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O que a Dinamarca e os países nórdicos podem nos ensinar sobre igualdade de gênero

Colunista Thalita Gelenske

Thalita Gelenske

20 de Novembro

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Artigo O que a Dinamarca e os países nórdicos podem nos ensinar sobre igualdade de gênero

Em julho de 2019, a minha startup (Blend Edu) participou de uma competição chamada SDG Tech Awards, organizada pela empresa de origem dinamarquesa chamada Sustainary. O objetivo do prêmio é mapear e reconhecer negócios e tecnologias que impactam positivamente os ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que, em inglês é representado pela sigla SDG). 

O prêmio contou com 12 finalistas, que concorriam em duas categorias: (i) soluções digitais e (ii) igualdade de gênero. A Blend Edu ficou em primeiro lugar na categoria associada ao objetivo do desenvolvimento sustentável (ODS) número 5 (igualdade de gênero), ganhando uma imersão na Dinamarca, um dos países referência em no assunto.

Foto: Fundadora da Blend Edu, Thalita Gelenske, ao lado da equipe da Sustainary (Thiago Senden, Marilia Silveira, Human Shojaee e Diego Valverde).

Estive no país nórdico no período de 06 a 16 de novembro de 2019, quando pude dialogar com startups, pesquisadores da academia e conselheiras de grandes empresas de tecnologia, ganhando uma nova perspectiva sobre a temática. Além disso, também tive a oportunidade de participar de um workshop sobre diversidade na Copenhagen Business School e visitar a sede da ONU na cidade.

Foto: Fundadora da Blend Edu, Thalita Gelenske, no workshop “Diversity drives innovation” na Copenhagen Business School.

O primeiro ponto inegável é que a Dinamarca está muito à frente do Brasil ao analisarmos a desigualdade de gênero. Segundo dados do The Global Gender Gap Report de 2018 (relatório oficial desenvolvido pelo Fórum Econômico Mundial), vemos que a Europa ocidental (Western Europe, onde a Dinamarca está incluída) é a que possui o melhor índice por região em uma análise global. A América Latina e o Caribe, por outro lado, ficam em 4º lugar no ranking por região (ver imagem abaixo).

Ao aprofundarmos a análise individualmente, a diferença fica ainda mais gritante: enquanto a Dinamarca está na posição 13, o Brasil está na posição 95 dentre os 149 países analisados. Claro que, quanto mais próximo da posição 1 (atualmente ocupada pela Islândia), maior a igualdade entre homens e mulheres naquele país.

Foto: Thalita em evento da sede da ONU em Copenhagen.

O relatório faz a análise em 4 perspectivas: (i) Participação econômica e acesso à oportunidade; (ii) Educação; (iii) Saúde e sobrevivência; (iv) Empoderamento político. 

É curioso perceber, no entanto, que o Brasil até possui um desempenho relativamente similar à Dinamarca na categoria de educação e saúde. No entanto, a diferença se torna ampla ao explorar os indicadores de participação econômica e acesso à oportunidade, bem como empoderamento político.

Uma das políticas que a Dinamarca e alguns dos países nórdicos (como Islândia, Noruega e Suécia) têm como referência global é chamada licença parental, que pode ser compartilhada pelo pai e pela mãe (ou por casais homoafetivos) após o nascimento do bebê. Enquanto no Brasil a licença maternidade é de 4 meses e a paternidade é de 5 dias (caso a empresa não tenha aderido ao programa empresa cidadã para ampliar para 6 meses e 20 dias, respectivamente), na Dinamarca temos o seguinte cenário:

  • Licença maternidade: 4 semanas antes da data prevista para o nascimento, a mãe já pode sair de licença. Após dar à luz, a mãe pode usufruir de 14 semanas (cerca de 3 meses e meio).

  • Licença paternidade: Após o nascimento do bebê, o pai pode tirar o período de 4 semanas de licença paternidade.

  • Licença parental: o que torna o cenário muito mais avançado do que no Brasil é a licença parental. Após o fim da licença maternidade e paternidade, o casal pode compartilhar (da maneira que preferir) a licença parental de 32 semanas (cerca de 8 meses), que podem ser ampliados por mais 14 semanas.

