificuldades para preencher vagas. Para comparar, 40% têm a mesma queixa na China, e 16%, na Índia. O Brasil se tornou um dos mais caros mercados de talentos do mundo – e definitivamente é o mais caro entre os Brics [Brasil, rússia, Índia, China e áfrica do Sul].

Aqui a guerra é mais sangrenta, mas há quem esteja conseguindo driblar a escassez... 

Sim, se quiserem, os líderes podem reverter a crise de talentos em suas organizações e ir contra a corrente do mercado geral. Há, por exemplo, o precedente do trio formado por Jorge Paulo Lemann, Marcel telles e Beto Sicupira, que revolucionou o capitalismo brasileiro e agora conquista o mundo com seu fundo 3g. Eles escapam dessa crise sendo obcecados por talentos. tornaram-se mestres em contratar e desenvolver pessoas excelentes e também em retê-las. O talento é escasso na América Latina e no Brasil, mas não inexiste; pode ser desenvolvido.

A inovação é uma saída para isso? Não tem deixado a desejar a inovação na área de recursos humanos, em especial em relação a talentos? O RH ficou defasado em inovação na comparação com outros campos. no entanto, acredito que esse cenário mudará drasticamente devido à escassez de talentos globais que prevejo para os próximos anos. Afinal, a necessidade é a mãe de todas as invenções. Isso já está acontecendo na Índia, onde o estoque de talentos nunca é suficiente, apesar da enorme dimensão do país e do grande número de pessoas altamente qualificadas. 

Por exemplo, a TCS, divisão de serviços de informática das empresas do grupo indiano tata, contrata há mais de uma década, todo ano, dezenas de milhares de profissionais, como programadores de computador, que recruta diretamente nas universidades. Sabe como o RH da TCS inova? Em primeiro lugar, ele calcula a taxa de retorno de cada indivíduo contratado, divide sua produtividade por seus custos e chega a uma taxa média de retorno dos contratados oriundos de cada uma das universidades.

Então, passa a recrutar apenas nas universidades com as mais altas taxas de retorno, propondo a elas uma oferta que cobre toda a turma de formandos do ano, mesmo sem entrevistar nenhum dos candidatos. Por fim, trabalha em conjunto com as universidades detentoras dessas maiores taxas de retorno, desenvolvendo dois cursos a serem ministrados no último semestre letivo, que pré-treinam as pessoas em suas futuras tarefas. Os resultados desse esforço são extraordinários. A TCS tornou-se a companhia mais valiosa da Índia e aquela com o maior aumento de valor em tempos recentes.

Quem inova no Brasil? Em meu novo livro, cito Roger Agnelli quando liderou a Vale. Ele inovou no modo de promover gestores a altos postos internamente. Só o fazia depois de uma avaliação rigorosa de todos os candidatos internos e externos, com base na competência e no potencial, e um trabalho intenso de treinamento e mentoria. 

Em um período de cinco ou seis anos, todos os mais altos postos foram ocupados por talentos desenvolvidos na empresa, imagine a inovação. Estou convencido de que foi isso que lhe permitiu obter uma das maiores criações de valor da história corporativa do mundo. O valor de mercado da Vale aumentou US$ 157 bilhões no mandato de Agnelli. não foi à toa que a Vale se tornou a maior empresa privada da América Latina e uma das 20 maiores companhias globais. A Harvard Business Review elegeu Agnelli como o segundo melhor CEO do mundo. 

Como lidar com talentos na crise

No novo livro que será lançado pela editora hsm em agosto, não é como nem o que, mas quem, claudio fernández-aráoz aborda, entre outras coisas, a gestão de talentos em época de recessão; confira um trecho:

Ranjay gulati, Nitin Nohria e Franz Wohlgezogen, da Harvard Business School, estudaram 4,7 mil empresas em três recessões e descobriram que 9% delas foram capazes de sair da crise em uma posição muito melhor do que quando entraram. o que esses vencedores tinham em comum era um foco “progressista”. Eles foram extremamente seletivos no que se refere a quando e onde fazer cortes e se mantiveram em busca de oportunidades de investimento. Em vez de pensar em termos do tipo “isso ou aquilo” – contratar ou demitir –, eles abraçaram a mentalidade do tipo “isso e aquilo”, percebendo que, com um pouco de perspicácia, daria para fazer as duas coisas. 

