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Melhores para o Brasil 2022

11 min de leitura

O estudo dos futuros em uma visão 360 graus

Entenda como surgiu o futurismo, seus objetivos, os métodos utilizados, os principais praticantes e suas entregas

Martha Gabriel

20 de Janeiro

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Artigo O estudo dos futuros em uma visão 360 graus

Por que a conquista da imortalidade, o conhecimento do futuro e o poder de mudar o passado estão entre as grandes aspirações da humanidade? O anseio comum por trás das três é o desejo de controlar um dos recursos mais preciosos para a nossa existência: o tempo.

A imortalidade resolveria a quantidade de tempo – transformando um recurso escasso em infinito –, enquanto as demais garantiriam sua qualidade, “consertando” resultados ruins de decisões passadas ou mudando nossa atuação no presente para “corrigir” o futuro.

Não é à toa que temas relacionados ao controle do tempo povoam nossa imaginação desde os primórdios da humanidade: viagens no tempo, poções mágicas, bolas de cristal, criaturas míticas imortais, fonte da juventude, simulações, vida depois da morte... No entanto, se, por um lado, não conseguimos melhorar nossas vidas por meio da imortalidade (ainda não) ou mudando o que já aconteceu, por outro, podemos melhorar o que está por vir – o futuro.

O futuro é a dimensão aberta – ele se cria no presente, a partir de sementes que já estão entre nós. E as mudanças, como dizia Alvin Toffler, em O choque do futuro, são “o futuro invadindo nossas vidas”. Aqueles que identificamos como visionários na História simplesmente são os que conseguem enxergar tais sementes e fazer as respectivas mudanças. Têm sido eles que direcionam o futuro de toda a humanidade.

No início do século 20, tais visionários faziam isso com base em sua intuição. Mas, conforme o ritmo de mudança e a complexidade do mundo aumentam, fica difícil detectar os sinais de futuros apenas com a intuição. Emerge, então, uma nova disciplina, que auxilia as pessoas a localizarem, no presente, as sementes do futuro e a escolher quais dessas sementes vale a pena cultivar – e quais não – para criar os futuros desejados. Essa disciplina é o futurismo, que também chamamos de estudos de futuros. (Em inglês: futures studies, foresight, futures researches.)

Futurismo é, portanto, a ciência que decodifica os múltiplos futuros com raízes no presente, para que possamos agir selecionando os melhores e evitando os ruins.

Várias versões

Uma premissa do futurismo é a de que existem diversos futuros. Uma heurística bastante utilizada para visualizar como essas versões se desenvolvem com o tempo é o cone de futuros plausíveis (cone of plausibility), desenvolvido por Charles Taylor em 1988 – que posteriormente foi adaptado por diversos futuristas, como na versão de Joseph Voros veja a figura abaixo.

No cone, quanto mais avançamos no tempo rumo ao futuro e nos distanciamos do presente, maior é a quantidade de versões de futuros plausíveis – e mais incertos eles são.

Uma observação importante é que os futuros plausíveis incluem tanto cenários bons quanto ruins, e as metodologias de futurismo sempre buscam detectar ambos para balizar o processo decisório. Isso é o que garante que a decisão não seja enviesada e tem importância imensa – como sabemos, um dos grandes problemas atuais é justamente o pensamento enviesado, raiz de fenômenos como polarizações, alienação, negacionismo, pós-verdade etc.

Considerando a dimensão de negócios, a figura mostra os domínios de ação no tempo em que atuam a pesquisa de mercado (passado), a pesquisa de tendências (futuro próximo) e a pesquisa de futuros (estudos do futuro normalmente trabalham com cenários de dez anos).

Embora não esteja representada no cone, ganha importância crescente no futurismo a análise de futuros ainda mais distantes, que foca como a humanidade se encaixa no universo e amplia nossa visão de curto prazo e limitada. Exemplo disso é a proposta da Long Now Foundation, que olha para o futuro em 10 mil anos, com o objetivo de oferecer um contraponto à visão atual de “mais rápido e barato” para uma mentalidade que promova um pensamento “mais lento e melhor”. Isso corresponde aos estudos de “big history”, que analisam desde o big bang até o presente. Domínios de tempo mais amplos são essenciais para garantir que a humanidade seja sustentável.

O futurismo não prevê o futuro, nem os futuristas são Nostradamus da atualidade. Trata-se de usar versos métodos e pesquisas para nos permitir criar futuros – ele nos auxilia a agir no presente na direção dos futuros que queremos. Isso explica o crescente interesse pela área nas últimas décadas.

