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Assunto pessoal

17 min de leitura

Você depois da crise

Viver as incertezas, as tristezas e as transformações da pandemia pode ser avassalador para a nossa psique. O coping pode ajudar você a enfrentar este momento adverso – e a crescer durante a travessia

Colunista Rodrigo Vergara

Rodrigo Vergara

26 de Maio

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Artigo Você depois da crise

Convido você a visualizar um futuro otimista. Estamos em março de 2022. O Brasil está imunizado. As mortes por covid-19 já não são notícia e o distanciamento social acabou. Escolas, comércio e escritórios reabrem.

Repare como estão as coisas nesse futuro. O que mudou? O que é familiar? Como estão os lugares em que você vive e trabalha, seu entorno? Como estão as pessoas com quem você se relacionava? Agora atente para outro elemento desse futuro: você. Onde você está e o que faz? Com quem se encontra? Com que se ocupa e se preocupa? O que pensa e sente? O que te move?

A pandemia vai passar. E estaremos transformados, como tudo. O foco desta reportagem é a qualidade dessa transformação: como atravessar da melhor forma possível esse período adverso, cujo fim ainda está fora de vista.

O primeiro passo é reconhecer que estamos vivendo várias crises simultâneas: econômica, salarial, sanitária, mental, cultural, relacional etc. É importante distingui-las para pensar em como lidar com elas. Digo lidar porque as crises atuais não são algo que podemos resolver ou evitar. Nos resta apenas aceitar sua existência e aprender a conviver com elas. Na psicologia, essa atitude se chama coping, o que significa “lidar com problemas ou responsabilidades em bons termos, de maneira exitosa e tranquila”. O conceito foi apresentado pelo psicólogo americano Richard Lazarus na década de 1960, mas permanece atual e é muito útil nesse segundo ano de pandemia global.

“O coping trata dos mecanismos e estratégias para lidar com o estresse de forma construtiva. É uma escolha consciente, que envolve a decisão de criar uma estratégia específica, pessoal, para lidar com determinada situação estressante”, diz Esdras Vasconcellos, professor do Instituto de Psicologia da USP. O conceito transcende a redução de danos e vê a crise como chance para evoluirmos e, por que não, sairmos mais bem adaptados. “Muita gente não está enfrentando uma ameaça à própria sobrevivência e pode pensar em como sair da pandemia melhor”, diz Dmitry Bayakhchev, consultor estratégico.

Seja para conviver ou para evoluir, é preciso definir o desafio que enfrento. Porque nem todo mundo está sendo impactado da mesma maneira. Os desafios de alguns são a sobrecarga de trabalho, a solidão ou as sequelas da covid-19. Outros sofrem com o desemprego, o excesso de convívio em família ou os protocolos de proteção ao vírus. Muitos estão em luto. São infinitos os tipos de impacto possíveis. “Raramente você lida com todos os impactos da pandemia ao mesmo tempo, mas com impactos específicos que ela traz”, diz Bayakhchev.

Primeiro aprendizado na lida com a crise: não há uma única solução, que sirva para todos. Cabe a cada um examinar seu contexto, necessidades e prioridades do momento, escolher um caminho e testá-lo. Para isso, é importante enxergar o conjunto todo. Entre as abordagens que se propõem abrangentes, elegemos para nos ajudar a Teoria Integral, de Ken Wilber, um dos filósofos e epistemólogos vivos mais influentes da atualidade.

Um mapa abrangente

A teoria de Wilber se propõe a incluir todas as dimensões da experiência humana. Nas palavras dele, a abordagem integral “é um mapa, que leva em conta todos os sistemas e modelos conhecidos de desenvolvimento. Para que você utilize todos os recursos disponíveis para enfrentar qualquer situação, com maior probabilidade de êxito”. É a promessa que ele faz em um de seus muitos livros, A visão integral. De acordo com Wilber, todo fenômeno pode ser examinado segundo dois eixos que, cruzados, definem quatro quadrantes.

O eixo vertical distingue as dimensões individual e coletiva de todo fenômeno. Diante de algo, é possível examinar as implicações a um indivíduo isolado e, de outro lado, aquelas que afetam as relações desse indivíduo. Isso nos ajuda a distinguir aquilo que diz respeito a mim daquilo que diz respeito ao todo.

