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O instituto Ethos e o protagonismo

Em entrevista, Ricardo Young discute o papel da entidade, que hoje reúne perto de 600 empresas

Adriana Salles Gomes

18 de Abril

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Artigo O instituto Ethos e o protagonismo

Em 1998, quando o Instituto Ethos foi fundado no Brasil, a globalização estava virando o mundo empresarial do avesso. Pouco antes, nascera a organização não governamental Business for Social Responsability & Sustentability, na Inglaterra, e pouco depois veio o índice de sustentabilidade do Dow Jones da Bolsa de Nova York. Logo foi selado o Pacto Global da ONU, iniciativa das Nações Unidas para encorajar as empresas a serem mais responsáveis com seu entorno. 

A razão disso tudo? As multinacionais estavam integrando suas operações no planeta e percebeu-se que “a assimetria entre suas práticas nos países de origem e nos periféricos era escandalosa”, nas palavras de Ricardo Young Silva, presidente do conselho deliberativo do Ethos e um de seus fundadores. Nesta entrevista, Young avalia a evolução das empresas brasileiras quanto a assumir responsabilidades além da obrigação legal, compartilha providências tomadas em casos como o da Vale e lamenta o menor protagonismo dos CEOs nos dias atuais. Apostando que a fase é de transição, ele diz : o foco é a mudança cultural.

1) Para começar, qual o balanço das duas décadas de Ethos?

As empresas do Brasil avançaram muito, mas não avançaram o suficiente. Para elas, o imperativo econômico ainda é mais forte do que o imperativo ético, infelizmente; elas ainda não reconheceram realmente as limitações do imperativo econômico. Só que esse fato as tem levado a grandes perdas. Nunca foram destruídos tantos ativos neste País como no processo de corrupção revelado na Operação Lava-Jato ou na questão da mineração – mais especificamente, no caso da Vale. 

Todas as empresas que têm desafiado o pressuposto de que é preciso gerar valor para além do marco legal, estabelecido pelo Ethos há 20 anos, têm destruído valor numa proporção inimaginável. E o pressuposto é ainda mais verdadeiro porque há um fato novo – a tecnologia. A rapidez com que circula a informação, sua transparência e a multiplicação de protagonistas colocam um desafio ainda maior para as empresas. 

2) Como o Ethos mudou nesses 20 anos? O discurso da responsabilidade social empresarial (RSE) ainda é válido? Ou necessariamente mudou para o da criação de valor compartilhado?

Nos primeiros 20 anos, conseguimos demonstrar por que a responsabilidade social é importante, sendo que, entre 2006 e 2007, adicionamos a dimensão da sustentabilidade na agenda, mostrando que era absolutamente impossível as empresas ignorarem a mudança climática. 

Hoje, o Ethos está trabalhando muito na direção da gestão integrada de negócios e impactos. Quanto menos integrada for a administração de uma empresa – ou seja, quanto mais distância houver entre aquilo que ela diz e o que faz –, mais rapidamente ela destrói valor. 

Com a globalização e a tecnologia, não há mais como uma empresa dizer uma coisa, fazer outra e ocultar os impactos disso. Basta observar como a ação da Vale mudou do episódio de Mariana para o de Brumadinho. Agora, o presidente da empresa assumiu a responsabilidade, deixou o cargo e antecipou-se em relação às indenizações, independentemente do processo judicial. 

Um dos eixos mais importantes do Ethos hoje é a construção de uma plataforma de integridade empresarial. Acreditamos que a integridade – não só no sentido ético e moral, mas também como a integralidade com que as empresas se colocam nas práticas, no compliance, no engajamento de stakeholders – é o aspecto fulcral da mudança cultural necessária às empresas. 

3) Você citou a Vale e sabemos que ela tem um relacionamento com o Ethos. Como vocês se posicionam nesses casos?

Nós temos desafiado nossas empresas em relação à sua coerência. Nosso Comitê de Ética, que responde diretamente à Assembleia dos Curadores, tem sido muito rigoroso nisso. Porém é importante entender que nossa visão vai além da punição. Para punir as empresas há os órgãos de fiscalização, o Ministério Público, a Justiça. 

