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Michio Kaku e a quarta onda da riqueza

Um dos mais importantes nomes da física no século 21, o cientista nipo-americano enxerga uma revolução que nos levará ao capitalismo perfeito. Ele é otimista quanto a esse futuro, mas avisa: haverá vencedores e perdedores, entre as empresas e entre os países

02 de Agosto

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Artigo Michio Kaku e a quarta onda da riqueza

Até agora, a receita para se tornar um bilionário foi mais ou menos simples – embora não de fácil execução. Se em determinado mercado você identificasse uma ineficiência entre oferta e procura, bastava definir o preço que lhe conviesse e ganhar rios de dinheiro. 

Na quarta onda da geração de riqueza, pós-silício, essa lógica passa por uma revolução. Fornecedores, distribuidores e consumidores têm acesso às mesmas informações, pois o mundo é dominado por dados e analytics. Os computadores custam centavos e estão ao alcance de todos. Se alguém pratica preço desleal, sempre há um rival para substituí-lo. 

Estamos rumando para o capitalismo perfeito, proporcionado pela tecnologia que a tudo dá visibilidade, e é bem mais justo do que o modelo atual. Quem disse isso foi Michio Kaku, um dos físicos teóricos mais brilhantes da atualidade, na palestra de encerramento do SAS Global Forum, em Dallas, nos Estados Unidos, em maio último. Se você é pessimista em relação à humanidade, precisa assistir a uma palestra de Kaku. Você até pode tentar continuar pessimista, mas vai ter de se esforçar bastante para isso. 

O capitalismo perfeito é uma das razões pelas quais o professor Kaku, uma espécie de sucessor de Stephen Hawking, tem a expectativa de um mundo melhor. Mas não é a única. A segunda razão é que a teoria das cordas, o trabalho de sua vida, pode estar perto de ser comprovada experimentalmente, ampliando – e muito – os horizontes da nossa espécie. Isso porque, em 2034, a União Europeia lançará a antena espacial Lisa – a Antena Espacial de Interferômetro a Laser. Contendo três satélites que formam um triângulo, separados por milhões de quilômetros, ela vai tirar fotos do universo. “Nós esperamos que a Lisa seja sensível o bastante para detectar a presença de um cordão umbilical que conecta nosso universo infinito ao universo-pai, confirmando a teoria das cordas, segundo a qual há outros universos por aí”, contou Kaku. “Mesmo que a Lisa receba só a radiação pós-big bang, nós conseguiremos ligar os pontos, porque podemos pegar essa radiação e fazer algo como reproduzir o vídeo ao contrário para antes do big bang, demonstrando experimentalmente a existência de universos paralelos.” 

E ainda parece haver uma terceira razão para o otimismo de Kaku, que hoje tem 72 anos de idade. É o fato de que, a cada ano que passa, aumenta a probabilidade de ele assistir a tudo isso. Assim como há tubarões na Groenlândia que vivem mais de 400 anos, ele espera poder esticar seu tempo na Terra. Como explica Kaku, a computação quântica nos permitirá digitalizar nossos corpos, reduzindo-os a dados, e isso vai nos levar a retardar indefinidamente o envelhecimento. “‘Intel inside’ terá um sentido completamente novo”, ele brincou. Já sabemos que o envelhecimento ocorre nas mitocôndrias, “usinas de energia” que existem dentro de cada célula dos nossos corpos; basta agir sobre elas. 

O corpo digitalizado também nos possibilitará evitar as doenças, segundo o físico. “Hoje muita gente já tem câncer sem saber; só saberá quando tiver 10 bilhões de células cancerígenas no corpo e for tarde demais. Mas, com o ‘Intel inside’, será possível enxergar as enzimas ligadas ao câncer dez anos antes e agir contra a doença; assim, a palavra ‘tumor’ virtualmente desaparecerá das nossas vidas.” (E isso nem deve demorar tanto, segundo ele; ainda este ano, as biópsias líquidas para rastreio de câncer estarão disponíveis.) 

Após a palestra no SAS Global Forum, em que discorria sobre mais maravilhas viabilizadas pela tecnologia e pelos dados, como a telepatia sintética e as viagens interplanetárias, Kaku concedeu entrevista a um pequeno grupo de jornalistas, entre os quais estava HSM Management. Mostrou-se firmemente otimista na evolução da humanidade de maneira geral, mas, nas questões relativas ao Brasil, mostrou-se um pouco mais reticente – talvez porque os outros jornalistas viessem de países menos problemáticos, como Suíça, Áustria e Coreia do Sul. 

