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Lições para o Nudging corporativo

Especialistas sugerem como as empresas podem utilizar a arquitetura de escolha em seu negócio; o ponto de partida é responder a seis perguntas

Anna Güntner, Konstantin Lucks e Julia Sperling-Magro

18 de Abril

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Artigo Lições para o Nudging corporativo

Nudging, ou arquitetura da escolha, é como chamamos vários métodos que visam influenciar as ações das pessoas, de maneira positiva e ética, por meio do conhecimento científico. Na definição de Pelle Hansen, “nudge” é “qualquer tentativa de influenciar o julgamento, a escolha ou o comportamento das pessoas de uma maneira previsível, que (1) é possibilitada em virtude de limites cognitivos, vieses, rotinas e hábitos na tomada de decisão individual ou social, que impõem barreiras para que as pessoas ajam racionalmente em seu próprio interesse; e que (2) funciona valendo-se desses limites, vieses, rotinas e hábitos”.

O conceito e a expressão foram apresentados no livro Nudge: o empurrão para a escolha certa, dos economistas Richard Thaler e Cass Sunstein. Em outro livro, Misbehaving: The Making of Behavioural Economics, Thaler afirma que a releitura de O design do dia a dia, de Donald Norman, foi sua inspiração para unir os princípios do design thinking com os insights das ciências comportamentais para apoiar a elaboração de políticas públicas que aprimorassem as decisões dos cidadãos no que tange a saúde e poupança.

Talvez tenha chegado a hora de você pensar seriamente em montar uma equipe dedicada à ciência comportamental em sua empresa – ou um “departamento de nudge”, como vamos nos referir a tal equipe neste texto.

Interferir de maneira sutil para ajudar as pessoas a tomar melhores decisões não é novidade. Desde a década de 1950, cientistas comportamentais usam uma combinação de psicologia e economia para estudar a irracionalidade humana e conceber maneiras de influenciar as escolhas dos consumidores e o comportamento dos colaboradores. Nas últimas duas décadas, as empresas vêm, cada vez mais, lançando mão de insights da ciência comportamental para diminuir a influência de vieses nos conselhos, melhorar a tomada de decisões estratégicas, proporcionar benefícios aos clientes, aumentar a eficácia das campanhas de marketing e evitar apostas ruins em aquisições ou investimentos.

A publicação do livro Nudge: O empurrão para a escolha certa (ed. Elsevier), de Richard Thaler, vencedor do Prêmio Nobel, em coautoria com Cass Sunstein, há cerca de dez anos, aumentou o interesse pelo tema no setor público. O governo do Reino Unido criou, com a ajuda de Thaler, o Behaviour Insights Team, ou departamento de nudges, como ficou mais conhecido, e ganhou notoriedade ao usar a ciência comportamental para incentivar os cidadãos a pagar seus impostos em dia e votar, assim como para lidar com questões de saúde pública. 

Os governos de Austrália, Dinamarca e Singapura também são entusiastas do nudge para políticas públicas específicas.

Nessa última década, o termo “nudge” pegou no mundo corporativo e, juntamente com o aprimoramento das técnicas de influência e análise de dados, disseminou o uso da ciência comportamental no meio empresarial. Ao ganhar espaço no setor privado, o nudge passou a ser usado em processos de mudança para aumentar a produtividade no chão de fábrica, melhorar o design de produtos, aumentar vendas e melhorar a tomada de decisão, estabelecendo relações ganha-ganha com resultados positivos para empresa, colaboradores e clientes. Uma empresa de seguros, por exemplo, teve grande êxito ao usar o nudge para promover as vantagens de usar as oficinas de redes parceiras. Outra, incentivou seus clientes a praticar exercícios e adotar hábitos saudáveis, reduzindo os pedidos de indenização. E uma empresa de serviços públicos alemã usou ações similares para minimizar as decisões irracionais entre seus funcionários.

COMO ESTRUTURAR

Para compreender melhor o que é necessário para que um departamento de nudge dê certo, conversamos com 14 especialistas que lideraram ou lideram iniciativas desse tipo em diferentes setores, que vão de serviços financeiros e assistência médica a publicidade e varejo. A maioria prefere usar ciência comportamental a “nudge”, porque abrange a minimização de vieses entre outras iniciativas para promover mudança comportamental, incluindo educação, conscientização e incentivos.

