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Gestão de pessoas

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Da arena esportiva à arena corporativa

Continuando nosso especial sobre o dia 20 de março como Dia Internacional da Felicidade, vamos falar sobre como o esporte pode nos ajudar no mundo corporativo

Colunista Cristina Pinciroli

Cristina Pinciroli

21 de Março

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Artigo Da arena esportiva à arena corporativa

Ontem tudo começou.

Eu sempre fui apaixonada pela alta performance. Desde cedo, com um pai olímpico, a nossa programação de final de semana e de férias gravitava ao redor de esporte. Essa era nossa linguagem comum para nos conectarmos, transmitirmos valores e aprendermos as habilidades socio-emocionais.

A rede de apoio, seja por meio de nossas famílias, técnicos ou mentores , desempenha um papel para acompanhar a jornada do jovem no esporte e, mais tarde, do profissional no ambiente de trabalho. Essa rede não apenas promove o desenvolvimento de habilidades, mas também cultiva um senso de pertencimento e camaradagem. O vínculo formado com sua rede de apoio serve como uma fonte de motivação, capacitando o atleta e executivo a superar desafios e buscar suas aspirações.

Essas vivências em família foram o que me inspiraram a me tornar uma atleta. Fui uma das pioneiras da modalidade feminina no Brasil de polo aquático e, ao lado de outras jovens mulheres apaixonadas e idealistas em seus sonhos, desbravamos o caminho para representar nosso país nos campeonatos internacionais. Nosso grande sonho se realizou quando a modalidade feminina do polo aquático foi aprovada para os jogos Olímpicos de Sidney, na Australia, em 2000. Isso aconteceu um século após o polo aquático masculino.

Por sua contribuição extraordinária à equidade de gêneros entre atletas, minha mãe, Olga Pinciroli, então diretora do polo aquático feminino brasileiro e uma das grandes defensoras dessa bandeira na FINA e órgãos internacionais do esporte, recebeu o prêmio Paragon Award do Swimming Hall of Fame nos EUA em 2014 (reconhecimento dado a pessoas que fazem uma contribuição extraordinária ao esporte mundial).

Em 1995, após ter jogado quatro anos profissionalmente na Itália e termos vencido a Copa dos Campões – feito inédito para um time italiano no campeonato interclubes na Europa -voltei ao Brasil.

Do Esporte ao Mundo Corporativo

Eu nunca imaginei que fosse me apaixonar por algo além do esporte, mas isso aconteceu no ambiente corporativo. Tive uma carreira de 23 anos no mercado financeiro e passei por diferentes departamentos, da gestão da qualidade dos processos de atendimento à área de recursos humanos.

Os aprendizados de meus anos como capitã da seleção brasileira eram agora aplicados em meu time. A motivação era criar um ambiente de trabalho em que os pontos fortes dos integrantes do time pudessem ser colocados em pratica com mais frequência e consciência. Dessa forma, promovíamos não só o desenvolvimento humano como também, a realização do potencial do time.

Tive minhas três filhas no Brasil e, em 2015, eu e meu marido nos transferimos para os EUA. Buscamos uma escola que valorizasse o aprendizado acadêmico concatenado com o esportivo no desenvolvimento de habilidades e conhecimento.

Em 2019, finalizei minha carreira corporativa como responsável de Recursos Humanos no Itaú Unibanco dos EUA e Bahamas.

Aprendizados da jornada de atleta ao mundo corporativo

O primeiro ponto foi como as competências socioemocionais são transferíveis.

Em uma de minhas palestras para alunos do Insper, fui questionada sobre o porquê de eu ter desistido da alta performance. “Não desisti, continuo atuando assiduamente na alta performance!”, foi minha resposta automática.

Como atleta profissional e capitã da seleção brasileira, executiva, autora de meu livro (escrito com o meu pai, Pedro Pinciroli Junior, atleta olímpico que me inspirou e inspira até hoje) e como especialista na realização do potencial humano e de times... exercito diariamente a alta performance. Sempre aplicando as competências que adquiri nas práticas anteriores.

O segundo ponto foi a concretização de um paradoxo presente em todos os ambientes que frequentei, uma “bola perdida em campo”. Explico: cada vez mais me deparava com situações de esgotamento emocional entre os executivos, alunos e atletas. Como algo que nos levava a evolução continua, à excelência, podia também nos levar ao esgotamento físico e mental, refletidos em ansiedade e depressão? O que nos faz evoluir também nos faz adoecer?

