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O mundo precisa de uma sacudida

Quando a gente sabe como e por que as coisas se tornaram como se tornaram, fica mais fácil traçar a rota da mudança.

Lavínia Pedrosa

13 de Janeiro

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Artigo O mundo precisa de uma sacudida

Eu me considero uma feminista em construção. Quando eu tinha 19 anos tive uma experiência de liderança durante a faculdade de administração e entendi o quão desafiador pode ser liderar sem ter mulheres por perto. Ser a única entre homens é difícil – me falaram, por exemplo, que precisava levantar a voz e falar um pouco mais grosso para ser respeitada. 

Desde essa experiência, sigo estudando e me aprofundando no assunto de mulheres em posições de liderança. Tive a oportunidade de ouvir e falar com a Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora, em uma conversa promovida pela HSM Management sobre empreendedorismo feminino. No ano de 2020, li muitos livros de mulheres que abriram a minha cabeça, como Djamilla Ribeiro, Maya Angelou, Debora Thomé e Silvia Federici.

No artigo de hoje, quero dividir alguns dos aprendizados que tive e que me mostraram mais sobre a história das mulheres do mundo. Quando a gente sabe como e por que as coisas se tornaram como se tornaram, fica mais fácil traçar a rota da mudança. Vem comigo?

A desvalorização do trabalho feminino

Vamos começar do começo…

Entre 1620 e 1630, aconteceu uma crise demográfica na Europa. Por esse motivo, o Estado começou a ser muito rigoroso com os métodos contraceptivos: com a finalidade de regular  procriação e quebrar o controle das mulheres sobre a reprodução, todos os Governos europeus começaram a impor penas mais severas à contracepção, ao aborto e ao infanticídio.

Também foram adotadas novas formas de vigilância para assegurar que as mulheres não interromperiam a gravidez, como um sistema de espionagem com a finalidade de vigiar as mães solteiras e privá-las de qualquer apoio. Até mesmo hospedar uma mulher grávida solteira era ilegal. 

Ao negar às mulheres o controle sobre seus corpos, o Estado privou-as da condição fundamental de sua integridade física e psicológica, degradando a maternidade à condição de trabalho forçado, além de confinar as mulheres à atividade reprodutiva de um modo desconhecido por sociedades anteriores.

Entretanto, forçar as mulheres a procriar contra a sua vontade é uma definição parcial das funções delas  na nova divisão do trabalho. Um aspecto complementar foi a redução das mulheres a não trabalhadoras, um processo que estava praticamente completo até o final do século XVII.

Ganhava espaço a suposição de que mulheres não deviam trabalhar fora de casa e de que tinham apenas que participar na “produção” para ajudar seus maridos.

Dizia-se até mesmo que qualquer trabalho feito por mulheres em sua casa era “não trabalho” e não possuía valor, mesmo quando voltado para o mercado. Se uma mulher costurava algumas roupas, tratava-se de “trabalho doméstico”, mesmo quando as roupas não eram para a família, enquanto o homem, quando fazia o mesmo, era considerado  “produtivo.”

Em pouco tempo, todo o trabalho feminino, quando realizado em casa, seria definido como “tarefa doméstica''. Até mesmo quando feito fora de casa, era pago um valor menor do que para o trabalho masculino – nunca o suficiente para que as mulheres pudessem sobreviver dele. 

A incapacidade de as mulheres sobreviverem sozinhas era algo dado como tão certo que, quando uma mulher solteira tentava se assentar em um vilarejo, era expulsa, mesmo se ganhasse um salário.

Um importante fator que aqui vale ser destacado foi uma campanha levada a cabo por artesãos, a partir do final do século XV, com o propósito de excluir as trabalhadoras das suas oficinas, supostamente para protegerem-se dos ataques dos comerciantes capitalistas que empregavam as mulheres a preços menores. 