Dito isso, é importante ressaltar que os departamentos de nudge e ciência comportamental, com sua abordagem científica – definindo as intervenções a partir de dados e experiências –, devem ser diferenciados do pacote ad hoc de iniciativas de comunicação, marketing, RH e treinamento usadas com frequência no passado para promover mudanças comportamentais de colaboradores e clientes.

A seguir apresentamos algumas das conclusões de nossas conversas com os 14 especialistas sobre decisões estratégicas, estrutura organizacional, formação de equipes, mensuração de resultados e questões éticas, juntamente com as melhores práticas que aprendemos trabalhando com empresas. 

Nossa experiência e a dos nossos entrevistados indicam claramente que não existe uma abordagem única para a criação de departamentos de nudge eficazes. Mas há desafios e trade-offs comuns, que a maioria das organizações enfrentará – daí essas seis perguntas que todos os líderes que queiram implementar ou avaliar o desempenho de um departamento do nudge devem se perguntar.

1) Qual deve ser o foco do departamento de nudge?

Um primeiro passo é definir a proposição de valor de um departamento de nudge: será focada nos colaboradores (endereçando questões como motivação, melhoria da tomada de decisões pelo conselho, incentivo à alimentação e hábitos de vida mais saudáveis), centrada nos clientes (abordando aspectos como o incentivo ao planejamento da aposentadoria ou a inserção de ciência comportamental nas ações de marketing), ou uma combinação dos dois? 

A maioria dos entrevistados tem como foco o comportamento do cliente, mas alguns mencionaram iniciativas para “ampliar as capacitações dos colaboradores” e “avaliar o engajamento e o desempenho deles”. Para melhorar a experiência de clientes e colaboradores, as equipes devem realizar ações em áreas tão diversas quanto atendimento ao consumidor, sistemas digitais e processos de RH. As equipes dedicadas ao comportamento do consumidor devem trabalhar também com os colaboradores – treinando e garantindo seu engajamento para colocar em prática os estímulos propostos.

Alguns dos departamentos do nudge que conhecemos atuam pontualmente respondendo a diferentes demandas da empresa. A maioria dos especialistas, no entanto, enfatizou que integrar a ciência comportamental à estratégia de longo prazo se traduz em melhores resultados. “A melhor maneira para desenvolver projetos é usar sólidos fundamentos comportamentais desde sua criação”, explicou um deles. “É por isso que nos envolvemos desde o início dos projetos, ajudando as equipes a definir a estratégia e, então, planejando as ações e as testando para decidir como chegar aos resultados comportamentais desejados.”

2) Onde alocar o departamento de nudge?

O objetivo estratégico do departamento de nudge numa empresa provavelmente determinará sua posição na estrutura da organização. Algumas empresas têm pequenas unidades segmentadas em áreas como P&D ou marketing, ou juntam as equipes de ciência comportamental e análise de dados para aproveitar as sinergias entre elas. Outros buscam benefícios mais amplos criando um hub global com atuação multifuncional, muitas vezes subordinado diretamente à liderança.

Onde alocar o departamento é um ponto importante. O líder de um deles contou que sua equipe obteve melhores resultados ao sair da área corporativa para ficar mais próxima dos produtos e serviços. “Isso nos aproximou dos clientes, aumentando a criação de valor de forma tangível”, afirmou. 

Independentemente de onde a equipe estiver localizada, os profissionais com quem conversamos concordaram que flexibilidade e integração com outras iniciativas de mudança comportamental são fundamentais: os cientistas comportamentais se beneficiam com insights de campos como neurociência cognitiva, psicologia social, perfis de audiência e de segmentação usando ciência de personalidade-traço, cognição cultural e estilos cognitivos. 

3) Como montar o departamento de nudge?

Contratar as pessoas certas, seja dentro ou fora da organização, é crítico para o sucesso. A maior parte dos entrevistados fez as duas coisas, mas muitos demonstraram preferência por profissionais de fora, pelo menos no início, quando ainda não havia pessoas com as habilidades básicas necessárias.