A criação de um novo campo de estudo

Em minhas pesquisas para elucidar esse dilema, conheci do Dr. Tal Ben Shahar, doutor em psicologia e filosofia pela Universidade de Harvard (e ex-atleta de squash ). Ele é o responsável pela criação do curso da Ciência da Felicidade (o mais popular da história da universidade), da HSA (Happiness Studies Academy) e do primeiro mestrado strictu sensus mundial da ciência da felicidade. Com o Shahar, aprendi sobre a “genialidade do e” e sobre o que quer dizer a “permissão de sermos humanos”.

Os fundamentos do estudo da ciência da felicidade me ensinaram sobre a importância da recuperação por meio de rituais que nos permitem “recuperar nosso repositório de energia”. Como em uma corrida de fórmula Indy, se o piloto não parar no pit stop, corre o risco de não finalizar a corrida. O piloto deve ser hábil em suas competências e contar com o melhor pit stop (a ‘genialidade do e’).

Essa é uma prática comum no meio esportivo pois o atleta de alta performance sabe que o corpo precisa de momentos de recuperação e, de forma ainda mais intensa, nossa mente demanda esses momentos – chamamos de “ilhas de sanidade” ao longo de nosso dia.

Ao fazer coaching, tanto com executivos como com aletas olímpicos, enfatizo a importância de criar a consistência de repetição destas práticas que vão desde a visualização (colocar em pratica o maior simulador que temos a nossa disposição: a mente) até a realização de atividades prazerosas como escutar uma música intensamente. Minha filha, estudante-atleta na Universidade de Stanford por polo aquático, precisa combinar momentos de pintura com seu dia intenso de estudos e treino para “recuperar sua energia”).

Já a permissão para ser humano reflete sobre o processo de entrarmos em contato com nossas emoções que são como bússolas para nos direcionar aonde estamos. Gosto de usar a analogia de uma panela de pressão que apita no momento em que o ar precisa ser extravasado. Isso acontece com os seres humano. Precisamos criar formas para aliviar esse “ar quente”, que muitas vezes insistimos em não transparecer, e acabamos por ignorar os sinais vitais de nosso corpo físico, de nossas sensações e emoções nos avisando para soltar a válvula de escape. Ferramentas relevantes aqui vão desde conversarmos com pessoas que confiamos, um terapeuta ou a prática de escrever em um diário. O importante é criar espaço para essas práticas.

A Ciência da Felicidade

Para alcançar esse equilíbrio e perseguir o melhor de ambos os mundos - alta performance e bem-estar integral - é essencial adotar uma mentalidade de "e", em vez de nos submetermos à "tirania do ou", como destaca Jim Collins. Isso significa que podemos ser bem-sucedidos em nossas metas e ao mesmo tempo cuidar de nossa saúde física e emocional.

Nessa jornada de busca pela excelência e realização pessoal, é fundamental reconhecer a importância do equilíbrio entre os diversos aspectos que compõem nossa existência.

Buscamos a felicidade de forma indireta. Quando olhamos diretamente a luz do sol, nossos olhos ofuscam, machucam e temos uma visão muito melhor ao usar um prisma e olhar por meio das cores do arco-íris. O mesmo vale para a felicidade, estudamos e evoluímos em nossa jornada de bem estar e plenitude por meio de cinco elementos (as luzes do arco-íris): espiritual, físico, intelectual, relacional e emocional.

No aspecto espiritual, não me refiro às questões religiosas, por mais que reconheça sua importância, mas sim ao significado que atribuímos às diferentes fases de nossas vidas, o que muitas vezes se traduz no conceito de propósito. Aqui temos a essência do que o ser humano precisa: a conexão com algo que o motive, que faça sentido persistir ao passar por momentos difíceis, e que muitas vezes está relacionado a servir ao outro, a uma causa importante ou à sociedade.

Propósito pode ser definido como a razão subjacente que dá significado e direção à vida de uma pessoa. É o que motiva e inspira ações e escolhas, fornecendo um senso de significado pessoal e contribuição para o mundo. É importante desconstruir a ideia de que é algo grandioso e inalcançável. Na verdade, está intimamente ligado ao significado que damos às nossas ações diárias, muitas vezes encontrando realização nas pequenas coisas. Minha própria jornada, desde atleta até executiva e especialista em realização do potencial humano, tem sido impulsionada por diferentes propósitos ao longo do tempo, todos eles igualmente significativos para mim.