Já os perdedores nas crises são os que costumam demitir em excesso ou equivocadamente. Em seu estudo de 2008 sobre a sucessão de CEOs, a então Booz & Company constatou que as empresas dos setores mais atingidos pela crise financeira global daquele ano tiveram um aumento descomunal (ou seja, irracional) na rotatividade de suas lideranças. No setor de serviços financeiros, essa rotatividade foi 159% maior que a média histórica; no setor da energia, que sofreu com enorme volatilidade dos preços do petróleo, 107% maior. Muitas dessas decisões demoraram demais para serem tomadas (finalmente se livrar de um CEO que nunca foi qualificado) ou não foram justificadas (culpar a pessoa e não as circunstâncias, ou o que os psicólogos sociais chamam de “erro fundamental de atribuição”). 

Conselhos de administração e executivos tomaram medidas para mostrar que estavam fazendo alguma coisa, em vez de parar para ponderar qual seria a coisa certa a fazer. outro erro, talvez mais comum, que as empresas cometem durante as crises é congelar as contratações. Durante a recessão mais recente, o Boston Consulting group e a European Association for People Management fizeram um levantamento com 3,4 mil executivos, incluindo 90 executivos seniores de recursos humanos, em mais de 30 países, para ver como eles estavam reagindo à crise. 

A ação (ou reação) mais frequente foi reduzir as ações de recrutamento. Ao mesmo tempo, os participantes do levantamento classificaram a contratação seletiva de colaboradores de alto desempenho dos concorrentes como uma das três reações mais eficazes à crise (de uma lista de 22 ações possíveis) e a reação que mais reforçou o comprometimento dos colaboradores. Esse tipo de mentalidade irracional é visto por toda parte. os que conseguem manter a cabeça no lugar podem se beneficiar da situação.

Tem certeza de que foi a gestão de talentos que causou isso e não a bonança da economia brasileira na época ou do mercado de commodities? 

Sim, basta lembrar que o retorno total ao acionista (RTa) da Vale ajustado ao país foi de 934%, e o RTa ajustado ao setor, mundialmente, foi de 1.773%. É o talento que faz a diferença nos dias de hoje.

Agora, uma provocação: não é uma estratégia mais rentável investir em equipes formadas por pessoas medianas mas complementares do que em talentos individuais? Não investir o suficiente em talento nunca é a estratégia mais rentável para uma empresa! Equipes complementares são uma condição essencial para o sucesso, naturalmente, porém isso não significa que você não precise investir, ao mesmo tempo, em grandes talentos – particularmente, em potencial. Cito novamente a TCS. Ela mediu e seus melhores programadores são 1.200% mais produtivos do que o trabalhador médio. 

Você não ficaria feliz de pagar a um programador de ponta 50% a mais de salário, ou até o dobro, para ter essa produtividade? Eu ficaria. Equipes complementares medianas não fazem isso. Eu também acrescentaria que talento vale a pena por sera variável mais controlável pela empresa entre todas as que compõem o valor corporativo, o que não é pouco na América Latina, onde até o passado é imprevisível.

Explique melhor, por favor... O controle está no fato de a empresa poder decidir quem contratar, reter e desenvolver. Se ela decidir bem, o escolhido conseguirá se adaptar, crescer, aprender e mudar quando preciso, de modo a ter desempenho em níveis muito elevados hoje e amanhã. 

Por que, no Brasil, contam-se nos dedos os Ceos que realmente priorizam talentos? 

É, um estudo da Harvard Business Review mostrou que, se o Brasil tem muitos dos melhores CEOs do mundo, também tem muitos dos piores. Eu responderia que os melhores líderes brasileiros, como o trio do fundo 3g, protagonizam histórias de sonhos compartilhados. É preciso compartilhar o sonho para atrair talentos, ou virão pesadelos horríveis em seu lugar. É o que acontece no Brasil e na América Latina de modo geral. 

Por que tantos líderes aqui não compartilham sonhos? Acham que o Brasil ainda não exige tanta competitividade? Se acham isso, estão enganados. A necessidade de talento tem a ver não só com abertura de economia e a consequente competição; nesse caso, tem a ver com volatilidade.

Estou convencido de que selecionar e desenvolver talentos de maneira apropriada é a chave para sobreviver e ter sucesso em qualquer lugar, porém ainda mais em um mercado de volatilidade extrema como o Brasil. Sabe por quê? Em mercados voláteis recorre-se mais a decisões-chave de negócios e elas têm uma magnitude superior à das decisões tomadas na maioria dos países desenvolvidos. Isso torna o talento tomador dessa decisão muito mais crucial.