A maioria dos especialistas trabalha em departamentos com equipes entre três e oito membros. Uma delas tem apenas uma pessoa, “muito demandada por designers e gerentes de produtos de várias equipes independentes”. Grandes empresas têm equipes com até 50 profissionais, muitas vezes espalhados em diferentes locais. O único líder que declarou ter recrutado exclusivamente internamente, o fez porque o “conhecimento institucional” era crítico em sua organização, e a curva de aprendizado para adquiri-lo era extremamente longa.

Sob qualquer conjunto de circunstâncias, encontrar o talento certo leva tempo. “Nossos primeiros recrutados vieram de cinco diferentes continentes e levamos mais de um ano para identificá-los, recrutá-los e transferi-los”, disse um entrevistado. Muitas empresas dizem que as melhores equipes misturam cientistas comportamentais com especialistas em outras áreas, como psicologia, marketing e análise de dados. 

Em geral, há preferência por PhDs, mas pessoas com experiência prática em experimentação e formação acadêmica podem ser muito úteis em determinadas funções, mesmo sem formação mais avançada. Habilidades pessoais, como curiosidade, disposição para aceitar desafios, talento para resolver problemas, disposição para desenvolver soluções e habilidade para se comunicar com as partes interessadas nos diferentes níveis da organização são tão úteis nos departamentos do nudge quanto na maioria dos contextos corporativos. 

Vários entrevistados também destacaram a importância da relação com a academia, especialmente no início, quando menções em publicações acadêmicas ajudam a conferir credibilidade às iniciativas corporativas dentro e fora da organização.

4) O que fazer para que o departamento tenha êxito?

O envolvimento multifuncional é fundamental para qualquer iniciativa de ciência comportamental. “Em minha experiência na realização de work­shops de treinamento para grandes empresas, quanto mais profissionais com diferentes funções participarem, melhor”, observou um entrevistado. “O principal objetivo é criar uma linguagem comum entre os colaboradores. Fazemos isso a cada kick-off de projeto. Os cientistas e pesquisadores de dados são especialmente importantes, pois contribuem com os esforços iniciais de diagnóstico comportamental para identificar insights sobre o comportamento do cliente.”

Equívocos sobre o potencial das iniciativas comportamentais, somados ao apoio irregular na liderança e à pressão por resultados rápidos, podem tornar difícil o trabalho de uma nova equipe nessa área. Por isso, é importante articular claramente uma proposta de visão e de valor e transmiti-la amplamente na organização antes de iniciar projetos, mesmo que estes envolvam ações fáceis e imediatas. 

Uma equipe com que falamos reconheceu ter se precipitado na aplicação de ciência comportamental na organização, fazendo isso antes de definir as expectativas. O resultado? Um gargalo na aprovação e na entrega dos projetos. “Subestimamos o desafio de  implementar inovações numa grande organização, mesmo sendo tudo aparentemente simples”, contou outro líder. “Inicialmente buscamos inovações bastante ambiciosas e depois tivemos de abandoná-las”, disse um terceiro gestor.

A familiaridade com a prática da experimentação é essencial em qualquer iniciativa de ciência comportamental. A abordagem tem origem acadêmica, afinal de contas, e requer testes rigorosos por meio de ensaios randomizados controlados, conforme mencionado por um dos entrevistados – especialmente, em áreas complexas como finanças, nas quais intervenções comportamentais podem produzir efeitos inesperados. 

Na prática, não é possível testar completamente cada “nudge”, mas os profissionais sugerem uma série de ações pragmáticas:

  • Optar por intervenções simples e diretas (ações que possam ser implementadas imediatamente, com resultados comparáveis com bases históricas de dados).
  • Fazer intervenções-piloto usando amostras limitadas antes do teste propriamente dito.
  • Adotar experimentos lean, rápidos, para decisões simples do tipo continuar ou parar.

5) Como mensurar os resultados?

