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Empresas adoecem. Comunicação cura

Verdade seja dita: empresas já viviam em ambientes contaminados e tóxicos muito antes da chegada do coronavírus.

Vânia Bueno

09 de Junho

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Artigo Empresas adoecem. Comunicação cura

Há farta evidência de que líderes pouco empáticos, falta de confiança, distanciamento em silo e competição exacerbada, são ‘viroses relacionais’ que comprometem a ‘saúde’ das organizações.  

É comum que problemas de comunicação apareçam como enfermidade crônica, com conflitos e incivilidades que passam a fazer parte da cultura e da rotina.

Neste quadro já conhecido, o coronavírus surge como um sério agravante: a acomodação, ainda que desconfortável, dos relacionamentos cotidianos, foi atropelada por dinâmicas extremas e inesperadas impostas pelo estado de calamidade. 

Mudanças na rotina, no espaço físico, na estrutura, nas relações e nos processos são uma dose cavalar de incerteza, medo e estresse. Sob pressão, somos ainda mais impulsivos e desatentos à forma como agimos e reagimos. 

Transparência digital como suporte na comunicação

Na ‘rede peão’ informações também viralizam e podem criar ou aprofundar sérias barreiras e conflitos. A transparência digital revela pressupostos, julgamentos e preconceitos, inconscientes ou dissimulados, podendo transformar pequenos desentendimentos em grandes crises, o que compromete a tomada de decisão, a produtividade e os resultados. 

É preciso considerar e assumir que misturar, sem aviso prévio, vida pessoal e profissional, pode ser uma intervenção de altíssimo impacto e risco, que muitos estão vivendo e nem sempre dando conta. 

Noções de espaço, privacidade, autonomia, tarefas e até de identidade estão sendo sacudidas.  Soube de jovens, vivendo a experiência do primeiro emprego, que voltaram a dormir com os pais. Casais estão à margem da separação. 

Amigos temendo obesidade ou alcoolismo. Outros, em contrapartida, revitalizaram o convívio com a família, estão mais saudáveis e felizes em seus cantos. 

Alguns chegam a sentir culpa, tamanho é o bem-estar que estão experimentando. Isso tudo revela que quando incluímos a dimensão emocional, fica mais fácil perceber o verdadeiro sentido de diversidade: para além do gênero, idade, etnia ou classe social, cada um é um. 

Vivemos, individual e coletivamente, novas formas de ser, pensar e estar, em condições e necessidades peculiares para sobreviver, interagir e produzir. Imersos em instabilidade, a comunicação é a única forma de compartilhar nossas singularidades. 

O alerta é para o fato de que essa habilidade humana pode ser usada tanto para confundir, oprimir e manipular, quanto para alimentar empatia, aprender, colaborar e evoluir. Com comunicação tecemos acordos ou alimentamos discórdias.

Comunicação nutre ou intoxica. Sempre.

Se comunicação é sinônimo de comportamento, então é impossível não se comunicar. Quer queira, quer não, cada um se comunica o tempo todo. Sabe aquele silêncio que fala mais que o discurso? A ausência que grita? Palavras, gestos, preferências, tudo comunica. 

A comunicação está em toda parte

Repare o quanto um olhar pode acabar com o seu dia. E como um abraço ou um elogio podem se tornar inesquecíveis. Aquele jeito que inspira confiança. 

A simpatia que abre portas.  A violência que domina e desqualifica. Todas essas percepções fluem na comunicação. Ação e significado. 

É na escolha, consciente ou não, de cada palavra e gesto – dado ou recebido - que tecemos a narrativa da convivência. Com mais ou menos conflitos. 

Boa parte de nós passa a maior parte do tempo envolvido com o trabalho, um espaço que compartilhamos com gente mais ou menos conhecida, vindas de diferentes contextos, portando influências particulares. Na rede global, outras línguas, valores e hábitos. 

Formas de ver o mundo mais ou menos inclusivas. Na conturbação, o impacto da comunicação e se torna ainda mais evidente, para o bem e para mal. 

A conexão virtual diminui drasticamente a possibilidade de leitura e compreensão da linguagem não verbal, dos gestos, do olhar e da intenção. 

Limitados a palavras distantes, e muita vezes apressadas, ficamos à mercê de mal-entendidos, conflitos e confusões que podem tornar mais complicada a convivência que já é complexa. 

Por isso cuidar da qualidade da comunicação agora é mais estratégico e essencial do que nunca. 

Em meio à tempestade escura uma luz que indique o caminho. Líderes têm esse papel essencial e precisam praticar formas de comunicação que gerem confiança e ofereçam suporte para que grandes adaptações aconteçam com rapidez e eficiência. 

Cabe à cada um da equipe, no entanto, estar mais atento, aberto e compassivo nesse processo para que haja compreensão mútua. Isso vale também para as interações entre as empresas e todos os seus públicos. Relacionamentos são sempre processos de corresponsabilidade.

Dieta de comunicação já!