Já o eixo horizontal diferencia as dimensões objetiva e subjetiva de toda experiência. Todo fenômeno tem aspectos observáveis, a ponto de podermos usar instrumentos para tal. Um radar mede a velocidade objetiva de um automóvel, mas não pode medir o que o motorista pensa ao acelerar. A tecnologia avança na observação do universo subjetivo, mas o significado de emoções e pensamentos na experiência individual ainda guarda muito mistério.

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Os quadrantes

O cruzamento desses eixos cria quatro quadrantes: individual-subjetivo, individual-objetivo, coletivo-subjetivo e coletivo-objetivo. Vai ser útil olhar para cada um deles.

  • O quadrante individual-subjetivo se refere a tudo o que tem a ver com a psique e com a produção de sentido, significado e valor, como as emoções, os pensamentos, os conceitos abstratos, a moral.
  • O quadrante individual-objetivo diz respeito ao corpo físico, aos processos orgânicos e observáveis que ocorrem dentro e fora dele: sinais vitais, processos fisiológicos e o comportamento daquele corpo no mundo.
  • O quadrante coletivo-subjetivo fala da intersubjetividade, das construções mentais e dos significados que criamos coletivamente. Em outras palavras, cultura, ideologia, visão de mundo. Fazem parte desse quadrante os idiomas, as orientações políticas e religiosas, a história.
  • O quadrante coletivo-objetivo diz respeito às relações dos corpos no espaço e no tempo em relação com o ambiente. Um professor e seus alunos, o artista e a plateia, a família, a tecnologia, os encontros. Tudo aquilo que se pode observar como processo e resultado social.

A divisão da experiência em quadrantes é um mapa. Não é o território. Na vida real, esses quadrantes se amalgamam em um fluxo de energia em permanente transformação e se influenciam mutuamente. Eles são um todo indivisível. Essa distinção serve apenas para facilitar nosso entendimento.

Parcialmente certo, parcialmente errado

Você talvez tenha críticas a esse mapa. Ken Wilber concorda contigo. Assim são os mapas: limitados. O melhor dos conceitos sobre a realidade sempre deixará de fora muita coisa. Não dá para entender tudo. As palavras não dão conta. A linguagem é uma bênção que nos permite criar, ao custo da simplificação.

Apesar disso, nossos mapas vêm melhorando. Para Wilber, os conceitos evoluem à medida que criamos visões de mundo que incluem o que antes ficava de fora. Nossa economia, por exemplo, ignorava a finitude dos recursos naturais e criou cadeias de valor lineares, para extrair matéria-prima sem dó e descartar resíduos sem peso na consciência. A emergência ambiental esfregou na nossa cara o que não queríamos ver.

A expansão da consciência ocorre em todos os quadrantes. No caso da psique, fica ainda mais evidente. A criança acredita que a mãe some quando fecha os olhos e o adolescente ignora a finitude de seu corpo. A maturidade permite transcender esses pensamentos, mas você deve conhecer adultos que comem como se fossem imortais e tratam os outros como extensões da sua vontade. Estamos sempre a meio caminho da próxima evolução.

“Todas as visões são parcialmente certas e parcialmente erradas”, diz Moacyr Castellani, administrador, psicólogo, especialista em mentoria e coaching, que trabalha desde 1992 com o modelo integral (kenwilber.com.br). Um segundo aprendizado para lidar com a crise: relativizar as próprias certezas. Que verdade óbvia estou deixando de incluir ou simplesmente negando? Que certeza ilusória está turvando minha visão?

O integral e a covid-19

Uma maneira de utilizar a Teoria Integral na lida com a covid-19 é checar sua experiência e os impactos em cada quadrante. Segundo Bayakhchev, há dois critérios para orientar esse mapeamento. “Pode ser útil olhar tanto onde há mais pressão como também onde há mais possibilidade de ação.” Faz sentido. “O pior é ficar na incerteza e na frustração, sem que eu possa fazer algo.” Eis um terceiro aprendizado: focar aquilo em que temos influência pela ação.

Para ajudar você, fizemos esse exercício de análise. Não de um indivíduo, mas da coletividade. Analisamos o noticiário e as pesquisas disponíveis. E elegemos e apresentamos, neste Assunto Pessoal Especial, alguns desafios que consideramos relevantes e passíveis de ação em cada quadrante. Talvez os desafios que elegemos não sejam os que terão mais impacto para você. Mas, de qualquer forma, eles ajudarão a entender os quadrantes, para que você afie sua própria análise e pense em como construir a sua estratégia de coping.

