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#RoleModel: Economia Criativa

Gabi Teco

12 de Março

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Artigo #RoleModel: Economia Criativa

Asumir a cadeira de diretora geral de uma instituição com mais de 90 anos de história não assustou Patricia Cardim. Afinal, ela já respirava os ares do Centro Universitário Belas Artes desde os 14 anos, onde começou como aprendiz.

Susto mesmo foi o problema de saúde do pai, Paulo Cardim, que ocupava a posição e precisou se afastar do dia a dia da escola. Desde que assumiu, Patricia luta para que o Brasil seja cada vez mais reconhecido por gerar valor econômico a partir da indústria criativa e ganhe ainda mais espaço no cenário mundial. 

Quer saber mais sobre a trajetória de Patricia? Então confira a entrevista que a nossa editora executiva, Gabrielle Teco, fez com exclusividade para a Revista HSM eXtra.

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A história de Patrícia Cardim se mistura com a do Centro Universitário Belas Artes. Fundado em 1925, com o nome de Academia de Belas Artes de São Paulo por Pedro Augusto Gomes Cardim, a instituição quase centenária sempre teve um Cardim na liderança. Depois de Pedro, veio Carlos e na sequência Paulo, pai de Patrícia. Quando tinha apenas 26 anos, Patrícia se viu no comando da organização, após o afastamento de seu pai por motivos de saúde. 

Apesar da pouca idade, ela já acumulava mais de dez anos de experiência de trabalho na Belas Artes quando tudo aconteceu. Do começo, quando ainda tirava grampos de papéis, até se tornar uma líder que levanta a bandeira da economia criativa do país, muita coisa se passou. Conheça um pouco mais sobre a trajetória dessa executiva que acredita que o Brasil pode ser role model para o mundo. E ela está fazendo a parte dela.

Gabi: Quando começou a sua trajetória profissional na Belas Artes (BA)?

Patrícia: Quando eu entrei, com 14 anos de idade, a BA já era uma empresa consolidada, mas carregava um aspecto acadêmico muito forte. E eu comecei debaixo mesmo, trabalhando em diferentes departamentos: secretaria, biblioteca, contabilidade, tesouraria, entre outros, passando de seis meses a um ano em cada um deles. 

Gabi: Era uma coisa que você queria ou rolou uma pressão familiar para você trabalhar lá?

Patrícia: Eu quase precisei implorar para trabalhar porque meu pai não queria ninguém atrapalhando seu dia a dia. Sou de uma família de quatro irmãos, que tiveram passagens rápidas pela BA. Então, achando que eu seguiria os passos dos meus irmãos e não me interessaria pelo trabalho, meu pai não fez a menor questão de facilitar minha vida.

Gabi: Seu pai te testou então?

Patrícia: Isso. Nos primeiros seis meses que eu fiquei lá ele me colocou organizando o arquivo morto. Eu passava horas olhando pra baixo, tirando grampo de papéis antigos, arquivando. Hoje são documentos históricos, que ficam em nosso museu. Mas naquela época eram só uma montanha de papéis que ficavam na secretaria. Acho que ele pensou em me dar qualquer tarefa pra eu não atrapalhar. O fato foi que eu fiquei meses desempenhando essa função e o resultado foi uma paralisia no pescoço. Quando ele viu que era sério, me deixou mudar de área e eu fui pra tesouraria. A partir disso, as coisas foram evoluindo.

Gabi: Desse job rotation até assumir a direção geral, como foi?

Patrícia: Em algum momento eu comecei a me envolver muito com a área acadêmica, que é minha grande paixão. Eu não tinha a menor pretensão de ser a sucessora ou assumir a escola. Fazia por paixão mesmo. Também destaco a importância de ter me graduado em moda pela Belas Artes, pois a grade já contemplava essa formação voltada para a economia criativa, gestão, design. Meu TCC, por exemplo, trouxe a ideia de uma incubadora na Belas Artes, para que os estudantes de moda pudessem pesquisar e lançar novos materiais, tecidos tecnológicos, etc.

Foi nessa intersecção entre a BA, minha experiência como aluna e o exercício da gestão, que eu fui me formando como profissional. Nessa época outros departamentos, como o marketing, foram surgindo e eu assumindo novas responsabilidades. Fui me preparando de uma forma mais intuitiva, sem imaginar que assumiria a diretoria geral tão cedo. Até porque esse cargo não veio de forma fluída. Meu pai, que sempre foi um gestor bastante centralizador, adoeceu e os médicos recomendaram que alguém assumisse o lugar dele. Fiquei um tempo fazendo a ponte entre ele e a empresa, ali no hospital mesmo. Hoje ele está bem, é o nosso reitor, mas aquela fase não foi nada fácil.

Gabi: Você lembra dos seus principais dilemas nesse momento? O que mais te tirava o sono nessa época?