Relações tóxicas, geralmente, são consequência de fluxos de comunicação contaminados. Isso vale para a vida pessoal e profissional. 

Aplicando a analogia da hora: assim como hoje precisamos ter cuidado dobrado com os alimentos que recebemos e compartilhamos, escolhendo fornecedores, limpando embalagens e desinfetando produtos antes de estoca-los ou consumi-los – também é possível fazer uma dieta de comunicação, avaliando com cuidado o cardápio que consumimos e o aqueles que oferecemos. Algumas reflexões como contribuição:

  1. Cheque a sua ‘despensa’: Tudo começa com a conversa consigo mesmo.

Você tem conversado com você? Reserva algum tempo para se perguntar com está se sentindo, o que precisa e com o que pode contribuir? Como anda a saúde das suas relações? O que pode fazer para melhorar os relacionamentos que importam? Questionar-se é a essência do autoconhecimento. Buscar aprendizado e novas práticas são o caminho para nos libertarmos de padrões de comportamento que não nos servem mais. A pandemia pode ser uma excelente razão para assumir sua mais nova versão. Deixar o que não serve, abrir espaço para o novo. Conflitos internos são parte do processo de amadurecimento, mas quando não cuidados ou mal resolvidos, podem influenciar negativamente nossas interações. Quando minha conversa consigo mesmo é crítica e tóxica – não faço nada direito, estou gorda, não vou conseguir – o que terei para oferecer ao outro? Toxina. Quando reconheço meus talentos e virtudes e desejo, sinceramente, fazer melhor o que não deu certo, posso me sentir melhor e também ter mais compaixão por mim e pelo outro. A gente só dá aquilo que tem. 

  1. Aprimore seu abastecimento. Quais são os critérios que você utiliza para definir o que deve ou não abastecer seus pensamentos e sentimentos? A tecnologia da comunicação nos coloca no centro do mundo, como uma imensa ‘feira’ de informações. A oferta é enorme e os riscos também. Fake News, movimentos preconceituosos, separatistas e violentos, estão consolidando posições cada vez mais extremistas e nocivas.  Nem tudo o que se coloca prato, você precisa ingerir. É responsabilidade de cada um checar a procedência, a validade e a qualidade daquilo que define nossos pontos de vista. Hora de rever referências e assumir a responsabilidade de resgatar valores e, a partir deles, fazer assepsia de tudo o alimenta nossas crenças e atitudes. Importante lembrar que hoje temos um poder que não tínhamos antes – criar, editar e distribuir informações – mas que isso resulta também em responsabilidade.

  1. Contagiar ou contaminar: a escolha é sua.  Temos pouco controle sobre o que nos atinge, mas podemos escolher como agir e reagir a cada instante. Está consciente do que você está colocando no prato do outro? Em culturas tóxicas é comum que a contaminação seja rápida e eficaz.  É frequente que um grupo harmonioso e produtivo, perca essas qualidades com a presença de uma pessoa tóxica. A tendência inconsciente é reproduzir comportamentos indesejáveis que não sejam corrigidos. Aquela conhecida imagem da maça estragada que compromete a caixa toda. “Se ele não me escuta, não falo mais com ele.” ”Aqui ninguém confia em ninguém, nada acontece. Não adianta tentar.” Da mesma forma, a presença de pessoas positivas pode contagiar a convivência na direção inversa. Do bem-estar, da camaradagem e da compreensão mútua. Por isso é tão importante cuidar da qualidade de cada ação e reação. Ao receber uma mensagem de difícil digestão, que tal uma pausa para refletir? Respondo agora ou deixo para amanhã cedo? Será que esta é a melhor palavra para usar aqui? Preciso mesmo fazer esta observação ou copiar esta pessoa? Será que de fato ele teve a intenção de me ofender? Qual é a minha verdadeira motivação nesta resposta? Um ponto de partida importante é tentar separar fatos de pessoas e resistir a julgamentos superficiais e impetuosos. Troque o “você é” por “aquilo que você fez”.  O “ele sempre ou ela nunca” por “nós naquele dia”. Já faz diferença. Um pouquinho aqui, outro ali, a gente pode ir aparando arestas, desmontando armadilhas.  Estamos vivendo uma grande disrupção ao mesmo tempo. Cuidar da comunicação é uma forma de conspirar a favor. Faz sentido?

Não tome, por favor, este texto como mais um sermão com receitas infalíveis para todos os males. Ele tem a pretensão de uma tentativa. Um convite para ‘dar-se conta.’ Perceber que recebemos e geramos impacto o tempo todo. Mas, e se o outro não quiser ouvir ou compreender? Sempre ouço esta pergunta. Não temos poder sobre o outro e já é muito empenho cuidar de nós mesmos. Assuma e faça a sua parte. O exemplo continua sendo o melhor professor.

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Autoria

Vânia Bueno

Vânia Bueno é fundadora da VB Comunicação na Governança, professora convidada na ECA-USP, ESALQ-USP, EACH-USP, Albert Einstein, Aberje, IBGC e FDC, além de TEDx speaker.

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