Mas nem tudo são flores. Ao fazer uma reflexão crítica com o apoio de especialistas locais, percebi que a Dinamarca também tem muito a avançar. Por exemplo, de 2006 até 2018, o país caiu algumas posições (saindo do 8º para a 13ª posição), especialmente devido ao seu desempenho em termos de diversidade em cargos de liderança e diferença salarial.

Este cenário fez com que a consultoria BCG (Boston Consulting Group) realizasse uma análise das causas raiz do problema, destacando:

  • Estereótipos de gênero e padrões sociais: Por mais que o país tenha leis avançadas, os dinamarqueses ainda associam majoritariamente às mulheres o papel de cuidado da família.

  • Um teto de vidro criado por causa de políticas e normas culturais: Apesar da Dinamarca ter uma das melhores licenças parentais do mundo (explicada acima), culturalmente ainda é incomum que o pai assuma este papel. Assim, é comum que a licença parental seja usufruída pela mulher.

  • A educação e o mercado de trabalho ainda são segregados de acordo com estereótipos de gênero: Mesmo que 56% das estudantes universitárias sejam mulheres, cerca de 30% estão nos campos de STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática).

Este contexto sociocultural ainda tem um agravante (citado de forma unânime entre todas as pessoas com quem conversei): muitos dinamarqueses acreditam que o país já atingiu um patamar de referência, não precisando mais endereçar este a desigualdade de gênero.

De acordo com estudo da BCG em 2019, apenas 3% dos homens dinamarqueses - significativamente menos do que seus pares nórdicos – acreditam que existe um viés que precisa ser trabalhado para melhorar os índices de diversidade. Este dado é ainda mais problemático, quando entendemos que os homens ocupam os cargos de liderança da maior parte das organizações no país. Ou seja, os próprios tomadores de decisão não acreditam que medidas precisam ser tomadas.

Este mesmo estudo da BCG, compara o grau de consciência sobre o problema entre diferentes países, entre eles o Brasil. De forma surpreendente, eles colocam os brasileiros com um nível um pouco maior de consciência em relação às desigualdades de gênero existentes. Este foi o dado que eu menos esperava encontrar ao embarcar para a Dinamarca.

Se ainda existem pontos para avanços, uma boa prática pode ser observada em outro país nórdico: a Islândia (número 1 do ranking do Fórum Econômico Mundial).  

Em 2000, o país introduziu uma nova legislação de licença parental, incluindo uma adaptação. Lá, o período de licença parental é de 9 meses e precisa ser compartilhado pelo casal considerando o seguinte cálculo: 3 meses deverão ser retirados obrigatoriamente pela mãe, 3 meses deverão ser retirados obrigatoriamente pelo pai e os meses restantes podem ser divididos entre o casal, da maneira que eles preferirem. Caso o homem opte por não tirar, os 3 meses serão perdidos. Com isso, vemos um crescimento absurdo do número de homens que passam a sair de licença para cuidar os filhos (ver gráfico abaixo), o que contribui para quebrar estereótipos e contribuem para uma melhoria nos índices de igualdade de gênero.

Parental leave on Iceland

Fonte: Nordic Labour Journal, 2019.

Assim como pontuei neste artigo no blog da Blend Edu, este é o tipo de medida que não só tem o potencial para romper diversos paradigmas na gestão empresarial, mas também na forma na qual gerimos nossa carreira, equilibramos nossa vida, vivemos em sociedade e criamos nossos filhos e filhas.

Conteúdo produzido em colaboração entre a Revista HSM Management e a Blend Edu, startup referência no desenvolvimento de treinamentos e experiências educacionais sobre diversidade nas empresas.

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Autoria

Colunista Thalita Gelenske

Thalita Gelenske

Fundadora e CEO da Blend Edu, startup que já tem em seu portfólio empresas como 3M, TIM, Reserva, Movile, Grupo Fleury, TechnipFMC, Prumo Logística, brMalls etc. Thalita também está presente na lista da Forbes Under 30 de 2019, como uma dos 6 jovens destaques na categoria Terceiro Setor e Empreendedorismo Social.

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