Desafio número 1: falar sobre as emoções

A pandemia pode ser um pós-doutorado sobre você mesmo

Tomemos as emoções, por exemplo. Muitas vezes, elas são vistas como processos autônomos, sobre os quais não temos muito poder: “Diante disso, sinto aquilo. Sou assim.” Mas a ciência sabe que esse processo pode ser manejado. Conhecer meus processos internos me ajuda a entender os valores atrelados às minhas emoções e os comportamentos decorrentes. Quanto mais consciente me torno dos meus padrões, maior a autonomia para evitar os gatilhos.

Um primeiro passo é falar sobre as emoções. “Quando falo sobre o que sinto, trago minhas emoções à consciência, afirmo que elas existem e que são parte de mim”, diz o psicólogo Moacyr Castellani. Porque é comum negarmos emoções que consideramos negativas, tratando-as como falhas pessoais ou criticando a nós mesmos quando elas surgem. E com isso perdemos talvez a mais rica fonte de conhecimento sobre nós mesmos.

“As emoções são indicadores de que algo ameaça meus valores. Entender meu sistema de valores ajuda a lidar com a realidade”, afirma Bayakhchev. Não só. Viver plenamente a palheta completa de emoções humanas é pré-requisito para o bem-estar. Evitar tensões que podem provocar emoções indesejadas, no final das contas, pode gerar ansiedade, diz Carol Romano, psicanalista, especialista em psicologia positiva e consultora de inovação. “O senso comum trata a felicidade como a ausência de sentimentos negativos ou de perdas. A vida é também um acúmulo de lutos. Se fujo daquilo que pode me trazer emoções com as quais eu não sei lidar, vou me distanciando da vida. E a ciência sabe que uma vida sem tensões, sem estresses, gera ansiedade também. É como perder por W.O.”, diz Romano. Primeiro aprendizado no campo da psique: aceitar a presença das emoções indesejadas, falar sobre elas, integrá-las e aprender o que elas têm a ensinar. Desse prisma, a situação atual surge como uma oportunidade única para me conhecer, um pós-doutorado sobre mim mesmo.

Mas o manejo das emoções não se limita a tirar o melhor proveito dos sentimentos ruins. É possível literalmente produzir sentimentos bons. Uma das atitudes internas mais poderosas para o bem-estar é a gratidão. Tida como uma fonte de bem-estar há milênios, só recentemente a gratidão recebeu o selo da medicina, depois que se verificaram os efeitos da sua prática na fisiologia. “A gratidão é uma postura, uma atitude voluntária. E é mais forte do que qualquer medicamento para a saúde do sistema imunológico”, diz o professor do Instituto de Psicologia da USP Esdras Vasconcellos.

“A gratidão é um dos mais poderosos antídotos para as emoções negativas”, disse Ken Wilber, em entrevista recente durante a pandemia, ao recomendar uma prática simples. Durante sete dias, antes de dormir, escreva três coisas pelas quais você é grato que aconteceram naquele dia. É só isso. Quem seguiu a prática, em estudos controlados, teve um aumento significativo dos níveis de felicidade (medidos por vários indicadores) em comparação com o grupo de controle. Um detalhe: os indicadores se mantiveram elevados por seis meses depois da prática. Ainda no campo subjetivo, Wilber recomenda uma outra atitude interna: perdoar, palavra cuja raiz etimológica sugere algo como “o mais alto grau de doação”. “É uma das chaves para lidar com emoções negativas”, diz ele. “O perdão deveria ser uma das prescrições dos médicos.”

Segundo aprendizado no campo da psique: não apenas é possível reduzir os danos dos sentimentos indesejados, mas é possível treinar sentimentos desejados. Ambas as atitudes estão sob nosso poder e responsabilidade.

Aprendeu com as emoções? Coloque-se em movimento

O coping pode ser centrado no problema, na ação

A emoção é uma ótima ferramenta para identificar o que incomoda e motivar a agir. Mas quando ela assume um papel muito relevante na solução, corremos o risco de agir com a visão turvada. “O coping focado na emoção pode atrapalhar bastante”, diz Vasconcellos.

A boa notícia é que o ciclo fisiológico disparado por uma emoção se esvai em minutos. Para que uma mágoa dure anos, portanto, é preciso que eu reconte a mesma história milhares de vezes, remoendo o acontecimento e ressuscitando a emoção a cada ciclo. Mais uma vez, há aqui um certo grau de poder para ação. Eu posso escolher as histórias que quero contar na minha cabeça, certo?