Evolução histórica

O futurismo não é algo novo. Suas origens remontam a 1901, quando H.G. Wells publicou suas Antecipações da reação do progresso mecânico e científico na vida humana e no pensamento, em que ele propõe cenários para o ano 2000. Wells é considerado o pioneiro dos estudos de futuro. Como disciplina de estudo propriamente dita, o futurismo também tem quilometragem: ele emerge na década de 1960, somando acadêmicos, filósofos, escritores, artistas e cientistas que exploram cenários futuros e estabelecem as bases para um diálogo comum. A primeira geração de futuristas inclui estrategistas de guerra, como Hernan Kahn, economistas como Bertrand de Jouvenel (que fundou a Futuribles International em 1960), cientistas como Dennis Gabor, sociólogos como Fred L. Polak, pesquisadores como Marshall McLuhan em suas reflexões sobre a “aldeia global”, inventores como Buckminster Fuller, um dos primeiros a perceber a aceleração da mudança e, claro, Arthur C. Clarke.

São de Clarke, inclusive, as duas frases que se tornaram os mantras futuristas: “Toda tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de mágica” (sua terceira lei da robótica) e “Quando um cientista consagrado idoso declara que algo é possível, ele quase sempre está certo. Quando ele diz que algo é impossível, está provavelmente errado”.

Em 1968, surge o Institute For The Future (IFTF), o primeiro instituto de futurismo do mundo, que tem entre seus fundadores Paul Baran, pioneiro no desenvolvimento de redes computacionais. Inicialmente, o IFTF é focado em estudos de futuro com interesses governamentais, mas aos poucos abarca assuntos de negócios e sociais, e é o berço de inúmeros futuristas de destaque, como Bob Johansen (criador do conceito Vuca Prime e que lançou recentemente o livro Full-Spectrum Thinking) e Jane McGonigal, uma das maiores referências em pesquisa do impacto social dos jogos. Saiba mais na pág. 24.

Nos anos 1970, emergem institutos de futurismo no mundo todo, como, por exemplo, o Institute for Futures Research (IFR), em 1974, na África do Sul, e os temas de interesse se ampliam: crescimento populacional, disponibilidade e uso de recursos, crescimento econômico, qualidade de vida, sustentabilidade ambiental. É quando vem o best-seller O choque do futuro, de Alvin e Heidi Toffler, com foco na sobrecarga informacional.

No final do século 20, são os best-sellers futuristas de John Naisbitt e Faith Popcorn que se destacam, como Megatrends e O Relatório Popcorn.

Movimento atual, no mundo e no brasil

Hoje contamos não apenas com vários institutos de futurismo respeitados no mundo, como também com sólidos programas acadêmicos em universidades em todo o mundo, think tanks, consultorias especializadas, pesquisadores independentes (foresight practioners ou futuristas, em português), além de departamentos de futurismo dentro de grandes corporações, organizações não governamentais e governos. Ray Kurzweil (Singularity University e Futurism.com) e Amy Webb (Future Today Institute) são bom exemplos de profissionais que atuam de modo independente, assim como Gerd Leonhard. Yuval Harari exemplifica os fellows (associados) de grupos de pesquisa ou universidades – ele, no caso, é associado à Hebrew University of Jerusalem.

Entre as consultorias, podemos citar as especializadas em áreas específicas, como a Trend Watching, que foca o comportamento do consumidor, a CoolHunting.com, (com interesse em áreas relacionadas a cultura, arte e design) e as grandes consultorias que trabalham com a gestão de empresas, como Accenture, McKinsey, Delloite, BCG, entre outras. Estas incorporaram departamentos de estudos do futuro especialmente na última década.

Nas corporações, podemos apontar iniciativas como “Coca-Cola Content 2020” (realizada em 2011), “Think with Google” (estudo desenvolvido em várias verticais de negócios todos os anos)e Adobe Digital Trends.

E no Brasil? Os profissionais de futurismo em nosso País normalmente encabeçam algum grupo ou think tank, como é o meu caso, Martha Gabriel, no FuturoDosNegocios.com.br veja artigo na pág. 88. Entre outros, cito ainda Rosa Alegria, a precursora do futurismo no Brasil e que lidera o The Millenium Project Brasil; Lilia Porto veja artigo dela pág. 57, à frente do Futuro das Coisas, e Daniela Klaiman, no Unlock the Future.

Cada vez mais organizações brasileiras, em cada vez mais setores, têm desenvolvido internamente estudos de futuros, como é o caso, por exemplo, da Natura e do Senai. Vale notar que, em boa parte das vezes, esses estudos são parcerias com institutos especializados.

Técnicas, processos, entregas

E como são desenvolvidos os estudos de futurismo? Da mesma forma que em qualquer outra área do conhecimento, existem diversas linhas de pesquisa e métodos, e listo algumas para o leitor mais curioso – protocolos de pensamento antecipatório, backcasting, workshops de futuros, simulação e modelagem, visioning e role-playing adaptativo. Na verdade, normalmente uma pesquisa de futurismo envolve vários métodos combinados de maneira a atender as especificidades do assunto.