Se não puderem mostrar evidências do impacto que causam, os departamentos do nudge não terão suporte da liderança, nem conquistarão a confiança das demais áreas. Isso significa traduzir claramente as mudanças comportamentais, por meio do monitoramento de dados, em valor mensurável, como aumento da poupança para aposentadoria dos funcionários.

Enfatizar o benefício financeiro, no entanto, não é a única maneira de formular e comunicar resultados. Também é possível inspirar as pessoas a apoiar as iniciativas relacionadas à ciência comportamental por meio da divulgação de resultados específicos (como “aumento de 10% na retenção de estudantes em risco de abandonar a universidade”) ou de um caso impressionante. Após adotar iniciativas comportamentais para aumentar a confiança, uma companhia de seguros passou a receber dinheiro de volta de clientes que julgavam ter recebido indenização maior do que deveriam. 

A maioria dos especialistas reconhece que demanda tempo para demonstrar o impacto causado, que os céticos dentro da empresa podem fazer com que esse prazo seja ainda maior e que é difícil mensurar alguns resultados. “O uso de analy­tics é essencial para nosso trabalho”, diz o líder de um departamento de nudge entrevistado. “Nossa equipe de análise de dados é envolvida muito antes do início de um projeto, atuando como uma unidade de reconhecimento para obter insights sobre determinados comportamentos com antecedência e depois verificando se nossas intervenções foram bem-sucedidas”, explica ele.

6) Os desafios Éticos estão sendo enfrentados?

Há pessoas nas empresas que temem o nudge como uma prática paternalista ou, pior, manipuladora. É muito importante que o departamento de nudge lide com isso de maneira responsável. Recentemente, algumas empresas foram acusadas de tirar proveito de erros humanos previsíveis, em alguns casos de maneira disfarçada. Um entrevistado disse ter visto casos de uso de ciência comportamental em campanhas de vendas típicas, sem a preocupação autêntica de ajudar a resolver as necessidades dos clientes.

Observamos que alguns departamentos de nudge pensam em criar códigos de ética, por exemplo. Porém, mais importante talvez seja conquistar o apoio das pessoas e das demais áreas da empresa para o nudge. “Se eu tivesse de fazer tudo de novo”, disse um entrevistado, “eu teria dedicado mais tempo às lideranças, aos demais colaboradores e a stakeholders externos”. Como ele faria isso? “Eu teria selecionado um número pequeno de projetos de grande visibilidade e de fácil gestão e os teria realizado com tempo e recursos suficientes para demonstrar a capacidade e o valor da equipe.”

DISCRIÇÃO

Um número crescente de empresas vem utilizando a arquitetura de escolha no mundo, porém elas têm sido mais tímidas do que o setor público em divulgar os benefícios que obtêm. Talvez estejam preocupadas com potenciais percepções negativas [que remetem à ideia de que as pessoas são manipuladas para fazer o que não querem fazer].  Nos poucos casos em que um trabalho de nudging corporativo é divulgado, ele tem gerado repercussão positiva em termos de inovação. Recentemente, por exemplo, um banco com atuação global obteve boa cobertura da imprensa para um app que incentiva bons hábitos financeiros.

É preciso saber que a criação de um departamento de nudge eficaz requer muito mais do que contratar estatísticos. Cabe à alta gestão criar as condições para o sucesso, ajudando-o a definir o foco de atuação, a situar-se na estrutura da empresa, a celebrar impactos e a manter elevados padrões éticos. Isso feito, as chances reais de mudanças na empresa aumentarão. 

© McKinsey Quarterly

Editado com autorização. Todos os direitos reservados. (www.mckinsey.com/quarterly)

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Autoria

Anna Güntner, Konstantin Lucks e Julia Sperling-Magro

Anna Güntner é consultora da McKinsey no escritório de Berlim; Konstantin Lucks é consultora em Munique e Julia Sperling--Magro é sócia em Frankfurt, todos sediados na Alemanha. Os autores agradecem as contribuições de Dan Ariely, Kristen Berman, Charlotte Blank, Daniel Egan, Stephen Grant, Christopher Graves, Ross Haig, Juliet Hodges, Jason Hreha, Zarak Khan, William Mailer, Francesca Tamma, Piyush Tantia e Steve Wendel.

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