Eis uma prática para ajudar a interromper o remoer da história: observe a contrapartida emocional no corpo, como uma sensação. Onde no corpo você sente a sensação da emoção? Que características tem? É um formigamento, um aperto, um calor? Em seguida, note o ciclo dessa sensação: qual o ritmo e a frequência? Perceba então as variações desse ciclo. Absorta nessa observação, a atenção desvia-se da história que dispara a emoção. O ciclo emocional logo se dissipa. Posso agora lidar com o problema que a emoção me ajudou a identificar. “Numa crise, ajuda muito ter um coping centrado no problema, não na emoção”, diz Vasconcellos. “Quem não entra em ansiedade, em angústia, tem espaço na mente para resolver a questão com mais objetividade.”

Vem então mais um campo de escolha e de autonomia individual: a definição do problema. Você tem clareza que escolhe os problemas com que se preocupa? E tem clareza dos seus critérios de escolha? Muita gente delega essa seleção ao noticiário, pautado pela abrangência, pela gravidade e pela urgência. Caminhos de ação para você, leitora ou leitor, raramente acompanham as reportagens sobre as diversas crises da sociedade. O resultado disso é um misto de impotência, frustração, angústia e ansiedade.

A boa notícia é que há outros critérios de escolha. Uma opção é escolher problemas que estejam ao alcance de nossa ação. “Se posso fazer algo, ajuda. Nem que seja pedir comida dos restaurantes de que eu gosto, para ajudar a sustentá-los durante a crise”, diz Dmitry Bayakhchev. O exemplo dado abre um campo de ação enorme, em que cada ato cotidiano pode ser revestido de significado alinhado aos valores.

“Para mim, é mais importante ter uma ação do que um projeto perfeito que nunca sai do papel”, diz Puni Aydar, arquiteta e produtora, coidealizadora do Conecta, uma rede que nasceu durante a pandemia e oferece ferramentas de desenvolvimento pessoal a quem não tem acesso. Sua relação com o projeto exemplifica um coping com foco no problema.

Primeiro veio a emoção. “Eu me sinto incomodada em trabalhos desvinculados dos problemas da maioria da população.” A emoção serviu para se conhecer. “Percebi que sentia falta de trabalhar com e para pessoas em vulnerabilidade. Sempre tive isso em mim, é algo da minha personalidade”, diz Aydar. A ação resultante nasceu do que ela já fazia. “O Conecta é uma junção das partes da minha trajetória pessoal: meu trabalho como urbanista, o interesse pelo impacto voltado a pessoas em vulnerabilidade e minha trajetória com práticas de desenvolvimento pessoal.” Há um outro nome para processos criativos que permitem lançar mão dos talentos, alinhado aos valores: flow. O termo, cunhado pelo pesquisador húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, se refere a um estado de fluxo, que nos absorve em alguma atividade, com grande satisfação. “Flow é quando estamos imersos e com atenção plena num processo criativo”, diz a especialista em psicologia positiva Carol Romano.

Há algumas condições para que o flow aconteça, diz Romano. É preciso que eu goste da atividade e que o desafio esteja no limite das minhas habilidades, para que haja aprendizagem. “Não é dizer ‘eu sei tocar piano’, mas sim ‘eu gosto de aprender piano’. O flow se estabelece quando estou num processo de lapidação de meus talentos. Não tem flow fora dos talentos.”

O pulo do gato é que o conceito de talento, para a psicologia positiva, inclui nossos interesses e afinidades. Gostar de aprender piano é um talento. O que abre mais um campo de escolha e autonomia: quais são seus talentos? O resultado é uma ação que se transforma em fonte de motivação e bem-estar. “Me entrego muito mais, tenho mais liderança, uma potência mais ativa”, diz Aydar. “Com o Conecta, toda hora é hora de trabalhar. Vivo umas explosões de criatividade no meio do almoço. E isso não me esgota, ao contrário. Parece que eu estou ganhando barrinhas de energia. Quanto mais eu dou, realmente mais eu recebo. Parece piegas, mas é verdade.”

Foi assim que nasceu o projeto Escuta Ativa, idealizado por Leandro Citelli, mediador de conflitos, especialista em psicologia transpessoal e consultor em humanização de relações. Impedido pela pandemia de executar seu trabalho, que envolve relações de qualidade, Citelli percebeu-se em conflito com quem convivia, em atitudes que ele mesmo não validava. “Percebi que eu preciso de um momento na semana em que eu encontro com o Leandro que eu quero ser, para fortalecê-lo.” Com parceiros, desenhou o Escuta Viva, um serviço online que oferece sessões gratuitas de escuta qualificada e que treina pessoas para prestar o serviço.

