fb-embed

Gestão de pessoas

3 min de leitura

Um canteiro de olhos e ouvidos

A inteligência coletiva de que precisamos para navegar na incerteza é um animal arisco, que só faz ninho em ambiente seguro

Colunista Rodrigo Vergara

Rodrigo Vergara

19 de Agosto

Compartilhar:
Artigo Um canteiro de olhos e ouvidos

Imagine uma empresa líder global de um dos negócios mais promissores em telecomunicações, com 40% do mercado mundial.

Escorada nesses resultados ridiculamente excelentes por anos, a alta liderança da empresa naturalmente se envaidece de sua competência em gerir o negócio. Aos poucos, o corpo de líderes se transforma em um clubinho coeso, de acesso restrito, cuja visão admirada raramente alguém desafia.

Questionamentos às escolhas estratégicas são recebidos com respostas desdenhosas para “focar na implementação”. Quem não consegue atender aos pedidos da liderança é tachado de “fracassado” e perde lugar na fila da promoção.

Aos poucos, os gerentes médios param de dar opinião. Questionar o status quo? Nem pensar. O barco passa a ser guiado à base de medo.

Isolada na direção, com olhos fixos no retrovisor que reflete seu sucesso do passado, a liderança ignora os sinais e não percebe as curvas que se aproximam. Despreza novas tecnologias promissoras, desdenha das novidades da concorrência.

O desfecho é óbvio. Estamos falando de tecnologia, afinal de contas. A concorrência lança uma inovação que muda o jogo. Os líderes demoram a perceber que seu vagão desprendeu-se da locomotiva do futuro. Sua defasagem levará anos para ser reconquistada. Quando os maus resultados se repetem por mais de um ciclo, os investidores percebem que a empresa está atolada no passado. As ações perdem valor.

Ainda confiante no sucesso pregresso da alta liderança, o conselho atende a seus pedidos de investimentos. Mas a cultura que concentra as decisões no topo não dá conta do novo desafio e da complexidade do cenário atual, que muda o tempo todo.

O plano estratégico tem a cara da década anterior: ciclos longos demais para um cenário tão inconstante e nenhum espaço para questionamentos. O foco, adivinhe, é na implementação.

Investimento alto, pouca receita. A empresa amarga seguidos prejuízos. Sua fatia do mercado é devorada em grandes nacos pela concorrência. Em cinco anos, praticamente desaparece. No ano seguinte, a divisão de telecomunicações da empresa, que até anteontem produzia os melhores itens do mercado, é vendida por uma pechincha.

Até quando?

Já não é novidade para ninguém que vivemos um momento extremamente volátil e complexo. Também estamos carecas (eu estou, pelo menos) de saber que não há retorno para um passado previsível e seguro, se é que ele existiu. Para navegar nesse cenário, precisamos de todos os sensores ligados, precisamos da atenção de todos aos sinais. Precisamos de toda inteligência a que pudermos ter acesso.

Ditas assim, essas palavras soam como um disco riscado, figurinha do ano passado. Praticamente ninguém discorda.

Mas, sinceramente: com que frequência você vê seus líderes, pares ou colaboradores abrirem mão alegremente de suas opiniões ou visões para ouvirem honestamente as opiniões de outros? É comum que admitam que não sabem, não conhecem ou não têm muita competência em algum tema e peçam ajuda?

O momento pede que as respostas a essas perguntas sejam um “sim” sereno e até meio admirado pela questão, como se fosse um absurdo que alguém dissesse “não”. Mas minha experiência diz o contrário.

A inteligência coletiva de que tanto necessitamos é como um ecossistema delicado, composto de seres ariscos, que só fazem ninho e se reproduzem em ambientes seguros, onde vicejam o respeito à opinião alheia, a vulnerabilidade e o compromisso.

Em ambientes contaminados pela disputa de egos e pela autoproteção, a diversidade de ideias desaparece. Reina então solitário o líder que sabe todas as respostas, que não tem dúvidas, não erra e resiste ao diferente. As organizações que ainda dão ambiente propício a essa figura correm risco de extinção.

A liderança autoritária não convive bem com as incertezas. Para desentocá-la, vale lembrar constantemente que ninguém sabe todas as respostas de que precisamos. E que raramente os obstáculos do caminho podem ser vencidos reproduzindo o passado. Estamos em território desconhecido e nosso desafio é de aprendizagem. Essa consciência manterá os sabichões em seus lugares.

Uma confissão: eu ia perguntar também com que frequência você abre mão de suas opiniões, ouve os outros, admite falhas e pede ajuda. Mas achei desnecessário, porque é claro que você é diferente. Eu também acho que sou. O inferno sempre são os outros.

Compartilhar:

Autoria

Colunista Rodrigo Vergara

Rodrigo Vergara

É sócio da RIA, empresa especializada em construir segurança psicológica em equipes. Criador do PlayGrounded, a Ginástica do Humor, é jornalista (Folha de S.Paulo, Veja, Superinteressante e Vida Simples), foi sócio da consultoria Origami e consultor em branding. Ator e improvisador, integra o grupo Jogo da Cena.

Artigos relacionados

Imagem de capa Como capacitar os chefes para que eles sejam líderes?

Gestão de pessoas

17 Abril | 2024

Como capacitar os chefes para que eles sejam líderes?

A tríplice necessidade de capacitação aos líderes que todo chefe precisa aprender

Samir Iásbeck

3 min de leitura

Imagem de capa Como as estratégias de gestão podem reduzir os custos elevados dos reajustes anuais dos planos de saúde empresariais?

Gestão de pessoas

16 Abril | 2024

Como as estratégias de gestão podem reduzir os custos elevados dos reajustes anuais dos planos de saúde empresariais?

Entenda os impactos e estratégias para garantir a sustentabilidaded dos planos de saúde, que devem aumentar em até 25% neste ano.

Katia De Boer

5 min de leitura

Imagem de capa Aerofólios, back office e diferenciação competitiva

Gestão de pessoas

15 Abril | 2024

Aerofólios, back office e diferenciação competitiva

Você sabe qual foi a revolução do aerofólio na Fórmula 1? Imagina de que maneira podemos utilizar esta lógica para a diferenciação no empreendedorismo? É essa reflexão que Valter Pieracciani nos convida a fazer em seu novo texto para a HSM Management.

Valter Pieracciani

3 min de leitura

Imagem de capa A inevitável transição do people analytics para o people intelligence

Gestão de pessoas

11 Abril | 2024

A inevitável transição do people analytics para o people intelligence

O cenário é de rápidas transformações e uma coisa é certa: a IA chegou para ficar e as companhias precisam absorvê-la e usá-la a seu favor. Por isso, é hora de estar preparado para usar isso com inteligência

Ivan Cruz

5 min de leitura

Imagem de capa Como a cultura data-driven acelera a transformação digital

Gestão de pessoas

10 Abril | 2024

Como a cultura data-driven acelera a transformação digital

É necessário compreender como empresas estão alcançando crescimento acima de 30% ao ano através de uma cultura analítica madura. Aprenda com casos reais de empresas que transformaram seus negócios com estratégias orientadas por dados nas tomadas de decisão.

Denys Fehr

7 min de leitura