Patrícia: Eu lembro exatamente o me tirava o sono: a falta de empreendedorismo do artista. Eu sentia que faltava um entendimento da realidade do mercado. Artista tem essa coisa da paixão, da arte pela arte, mas eu repetia aos alunos que eles tinham que pensar em suas carreiras, tinham que movimentar o setor de economia criativa. Como o mercado ainda era imaturo no Brasil, eu enxergava a oportunidade de ajudar amadurece-lo, preparando nossos alunos para operar nele. 

Gabi: O que você acredita ter sido sua principal contribuição do ponto de vista de gestão do negócio e quais foram seus primeiros passos nessa jornada?

Patrícia: Modéstia a parte, eu tive o privilégio de ajudar a construir essa ponte que existe entre a Belas Artes e o mercado. E os primeiros passos, que não foram nada fáceis, foram no sentido de colocar a BA no circuito das grandes feiras internacionais, que sempre reservam espaço para universitários. No início a gente bancava o espaço para que o aluno experimentasse como um laboratório comercial. Fomos, por exemplo, a primeira escola a ser chamada para representar um país na SXSW, expondo um trabalho de um aluno do curso de arquitetura. O projeto, que previa uma residência em Marte, era espetacular. O aluno buscou pelo linkedin o contato de um arquiteto da NASA, que acabou orientando o trabalho, que ficou impecável. 

Então, no início foquei nessas grandes feiras, que trouxeram pro aluno essa visão de mercado. Hoje em dia a gente está muito mais voltado para o mercado nacional mesmo, porque a gente quer esse reconhecimento interno, e deseja que os nossos alunos tenham mais oportunidades de emprego e de ascensão na carreira. 

Gabi: De maneira prática, como os alunos estão sendo preparados para movimentar a economia criativa no Brasil?

Patrícia: A formação está muito multidisciplinar e continuada. Apesar desse mercado ter nichos, a gente vê profissionais transitando entre áreas, então, acho que hoje nosso grande esforço é ter matrizes curriculares que sejam muito generalistas para que elas possam possibilitar ao aluno visitar vários ambientes dentro do nicho dele. É preciso empreender. Por isso, temos aula de empreendedorismo desde o primeiro dia de aula. Hoje em dia eles acham a coisa mais comum do mundo colocar preço em obra de arte, mas quando começamos isso era um tabu. 

Outra grande corrida foi pela capacitação em habilidades intelectuais e emocionais. Antes estávamos muito mais preocupados com o lado técnico. Mas hoje precisamos igualmente habilitar os alunos para que eles desbravem o desconhecido, lidem com dados complexos, trabalhem bem em equipe, tenham um pensamento humanista, olhem para a sustentabilidade do mundo, sejam éticos, saibam se promover, falem bem em público. Enfim, um profissional muito mais completo. 

Gabi: Por que a bandeira da economia criativa é importante para você?

Patrícia: Porque eu acho que o Brasil tem um potencial enorme para construir uma área de economia criativa que possa representar metade do PIB do país. Tenho alunos usando nossos recursos naturais, que são vastos e diversificados, para desenvolver novos materiais, criando novos produtos a partir de matérias primas pouco exploradas. Nosso país tem dimensão continental, nossa cultura é rica, mas do ponto de vista de exportação, ainda exploramos pouco essa riqueza cultural. Além disso, do ponto de vista econômico, esse setor pode ajudar o Brasil a atravessar as crises mundiais com mais tranquilidade. Ao contrário do que aconteceu com a indústria automotiva, o setor criativo não sofreu tanto com as oscilações do mercado. As pessoas continuam empreendendo, criando.

Gabi: E você tem um role model para o Brasil? Em qual país podemos nos inspirar?

Patrícia: Não e acho que não precisamos. Acredito que o Brasil precisa ter um modelo próprio, que seja a nossa cara. Vou te dar um exemplo pra ficar mais claro esse ponto de vista. Em quase todas as universidades de economia criativa do mundo existe uma biblioteca de materiais que detalha materiais de revestimento, de objetos, materiais de obra, etc. E existe muitos materiais que são criados no Brasil, como a fibra de açaí ou o couro feito de casca de melão, e que não estão dentro dessas bibliotecas do mundo. Ninguém tem os nossos recursos e ninguém tem nossa capacidade criativa de solucionar, de viver com escassez, e de, ao mesmo tempo, ter essa criatividade pujante, alegre. Isso é tão nosso que eu sempre falo: o melhor modelo é o nosso modelo.

Gabi: E quem são os seus role models? Em quem você se inspira?

Patrícia: Toda vez que eu tenho dúvida sobre o que fazer dentro do ambiente de trabalho, eu consulto os registros do fundador da escola. Ele deixou uma memória documental gigante e é dali que eu espremo o que vai ser a Belas Artes para os próximos 100 anos.

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Autoria

Gabi Teco

Editora-executiva da HSM Management

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