A nós interessa que elas reparem os prejuízos que causaram e, sobretudo, o que elas farão para que esses prejuízos nunca mais ocorram. 

Por exemplo, as empresas envolvidas com a Lava-Jato associadas ao Ethos foram expulsas do instituto em um primeiro momento. Depois, algumas foram readmitidas, porque nos procuraram para estabelecer parcerias e programas a fim de melhorar o setor, item exigido nos acordos de leniência, inclusive. No caso da Vale, o Ethos propôs à empresa uma suspensão, em vez de expulsá-la, e sugeriu que ela seja um agente de discussão sobre as novas estratégias do setor de mineração no Brasil – com o Ethos sendo uma espécie de facilitador dessa conversa. 

O Ethos não é uma organização que dá certificados, selos e excelência. O Ethos não pune. O Ethos procura ser um espaço de reflexão estratégica e de autocrítica para as empresas para fazerem as coisas de maneira diferente, com mais maturidade. 

4) As empresas ligadas ao Ethos estão mais comprometidas com as chamadas externalidades do que as outras?

Hoje trabalhamos com perto de 600 empresas, ligadas a programas diferentes, dedicados a temas que vão de diversidade ao combate à corrupção, mas dá para dizer que, de um modo ou outro, todas estão buscando incorporar essas externalidades em algum grau. Por exemplo, você vê a Coca-Cola hoje com absoluta consciência de que precisa ser protagonista na questão da regeneração dos serviços ambientais, hídricos etc., sabendo que, caso contrário, seu negócio estará comprometido. Nas estratégias de visão e de valor dessas empresas, as externalidades começam a ser um componente da estratégia. 

5) Como o papel das empresas e dos CEOs na sociedade brasileira têm mudado ao longo desses anos?

Temos de ser realistas. Nossas empresas ainda dependem bastante de políticas públicas e da agenda liberal. Elas perderam muito de sua capacidade de protagonismo e se enfraqueceram, seja por causa da crise econômica, que as deixou em uma situação financeira delicada, seja por acontecimentos como a Lava-Jato. Temos um setor industrial debilitado, um agronegócio altamente dependente do mercado internacional e um setor de serviços que sofre demais com a crise.

Assim sendo, os CEOs têm tido participação pequena na discussão política mais estratégica do país – mesmo os CEOs que tinham protagonismo forte na década de 2010 se retraíram, e não surgiram outras lideranças que subissem ao palco. Hoje os CEOs têm medo de se expor publicamente. Talvez isso se deva ao fato de saberem que o trabalho de mudança cultural e de resiliência nas empresas ainda não se completou.

No entanto, eu acho que todo esse processo é transitório. À medida que as empresas voltarem a se fortalecer economicamente e que o endividamento e os desafios financeiros saírem das salas dos conselhos [de administração], começaremos a ver uma participação maior dos empresários na discussão sobre sociedade e política novamente. 

E, à medida que fizerem a lição de casa para tornar suas empresas mais robustas, resilientes e maduras, os CEOs voltarão a se posicionar em público também.

6) Quais são suas expectativas para essa transição?

Depois de uma década brilhante (de 2000 a 2010) e de um período de transição assustador (de 2010 até agora), acho que temos, bem ou mal, um quadro de reconstrução da economia e da força das empresas no Brasil. 

7) O atual contexto político e regulatório favorece ou dificulta a conscientização das empresas?

A globalização de 20 anos atrás favoreceu isso.Hoje em dia, eu diria, de modo geral, que as empresas tendem a ser mais avançadas em suas proposições do que os governos. Embora, de novo, ainda não sejam avançadas o suficiente. 

Tanto isso é verdade que, no Brasil, o próprio agronegócio fez críticas ao retrocesso na agenda ambiental do governo Bolsonaro, entendendo que a agenda ambiental se tornou um insumo para os mercados internacionais.

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Autoria

Adriana Salles Gomes

Adriana Salles Gomes é diretora-editorial de HSM Management.

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