O segundo elemento refere-se aos cuidados de nosso físico. Nesse quesito, precisamos mudar nosso mindset e entender que o corpo e a mente são interligados. Um dos grandes conselhos que estudos com centenários nos indica é cuidar de nosso bem-estar físico como se fossemos viver até os 110 anos de idade. Me refiro aqui não somente ao exercício físico como também ao sono, a alimentação saudável e a importância do toque como fontes dessa energia que precisamos para nosso bem-estar. O cuidado físico garante que tenhamos a energia tanto para buscar nossos objetivos, como para lidar com momentos difíceis.

O terceiro elemento é o intelectual e está relacionado à coragem para experimentar e refletir sobre nossos aprendizados. Requer coragem sairmos de nossa zona de conforto, porém, o crescimento ocorre ao lidarmos com adversidades. O esporte competitivo é um palco para a vida ao aprendermos a lidar com a frustração, com o erro e a derrota, e sairmos fortalecidos dessas situações.

O quarto elemento refere-se ao maior contribuidor da felicidade: nossos relacionamentos. Todo ser humano precisa da conexão com o outro, seja em um time esportivo, na família ou no ambiente organizacional. Especificamente em empresas, pesquisas demonstram como o fato de existir um “melhor amigo” no ambiente de trabalho contribui para diferenciar os times mais produtivos, para melhor administrar momentos de stress e aumentar a retenção. Quanto mais pessoas perceberem que os cuidados com nosso físico e relações sociais contribuem para nosso melhor desempenho, seja em casa ou no trabalho, a tendência será de priorizá-los em suas jornadas diária.

E o quinto e último elemento que focamos ao estudar a ciência da felicidade está associado às nossas emoções e como criamos mecanismos para nos conectarmos com elas, aumentando o nosso autoconhecimento. Permissão para ser humano é a essência desse elemento, como já destacamos no inicio desse artigo.

A Integração da Alta Performance com a Ciência da Felicidade

Portanto, ao integrar os ensinamentos da ciência da felicidade com os princípios da alta performance, podemos nos capacitar a alcançar nosso máximo potencial de maneira sustentável, promovendo não apenas nosso próprio bem-estar, mas também contribuindo positivamente para o mundo ao nosso redor.

Analisando a jornada do executivo e o que as recentes pesquisas revelam, chegamos à conclusão de como o sedentarismo tem se tornado cada vez mais frequente na vida do profissional em diversos países. Esta escolha de focar do “pescoço para cima”, embora possa parecer conveniente e eficiente na gestão do tempo, traz consigo grandes prejuízos a longo prazo. O sedentarismo está associado a uma série de problemas de saúde, incluindo obesidade, doenças cardíacas, diabetes tipo 2 e até mesmo alguns tipos de câncer.

A importância do exercício em nossas vidas é inegável e está amplamente documentada pela ciência. O exercício representa um hábito positivo que, quando conservado, beneficia diferentes áreas do bem estar: pessoas que se exercitam, se alimentam melhor, dormem melhor a noite e, dessa forma, se sentem com mais energia ao longo do dia, têm memória mais nítida, são mais criativos e se sentem mais positivos em relação a si mesmos e às suas vidas.

O atleta de alta performance busca a alta intensidade dos treinos e dedicação para realizar o seu potencial nos campeonatos. “Você joga como você treina”, repetia meu pai. Após esses momentos, no entanto, os períodos de recuperação eram priorizados. São nesses momentos que cuidamos da mente, corpo, relações, espírito e emoções. Da mesma forma, o executivo precisa cuidar desses cinco elementos.

Da arena esportiva à arena corporativa, minha jornada tem sido um testemunho da busca constante pela excelência e realização pessoal. Ao longo desse percurso, aprendi que a alta performance vai além de simplesmente atingir metas e objetivos. A ciência da felicidade me ensinou como otimizar, de dentro para fora de nosso corpo, a importância de encontrar um equilíbrio entre os diferentes aspectos da vida, reconhecendo que o propósito pode ser encontrado nas pequenas ações do dia a dia.

Portanto, ao invés de ver sucesso e bem-estar como opostos, é fundamental integrá-los em nossa jornada. Ao adotarmos uma abordagem holística para o desenvolvimento pessoal e profissional, podemos alcançar um equilíbrio que nos permite prosperar em todas as áreas de nossas vidas.

Que possamos continuar explorando e aplicando esses ensinamentos em nossa jornada, buscando sempre o melhor de nós mesmos e contribuindo para um mundo onde o sucesso seja medido não apenas por conquistas tangíveis, mas também pelo nosso bem-estar e felicidade duradouros.

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Autoria

Colunista Cristina Pinciroli

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