A seguir, destacamos os principais pontos de suas respostas. 

Geração de riqueza e capitalismo

“Eu perguntei a 400 cientistas do mundo: ‘De onde vem a riqueza?’, E eles responderam: ela é gerada pela ciência. Isso tem acontecido em ondas. A primeira onda foi a da máquina a vapor, em que os físicos criaram com base na termodinâmica nos anos 1800. Oitenta anos depois, os físicos trouxeram ao mundo a eletricidade. passaram-se mais 80 anos e surgiram os computadores – o transístor, o laser, o GPS, o programa espacial. A quarta onda, em formação, é a da ciência no nível molecular. Tecnologias como nanotecnologia, biotecnologia e inteligência artificial é que vão criar riqueza.”

“No futuro imediato, a quarta onda se traduzirá por três formas de inteligência artificial: robótica, reconhecimento de padrões e deep learning. No futuro mais distante, pelos novos computadores, que serão a molécula, o quantum, a proteína, o DNA.” 

“Temos um capitalismo cada vez melhor, e sou otimista quanto ao futuro. Acho que estamos rumando para um capitalismo perfeito. Ainda teremos a estupidez humana, a ganância e a desigualdade, mas, no que diz respeito à oferta e à procura, as coisas vão se aperfeiçoar.” 

“Pense em todos os gadgets que nós já temos hoje. O que eles fazem? Permitem que a gente tenha uma noção melhor do verdadeiro valor das coisas, que saiba quanto lucro alguém tem conosco e quem nos engana. Em breve, olharemos um objeto e nossas lentes de contato conectadas à internet nos contarão o que quisermos saber sobre esse objeto e sobre seus concorrentes. Não precisaremos mais adivinhar nada. Isso forçará os produtores a se tornar melhores em produzir produtos; e eles também vão entender melhor quem somos nós, seus consumidores, por causa do analytics.”

“Sabe por que Jeff Bezos é o homem mais rico do mundo? Porque ele já fez isso de certo modo ao digitalizar os intermediários.”

Vencedores, perdedores e o Brasil

“É possível saber que países serão vencedores e perdedores nessa quarta onda de geração de riqueza. Perderão as nações que mantêm capital de commodity, como alimentos. O preço dos alimentos vem caindo há quase 200 anos, e essas nações que só enfatizam agricultura e pecuária, e não computadores e alta tecnologia, serão pobres no futuro. E você sabe quem elas são.” 

“Quando eu era criança, lembro-me do que disse quando aprendi que Cristóvão Colombo navegou em busca de especiarias: ‘Que burrice! Por que arriscar a vida por pimenta e orégano quando se pode ir ao supermercado?’. Hoje eu entendo: ele fez isso porque, em 1492, não havia freezer, e as especiarias disfarçavam o gosto da carne estragada. Mas nós avançamos muito, quase todos tomam um café da manhã melhor que o do rei da Inglaterra cem anos atrás. Então, nações especializadas em capital de commodity serão pobres no futuro.”

“Os países vencedores, que serão ricos, são os que entenderem a conexão entre capital de commodity e capital intelectual. Os que investirem em educação, ciência e tecnologia. Pense na China, por exemplo. A China seleciona as pessoas mais inteligentes do ramo da física e as envia para estudar em lugares como os Estados Unidos; tenho vários alunos que vieram estudar comigo bancados pelo governo chinês.” 

“Sou mais otimista em relação ao futuro de nações como a China, que entendeu não ser possível depender de produtos baratos para sempre e que está fazendo a transição para o capital intelectual. Mas nem tudo está perdido para países onde isso não tem acontecido, ao menos se eles forem democracias. As pessoas podem tirar os governos omissos do poder.”

“{Juntar agricultura com tecnologia} é um ótimo começo. Funciona se for um jeito de mudar a cultura para que patrocinemos inovação, criatividade e novas indústrias. É assim que novos empregos serão gerados.” 

Perigo, perigo!

“Mark Zuckerberg afirma que as máquinas são boas para a economia, geram empregos e prosperidade. Elon Musk diz: ‘Espera aí, estamos falando de nossos sucessores existenciais. Eles vão nos substituir, portanto são potencialmente perigosos’. Eu acho que os dois estão certos a sua maneira.” 