Quanto aos tópicos dos estudos de futuros, estes podem variar desde uma área com abrangência genérica e ampla, como, por exemplo, o futuro do clima (ou os da comunicação, da filantropia, da educação, do livro etc.) até temas mais específicos, como o futuro do agronegócio na minha região. Além da condução por profissionais capacitados em futurismo, que saberão escolher e utilizar os métodos mais adequados para cada caso, outro pilar importante de um estudo de futuros é a seleção dos participantes, que deve abranger membros representativos de todas as áreas de interesse relacionadas com o ecossistema do assunto em análise. Estudos do futuro envolvem sempre uma visão multidisciplinar do assunto em questão; isso minimiza as chances de enviesamento do processo.

As entregas de um estudo vêm em diversas formas, como livros, cards, cartazes, infográficos, folhetos etc. A maneira de apresentar resultados depende dos tipos de resultados obtidos e da necessidade de detalhamento. Por exemplo, livros são ótimos para conteúdos mais analíticos, que dependam de uma explicação mais precisa e que destaquem as conclusões mais significativas.

Já cartazes e infográficos são formatos excelentes quando os resultados podem ser expressos de maneira mais sintética e visual. Em todos os casos, deve-se ter um relatório que possibilite e favoreça a tomada de decisão na área em questão para criar futuros desejáveis e minimizar as chances de os futuros desfavoráveis se imporem.

No mundo atual – cada vez mais acelerado, complexo, denso, incerto, imprevisível, múltiplo, ambíguo, volátil, frágil –, o futurismo como ferramenta estratégica ganha muito mais relevância. Os estudos do futuro deveriam se tornar uma disciplina obrigatória na educação básica, assim como é história, disciplina que estuda o passado. Talvez assim nossos futuros pudessem ser mais escolha estratégica e menos obra do acaso.

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A contribuição do Design Thinking
por Paulo Emediato

Estudos sobre tendências podem revelar “territórios” a explorar, mas não devem ser lidos como verdades absolutas. É preciso uma abordagem que nos ajude a criar futuros possíveis. E aí entra em cena o design thinking (DT).

Mas não a modalidade de vitrine, desgastada pela superficialidade e pelo imediatismo com que é colocado em prática em boa parte das empresas, quase como um entretenimento corporativo de post-its e canvas. Falo da essência da estratégia centrada no ser humano.

Quem quer vislumbrar e criar o futuro pode aproveitar cinco aspectos do design thinking:

Ele ajuda a criar e explorar escolhas. Há vários futuros possíveis escondidos nas tendências, não só um. Então, quanto mais diversas as escolhas criadas pelo DT, maior a chance de nos inserirmos em um.

-A empatia (e não o jargão “empatia”) é central no DT; nos permite cocriar oportunidades de futuro com as pessoas ao ouvi-las atentamente. Não à toa, quando levo executivos para uma jornada de empatia com os clientes deles, 100% dos casos têm momentos transformadores. É como se o dia a dia corporativo reduzisse a capacidade de captar os sinais de futuro vindos dos clientes, justo os stakeholders mais valiosos. Não digo que lá estão todas as respostas, mas lá estão muitos insights.

-O DT faz as organizações se orientarem mais por seus clientes que pelos acionistas, e essa simples reorientação as leva a trabalhar com ciclos de longo prazo – levando-as ao futuro.

-O quarto ponto tem a ver com a colaboração promovida em processos de DT. Quase todas as organizações vivem disputas entre feudos de poder e interesses conflitantes entre pares. Só que é preciso um grupo diverso para gerar ideias mais criativas – e futuros mais interessantes. Pois as dinâmicas colaborativas do DT ajudam a quebrar silos e campos de especialidade, e promover uma perspectiva mais sistêmica de interação entre colaboradores que é muito importante para a criação de futuros.

-A experimentação própria do DT é outro elemento indispensável para qualquer trabalho sobre o futuro. Justamente por lidarmos com o desconhecido, precisamos ter hipóteses sobre o que vamos enfrentar, experimentá-las sem preconceitos, aprender com elas e assim nos capacitarmos a trilhar novos caminhos. O futuro é imprevisível, mas, com menos certezas absolutas e mais experimentos, ele nos encontrará bem mais preparados.

O design thinking não é uma “bala de prata” para prever o amanhã, é claro. Mas nos habitua a cocriar estratégias para futuros possíveis. E isso o torna uma ótima ferramenta desde já.

PAULO EMEDIATO é managing partner na Design Thinkers Group Brasil, onde trabalha com empresas como Facebook, Uber, ArcelorMittal e Itambé, entre outras.



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