Os oficiais artesãos solicitaram às autoridades que não permitissem que as mulheres competissem com eles; fizeram greve quando a proibição não foi levada em consideração e negaram-se a trabalhar com homens que trabalhavam com mulheres. Elas procuraram resistir a essa investida, mas, devido às táticas intimidatórias que os trabalhadores usaram contra elas, fracassaram.

Aquelas que ousaram trabalhar fora do lar, em um espaço público e para o mercado, foram representadas como megeras sexualmente agressivas ou até mesmo como “putas” ou "bruxas''. 

O Estado apoiou os artesãos porque além de pacificá-los, a exclusão das mulheres dos ofícios forneceu as bases necessárias para sua fixação no trabalho reprodutivo e para sua utilização como trabalho mal remunerado na indústria artesanal doméstica.

Uma nova diferenciação sexual do espaço

A perda do poder social das mulheres expressou-se também por meio de uma nova diferenciação sexual do espaço. Nos países mediterrâneos, as mulheres foram expulsas não apenas de trabalhos assalariados, mas também das ruas. Se uma mulher andasse sozinha, corria o risco de ser atacada sexualmente. 

As literaturas eruditas fortaleciam os estereótipos: foi estabelecido que as mulheres eram inerentemente inferiores aos homens – excessivamente emocionais e incapazes de se governar. A principal vilã era a esposa desobediente. A megera domada (1593), de Shakespeare, era um manifesto na época.

A definição das mulheres como seres demoníacos e as práticas atrozes e humilhantes a que muitas delas foram submetidas deixaram marcas indeléveis em psique coletiva  e em seu senso de possibilidades.

A caça às bruxas foi um momento decisivo na vida das mulheres: foi o desmoronamento do mundo matriarcal, visto que a caça às bruxas destruiu todo um universo de práticas femininas, de relações coletivas e de sistemas de conhecimento que haviam sido a base do poder das mulheres na Europa pré-capitalista, assim como a condição necessária para sua resistência na luta contra o feudalismo.

A partir dessa derrota, surgiu um novo modelo de feminilidade: a mulher e esposa ideal – passiva, obediente, parcimoniosa, casta, de poucas palavras e sempre ocupada com suas tarefas. 

Como essa história se relaciona com o mundo empresarial no ano de 2020?

Se a caça às bruxas não tivesse acontecido, viveríamos em um mundo mais matriarcal e, com certeza, com mais mulheres em posições de liderança.

Se as mulheres tivessem o direito a um salário pelo seu trabalho há 400 anos, não teríamos uma diferença salarial tão grande entre homens e mulheres como temos hoje.

Se a nossa sociedade não tivesse (e mantivesse por 400 anos) a visão de que a mulher e esposa ideal é passiva e obediente, teríamos mulheres e meninas mais corajosas. Mais desobedientes

O mundo não foi sempre assim. Ainda dá tempo de mudar. E me dá um sorriso no rosto ver cada vez mais mulheres em posições de poder e a força que o movimento feminista ganha ano após ano.

Mas, precisamos de mais. Precisamos saber que PODEMOS estar lá. Saber do nosso poder.

Fica o convite para resgatarmos as forças das bruxas que lutaram e que morreram pelas mãos do patriarcado.

Seguimos!

PS 1: Para uma leitura mais aprofundada sobre a nossa história, indico o livro Calibã e a Bruxa, da Silva Federicci.
Ps 2: É importante ressaltar que a história contada foi retirada do livro e tem uma perspectiva eurocêntrica.

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Autoria

Lavínia Pedrosa

Formada em administração pela Universidade de Pernambuco, pós-júnior da FCAP JR. Consultoria e da Brasil Júnior, atualmente trabalha na Qura Editora, editora responsável pela publicação e distribuição da HSM Management e MIT Sloan Review Brasil. Atua na área de marketing como gestora das mídias sociais, mídia paga e produtora dos podcasts. Apaixonada por gerar impacto positivo no mundo, comunicação humanizada e por resolver problemas. Nas horas vagas, gosta de ler, ir à praia com amigas e viajar.

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