“Neste século, Zuckerberg está certo; robôs vão gerar empregos, e não vão dominar tudo porque são estúpidos. O robô mais esperto do mundo hoje se chama Asimo. Ele foi construído no Japão pela Honda e dança até melhor do que eu. Eu entrevistei o inventor do Asimo pela BBC e perguntei: ‘Quão esperto é o robô mais esperto do mundo?’, e ele respondeu: ‘Asimo é tão esperto quanto uma barata estúpida’. Ele tem de ser guiado por pessoas; ele não consegue conversar com você. Daqui a pouco, acho que um robô será tão esperto quanto um rato – apto a andar por labirintos –, quanto um coelho, quanto um cachorro... e, no final do século, tão esperto quanto um macaco. Aí, sim, ele pode ser perigoso, como teme Elon Musk.”

“Hoje os robôs não sabem que são robôs e que nós somos humanos. Cachorros também não sabem: eles são confusos, pensam que nós somos cachorros também, e que a diferença entre nós e eles é só a diferença entre líderes e seguidores das matilhas. Já os macacos são perigosos porque sabem que não são humanos; eles são autoconscientes. Quando os robôs se tornarem inteligentes como os macacos, no final do século 21, eles ficarão perigosos. Nesse ponto, devemos colocar um chip para desligá-los se tiverem pensamentos assassinos.”

“E se no século 22 os robôs conseguirem remover esse chip? Bem, nessa hora, acho que deveremos nos fundir com eles. Devemos nos tornar super-humanos – superbonitos, superfortes, ou o que for necessário para sobreviver em Marte ou Júpiter.” 

“Há perigos tecnológicos imediatos, é claro. Um deles, comentado por meu finado amigo Stephen Hawking, é o das máquinas mortíferas automatizadas – drones que conseguem identificar a forma humana e até uma pessoa específica, com a tecnologia de reconhecimento facial, e atacá-la. Mas, por enquanto, precisa haver um ser humano autorizando essa matança. O perigo maior do soldado automatizado acontecerá daqui a cem anos. Não precisamos nos preocupar com isso agora.”

“Acredito que nós sempre teremos guerras, porque guerra é um conflito político. Mas as democracias entram em guerra de maneira muito mais hesitante do que outros regimes políticos, porque nelas é preciso votar; todo mundo tem de estar a bordo. É muito difícil uma democracia entrar em guerra. Eu acredito que a internet, e a alta tecnologia de maneira geral, liberam e empoderam as pessoas para que as democracias possam aflorar e reduzir os conflitos potenciais que levam a guerras.”

“Discordo da maioria dos cientistas quando estes dizem que a tecnologia é uma faca de dois gumes, em que um lado combate doenças e pobreza, e o outro ataca a mim e a você. Eu acho que a tecnologia tem, sim, uma direção moral. A internet energiza as pessoas para que se defendam das ditaduras, por exemplo. Sempre teremos guerras, mas elas serão menos intensas e menos frequentes à medida que a democracia se espalhar pelo mundo – e a internet é que vai ajudar nessa disseminação.”

Robôs e seres humanos

“Há três áreas em que a inteligência artificial é deficiente. E essas três serão fontes de trabalho para as pessoas. A primeira delas envolve tudo o que precisa de interação humana. Advogados robôs não podem existir, porque advogados precisam argumentar perante um júri e um juiz. Professores idem, até porque eles não vão mais simplesmente ensinar; vão se tornar mentores de seus alunos, ajudando-os a escolher carreiras etc. Não são terapeutas robôs que vão tratar os problemas pessoais tampouco. O varejo precisará ter gente de carne e osso para atender clientes que queiram informações personalizadas. Aliás, uma grande fonte de empregos estará na área de informações personalizadas também.” 

“A segunda área de oportunidades é dos trabalhos manuais menos padronizáveis, como limpar um espaço, fazer sua manutenção ou construir um prédio – robôs não conseguem fazer nada disso. Se seu banheiro quebrar, nenhum robô no mundo conseguirá consertá-lo. A Darpa, agência do governo norte-americano que deu origem à internet, ao veículo autônomo, ao GPS e à própria Nasa, impôs-se o desafio de criar robôs para atuar em tarefas de limpeza do dia a dia em Fukushima depois do vazamento da usina nuclear. Surpresa: quase todos os robôs falharam.” 