Reconhecendo as necessidades dos outros

Empatia é essencial para atravessar as crises atuais

Quando nos movemos para os quadrantes coletivos, um dos poderes de ação é a empatia. Porque não é possível mudar o outro. Se mal conseguimos mudar nossos próprios hábitos, o que dirá mudar os hábitos dos outros. Mais efetivo é tentar enxergar as coisas pelos olhos dos outros.

Todos já tivemos momentos em que temos um estalo e percebemos algo que antes ignorávamos. Ken Wilber diz que, quando isso acontece, transcendemos nossa visão anterior. Em outras palavras, saltamos para um novo nível de consciência. É comum, diz ele, que eu me esqueça como pensava quando ainda vivia na ignorância daquele fato.

A internet nos brinda com um exemplo disso. Em um experimento gravado em vídeo, pessoas são convidadas, em pares, a subir e saltar pela primeira vez de uma plataforma de 10 metros, em uma piscina. Câmeras e microfones registram suas reações à beira do precipício. Em muitos casos, um dos participantes, após uma imensa hesitação, salta primeiro, sozinho. Quando volta à plataforma, ensopado, está transformado. E passa a desdenhar o medo do outro, que ainda não pulou, como uma bobagem. Ao transcender o medo, esqueceu-se de como era.

Segundo Wilber, isso é comum. Quando aprendemos algo novo sobre o mundo, esquecemos nossas crenças anteriores e as tratamos como coisa de ignorantes. No entanto, diz ele, sempre estaremos a meio caminho da próxima evolução em alguma das muitas linhas de desenvolvimento. Sempre haverá alguém mais à frente e um pouco atrás de nós.

Diante dos desafios globais atuais, que exigem a colaboração de todos, as saídas dependem de nos comunicarmos com quem está em níveis de consciência diferentes do nosso.

“Saber traduzir os desafios para engajar pessoas em diferentes níveis de consciência é uma das habilidades de um líder”, diz o psicólogo Moacyr Castellani. “Reconhecer as necessidades dos outros e falar de maneira que eles entendam a mensagem e tomem as atitudes adequadas ao seu entendimento.” De um lado, isso ajuda a nos fazermos entender. Na mão contrária, ajuda a despertar a empatia necessária para compreender o outro e transcender a polarização crescente, que bloqueia o diálogo e impede a colaboração.

Uma oferta que nos conecta a algo maior

A doação pode ajudar a transformar nossa realidade

Por fim, no campo das interações sociais, a recomendação que emerge da nossa pesquisa aponta para a doação. Doar-se ao outro nos conecta a uma ordem de grandeza maior que nós mesmos, dá um senso de pertencimento. De novo, aqui, isso envolve exercer autonomia. As escolhas do que doar e a quem doar são manifestações dos nossos valores e de nossas preferências. Posso dar preferência aos valores e doar o que eu acredito ser mais importante: dinheiro, alimento, serviço. No caso da doação de serviço, posso doar o que me dá prazer fazer.

Ou posso combinar as duas coisas, como Leandro Citelli, com o projeto Escuta Viva. “Vivemos uma epidemia de depressão, em alguma medida associada à solidão, à falta de conexão verdadeira. Tem gente cercada de pessoas, mas em solidão, porque não se sente vista, ouvida, reconhecida. Nosso projeto atende essa necessidade.” Por outro lado, o ato de escutar traz grande satisfação a quem presta o serviço. “Quem escuta recebe uma gratidão, seja explícita ou implícita, de quem está falando. Um brilho de olhar, que nos dá força interior.”

Aydar concorda. “A parte mais prazerosa do trabalho no Conecta é o feedback de quem está recebendo. Nem precisa ser um feedback positivo, um reconhecimento consciente. Basta ver as pessoas participando, ver que as pessoas voltam.” Quem diria, cara leitora, caro leitor, que temos tanto poder para transformar nossa realidade em meio a uma crise global?

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Autoria

Colunista Rodrigo Vergara

Rodrigo Vergara

É sócio da RIA, empresa especializada em construir segurança psicológica em equipes. Criador do PlayGrounded, a Ginástica do Humor, é jornalista (Folha de S.Paulo, Veja, Superinteressante e Vida Simples), foi sócio da consultoria Origami e consultor em branding. Ator e improvisador, integra o grupo Jogo da Cena.