Exceção 2

O trio 3G, formado por Jorge paulo lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, contrata, desenvolve e retém talentos obsessiva e apaixonadamente.

É possível focar talentos d**e uma forma, digamos, mais econômica?**

Priorizar talentos potenciais em vez de talentos com experiência seria o mais econômico, mas requer investimento em desenvolvimento de todo modo, além de uma perspectiva de longo prazo. Eu particularmente estou seguro de que a seleção de potenciais elevados e seu correto desenvolvimento são a chave para o sucesso em nível mundial nos dias de hoje, e isso é ainda mais verdade no Brasil, por três motivos. O primeiro é óbvio: não há como saber se o mundo futuro será parecido com o atual. nesse cenário, o tradicional foco em competências específicas não é mais suficiente.

Em segundo lugar, a escassez de talentos também faz com que o potencial se torne o foco para a tomada de grandes decisões sobre pessoas. O Brasil não conseguirá resolver seu déficit de talentos coletivo só por meio de contratação, uma vez que, quando uma empresa contrata e sai ganhando, outra acaba perdendo – e, na melhor das hipóteses, será jogo de soma zero. 

O jeito de resolver esse desafio, em termos coletivos, consiste em cada empresa tornar-se muito melhor na tarefa de detectar os potenciais mais elevados, desenvolvendo-os da maneira apropriada. Por fim, o foco no potencial é vital no Brasil devido ao grande número de sucessões que acontecerão nos próximos anos, já que, em sua maioria, os líderes brasileiros são mais velhos que seus pares das demais economias emergentes. A média de idade de CEOs no Brasil é 51 anos, semelhante à da Europa e superior à da China, mas a diferença se revela ainda maior nos dois níveis seguintes da hierarquia corporativa: a média de idade de vice-presidentes e diretores é 49 anos, ante 40 e 36 anos, respectivamente, na China.

Nossas empresas sabem focar potencial? 

Programas de trainees não faltam aqui e são disputadíssimos... A maioria das empresas ainda é mal preparada para isso, não só no Brasil. Falo com conhecimento de causa, porque, todo ano, leciono em um programa da Harvard Business School voltado para diretores de RH e CEOs do mundo inteiro, todos profissionais de grandes organizações. Ao sondá-los, descobri que 70% não dispõem de um modelo sólido para mensurar o potencial em suas empresas, e 80% admitem que lhes falta treinamento adequado para fazer esse tipo de avaliação. Como você pode identificar potenciais elevados se não sabe o que procurar nem como medi-los corretamente? 

E potencial pode ser medido com precisão? 

O potencial pode ser medido com acerto de 85%. no início dos anos 1990, como líder fundador da Egon Zehnder na Argentina, comecei a testar e formalizar um modelo robusto de avaliação de potencial, aplicando-o inicialmente na América 

Latina. Meus colegas globais continuaram a desenvolver e aperfeiçoar esse modelo ao longo dos anos. E, como resultado, nossa taxa de precisão – ou seja, a correlação entre nossa avaliação sobre o potencial de um executivo e seu desempenho – tem costumeiramente se mantido na ordem dos 85%. Sabe como se identificam potenciais elevados? Medindo cinco características. Em primeiro lugar, a motivação certa: essa é uma combinação paradoxal de comprometimento feroz com profunda humildade pessoal. 

A partir daí, é preciso verificar as outras quatro grandes marcas do potencial: a insaciável curiosidade, que impele a explorar novos caminhos e ideias; o aguçado insight, que permite vislumbrar conexões que os outros não enxergam; o alto grau de compromisso com o trabalho e com as pessoas ao redor; e a determinação para superar contratempos e obstáculos.

Qual seria seu conselho número um para o departamento de RH nessa guerra? 

Capturar a “vantagem feminina”. Com frequência me perguntam onde enxergo mais oportunidades e respondo que não é em um país, mas em um gênero: as mulheres. 

Você aplica quando... 

...  segue o exemplo de líderes brasileiros que identificam, desenvolvem e retêm  talentos, compartilhando sonhos. ...  prioriza recrutar talentos por seu potencial e investe em desenvolvê-los  de maneira organizada. ... contrata e desenvolve, prioritariamente, profissionais do sexo feminino.

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