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Tecnologia e inovação

5 min de leitura

Transformação ou disrupção digital?

Os termos não são sinônimos e, assim como o ovo ou a galinha, quem nasceu primeiro não importa tanto. O importante é entender suas diferenças e aplicações práticas

Bruno Campos

28 de Julho

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Artigo Transformação ou disrupção digital?

A recente crise desencadeada pela pandemia de Covid-19 em todo mundo fez com que empresas e líderes acordassem subitamente para a urgência do digital e do ecommerce. Isso fez a procura por termos como transformação e disrupção digital aumentar significativamente e dar ainda mais espaço para gurus coorporativos e palestrantes profissionais que, de maneira indiscriminada, usam os conceitos para vender palestras, workshops e consultorias.

Além de muitas vezes serem usados como sinônimos, o que é um equívoco, a transformação e a dirupção digital são alvos de dilemas como o do ovo ou da galinha. Na prática, quem nasceu primeiro não importa tanto. O importante é que se entenda suas diferenças e aplicações práticas, a fim de minimizar os riscos para o seu negócio.

Um pouco de história

No livro “Unlocking the customer value chain” de 2019, Thales Teixeira e Pixeiota publicaram estudos sobre disrupção digital em cima do conceito de decoupling (desintermediação ou desacoplamento) da cadeia de valor em mercados de empresas tradicionais. Os autores exploram movimentos evolutivos que o digital trouxe, influenciando a maneira como consumidores e empresas interagiam entre si.

A evolução dos conceitos estabelecidos por Teixeira e Peixota no livro, ocorre desde o início da internet. Entre 1995 e 2005, iniciaram-se os estudos, e o resultado foi observado em três movimento:

1º - Denominado de desagregação, onde o consumidor, por exemplo, passou a poder comprar uma música apenas, em vez de um CD inteiro de uma banda.

2º - Emergiu no final de 1999 com o surgimento do ecommerce e foi chamado de desintermediação, que trata da quebra da regra de que apenas varejistas poderiam servir consumidores e indústrias, oferecendo aos consumidores a possibilidade de comprar diretamente de quem produz.

3º- E bem mais recente, veio o “decoupling” (desacoplamento), onde produtos e serviços passaram a ser separados de uma maneira a valorizar aquilo que cria mais valor para o consumidor. Um exemplo é o da Netflix que eliminou comerciais e a espera por um horário marcado (fricção) para ver seus programas e filmes favoritos, mantendo apenas o que gera valor ao consumidor, com foco na experiência.

Com esta definição fica mais fácil chegar a uma resposta à pergunta do título. A transformação digital é um fenômeno que empresas tradicionais precisam passar, para reagir ou até mesmo evitar, a disrupção digital.

O conceito na prática

Eliminando a necessidade de alocar enormes quantidades de capital para usufruir dos benefícios do produto, um exemplo do conceito do decoupling é o da Zipcar, também citado no livro de Teixeira e Pixeiota - “A Zipcar, como discutido anteriormente, e outras empresas de locação de veículos sob demanda, como CarShare e Gig da Enterprise, oferecem aos motoristas acesso a um carro sem a necessidade de contratos e reservas. Os preços da Zipcar são razoáveis por curtos períodos, digamos, algumas horas.”.

As empresas tradicionais, que entenderam os movimentos, passaram a buscar maneiras de reagir. Outras, que optaram por combater o novo entrante com as mesmas armas de sempre, viram seus negócios minguarem até serem vendidas ou encerradas. Fato é que as grandes corporações foram pressionadas a investir tempo e dinheiro também em novos negócios e a combater a disrupção em vários segmentos de negócio. O professor de Harvard e pesquisar Sunil Gupta explora o tema em seu livro “Driving digital strategy” onde demostra como as grandes empresas tradicionais têm investido na tentativa de combater a disrupção.

A gigante de bebidas AmBev, por exemplo, fundou em 2015 a ZX Ventures para explorar o mercado de ecommerce, modelos digitais e cervejas artesanais. Dessa iniciativa surgiu o aplicativo Zé Delivery, em que tive o prazer de participar do time que fez seu lançamento. Com o app, o consumidor pode receber cerveja gelada em sua casa em 30 minutos, entregue pelo bar mais próximo.

Já a Unilever comprou a Dólar Shave Club, um serviço de entrega recorrente de produtos de barbear, e manteve sua operação 100% apartada a fim de ter uma startup dentro de sua operação. Outro exemplo foi o que fez a General Motors ao investir na Maven, aplicativo de car sharing nos EUA, que ganhou uma área dedicada dentro da companhia em Detroit.

Tecnologia X Disrupção

“Promover mudanças em uma organização grande e estabelecida nunca é fácil, mas é ainda mais difícil diante da tecnologia em rápida evolução e dos emergentes modelos de negócios que criam enormes incertezas para o futuro. Diferentemente das startups, as empresas têm tecnologias herdadas e possuem ativos que não podem ignorar e acionistas que exigem lucros”, é o que afirma Gupta sobre a relação entre tecnologia e disrupção.

Um estudo do MIT divide as empresas tradicionais em quatro categorias: fraca, média, semi-inovadora e inovadora de acordo com a intensidade com que elas reagem e ao nível de investimento que estas têm em tecnologia em relação a estes novos competidores. Neste modelo, apenas 16% das empresas são classificadas como inovadoras e aptas a reagir a um processo de disrupção.

Porém, o estudo também reforça que nem sempre a transformação digital vai gerar um novo concorrente, mas que esta pode mudar a maneira como o consumidor se relaciona com sua marca, seu produto e principalmente a sua jornada de compra.

Exemplos do setor de mídia impressa, por exemplo, podem ser explorados, demostrando como um serviço (classificados) ainda era desejado e buscado pelo consumidor, porém era necessário mudar o canal onde este era oferecido.

A inabilidade de jornais impressos de reagir a esse novo comportamento fez com que eles permitissem que novos entrantes dominassem o mercado de classificados online (Zap Móveis, OLX, Craiglist dentre outros) e, assim, iniciassem o processo de falência ou de diminuição de boa parte da indústria de jornais e revistas tradicionais e impressos.

Concluindo

Ou seja, o ovo, a galinha, o galinheiro, até mesmo seu ovo mexido do café da manhã, pouco importa. A ordem dos fatores, neste caso, faz a soma ser realmente afetada, principalmente pela velocidade e pela cultura de inovação da sua empresa.

A Covid-19 chegou e, se tudo der certo, vai passar. Porém, os efeitos que ela vai deixar no consumidor, estes não passarão. Adaptar seu modelo de negócio é essencial para o futuro, que será mais digital, centrado no mobile e com muita demanda por serviços mais transacionais no meio digital.

Ou seja, se sua empresa está adiantada no processo, uma oportunidade se abre para “disruptar” seus concorrentes por meio do digital. Caso contrário, transforme-se urgentemente e comece já a inovar.

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Autoria

Bruno Campos

Diretor de marketing digital e mídia da General Motors da América do Sul. Formado em publicidade e propaganda pela UFRJ e com um MBA em marketing pelo IAG-PUC-RJ, iniciou sua carreira na Infoglobo, foi trainee na C&A e teve sólidas passagens por empresas como Nike e ABInBev. Bruno é mestre em administração de empresas pela EAESP-FGV (MPA) e tem um canal no Youtube, o @MarketingFC, para falar de marketing, mídia e um pouco de futebol.

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