“A terceira área é a do capital intelectual, que exige indivíduos criativos, inovadores, que façam análises, que tenham pensamento estratégico e liderem. Muitos trabalhos não podem ser feitos por computadores, porque computadores são meras máquinas de adição – e nós nos esquecemos disso. Computadores apenas adicionam mil vezes mais rápido do que o cérebro humano.” 

“Alguns podem argumentar que, no Japão, existem hotéis e restaurantes automatizados. No hotel, a recepcionista é um robô, quem carrega a mala é um robô; no restaurante, máquinas fazem noodles em menos de 90 segundos. Mas note que isso está acontecendo na base da pirâmide, não nos hotéis e restaurantes de classe A. E mesmo nesses locais ainda é preciso ter um ser humano para lidar com emergências.” 

“Começamos a projetar robôs com emoções. No MIT {Massachusetts Institute of Technology}, os pesquisadores já estão quantificando as emoções; como o rosto humano é bem expressivo, é perfeitamente possível traduzi-las em números. Você pode criar animações com todas as emoções conhecidas possíveis, ensinar o robô e assim até vai parecer que o robô compreende as emoções humanas. Mas não é verdade. O robô será basicamente um fantoche. Robôs podem contar piadas melhor do que um ser humano, mas não podem criar uma nova piada. Precisaremos de robôs com emoções em casas de repouso.” 

“No princípio, os robôs podem trazer muitos benefícios para a sociedade, fazendo trabalhos sujos, perigosos {e tediosos} em nosso lugar. Depois, um dia, vamos querer que eles se conectem conosco intelectualmente – daqui a cem anos talvez. Por fim, os robôs terão de sentir dor para impedirmos que pulem de um prédio; aí entraremos no terreno das emoções e criaremos os direitos humanos para robôs.”

“Eu quero enfatizar: a indústria da robótica será enorme, maior do que é a indústria automobilística hoje, e criará muitos empregos humanos. Nós teremos de montar robôs, consertá-los, limpá-los... Nem todo mundo precisa escrever códigos.”

Desigualdade e os inúteis

“{O historiador Yuval Harari} é o sujeito que fala sobre a ‘classe dos inúteis’? Não acho que haverá pessoas inúteis, e lembro para isso todos os trabalhos manuais que precisarão ser feitos, além de toda a indústria de robótica capaz de empregar muita gente.”

 “Creio que sempre teremos desigualdade, porque as pessoas têm habilidades diferentes, mas podemos limitar a desigualdade com educação. Por exemplo, nos Estados Unidos, temos um sistema educacional muito antigo feito para 1950; se conseguirmos atualizá-lo, enfrentando a burocracia educacional, vamos limitar a desigualdade. Também podemos limitar a desigualdade encorajando empreendedores. Isso significa ter impostos e regulações menores. Vários países já estão fazendo isso, inclusive a Rússia, a Arábia Saudita...”

“A educação será facilitada de inúmeras maneiras pelas tecnologias. Dou como exemplo as telas flexíveis. Poderemos estudar e aprender o tempo todo, pela internet em nossas lentes de contato, pela internet no papel de parede das nossas casas. Já sabemos que nosso cérebro funciona como um algoritmo de machine learning, que aprende, pensa e age com base em padrões, e faremos o melhor disso.” 

Os maiores problemas mundiais

“Temos problemas naturais, porque a mãe natureza destrói suas criações. A extinção é a norma – 99,9% de todas as minhocas do mundo foram extintas. E ainda há os problemas que a humanidade se autoinflige, como o aquecimento global, os biogermes e a proliferação nuclear.” 

“O que nós temos a fazer é conter nossos impulsos nos problemas autoinfligidos, e eu acho que o jeito de fazer isso é o da democracia, que conta com a internet para disseminar informação e fazer as pessoas assumirem responsabilidade sobre o próprio destino.” 

O otimismo das décadas

“Sabe por que continuo relativamente otimista apesar dos problemas? Porque acredito que a menor unidade da História é a década. Qualquer coisa menor do que dez anos dá flutuações aleatórias. E quando analisamos década por década, vemos o enorme progresso que tivemos. Para nossos avós, a vida era curta e muito mais cruel.”

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