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21 min de leitura

A iminência de um capitalismo mais consciente

Se há retrocessos no setor público, no âmbito privado aumenta o entendimento de que empresa que não atende às necessidades da sociedade, ou que piora suas condições, torna-se mais vulnerável | por Pedro Nascimento

Pedro Nascimento

18 de Abril

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Artigo A iminência de um capitalismo mais consciente

BlackRock é a maior gestora de ativos financeiros do mundo. São US$ 6,44 trilhões sob sua gestão, mais do que o PIB de muitos países. Todas as decisões ali tomadas, as análises que são feitas e os conselhos dados a investidores têm influência significativa no mercado global. Desde 2012, seu CEO e cofundador, Larry Fink, publica uma carta anual aos CEOs das empresas que recebem seus recursos, com avaliações sobre a economia e o futuro, e recomendações para uma melhor governança corporativa. Mas a carta do início de 2018 foi diferente. Enquanto todas as anteriores eram denominadas “carta anual para os CEOs”, essa tinha um título: “Um senso de propósito”.

Nessa carta, recebida de maneira arrebatadora pelo mercado, Larry Fink instiga os líderes das empresas de seu portfólio a assumirem mais do que o compromisso fiduciário com os investidores – ele pede uma postura proativa em relação aos problemas do mundo. Fink argumenta que, apesar do crescimento recorde dos lucros empresariais, muitas pessoas vão mal financeira­mente, com situação estagnada ou piorada. Também observa que os governos não se têm mostrado capazes de resolver esses problemas nem parecem se preparar para resolvê-los futuramente – e, assim, as pessoas cada vez mais esperarão que as soluções venham das empresas. 

Nesse cenário, analisa Fink, a empresa que não atende às necessidades da sociedade, ou que contribui para a piora de suas condições, vai tornar-se mais vulnerável às pressões de seus stakeholders, frágil mesmo, o que pode lhe tirar a legitimidade para operar. Em outras palavras, Fink alerta para o fato de que a falta de um propósito social claro está deixando as empresas menos aptas a alcançar seus objetivos básicos de crescimento e lucratividade.

A carta de 2019 da Black Rock também teve um título: “Propósito e lucro”. Nela, Fink reforça a narrativa, carregando ainda mais nas tintas. Ele diz que “o propósito não é a busca de lucros, mas a força que anima as pessoas a buscá-los”. Explica que lucros não são de modo algum incompatíveis com o propósito – de fato, os lucros e o propósito estão inextricavelmente ligados. 

O investidor mais influente se manifestou, e foi uma manifestação com o poder de transformar os demais investidores – uns mais cedo, uns mais tarde, outros neste exato momento. A esse manifesto, a natureza somou sua indignação pelo que sofre com a atividade humana – inundações, secas e terremotos estão ficando cada vez mais intensos e frequentes, escasseando recursos e ameaçando economias. E a desigualdade social adicionou seus protestos, com ondas de imigração e epidemias que impõem riscos crescentes à globalização e à estabilidade do mercado internacional.

Para os leitores da HSM Management, que já leram sobre assuntos como responsabilidade social empresarial (RSE), negócios sociais, criação de valor compartilhado e tecnofilantropos, uma carta sobre a importância da consciência corporativa não é novidade. Porém, há evidências de que a assinatura de Larry Fink começou a abrir a porta que faltava para o discurso da consciência sair de uma parcela pequena de líderes bem-intencionados e entrar no mainstream dos negócios. 

A HISTÓRIA DO PROPÓSITO NOS NEGÓCIOS

A ideia do propósito nas empresas não é nova. As primeiras corporações foram entidades sem fins lucrativos criadas na Europa antes do século 17. O rei Magnus Eriksson concedeu o primeiro alvará empresarial registrado na história para a comunidade de mineração Stora Kopparberg em Falun, Suécia, no ano de 1347. A Companhia das Índias Orientais recebeu um alvará régio da Rai­nha Elizabeth I em 1600. 

Sim, em geral, empresas recebiam alvarás do Estado para propósitos públicos, como construir hospitais, rodovias, pontes e universidades. Isso acontecia porque eram criadas para lidar com tarefas muito arriscadas ou muito caras para que indivíduos ou governos as executassem. O lucro se originava na remuneração da parcela do risco que aquele acionista estava correndo ao investir na empreitada. Os governos monitoravam as empresas, e seus alvarás podiam ser revogados se falhassem em cumprir seus propósitos públicos. Os acionistas eram beneficiários das empresas, portanto, mas não eram a razão fundamental de elas existirem.

Em algum momento da história que eu não sei localizar, essa lógica passou a perder espaço. Sei que, em 1970, o eminente economista Milton Friedman declarou que a única responsabilidade social das empresas é gerar lucros para seus acionistas – contanto que obedeçam às leis e participem de uma competição aberta e livre. Coincidência ou não, nessa mesma época surgiram mais leis nos Estados Unidos obrigando as empresas a gerarem valor para seus acionistas, muitas vezes em detrimento dos demais stakeholders.

O que vivemos hoje é um mero resgate do passado, a lógica recuperada de que uma empresa deve existir para uma finalidade maior do que apenas a de gerar lucro para seu dono. Ele é capitaneado por movimentos, que, para fins de compreensão, arrisco dividir entre duas abordagens: há os que focam no impacto sobre os stakeholders e há os baseados em modelos de gestão diferenciados. 

Não acredito em cravar datas, porque sei que ideias fermentam por prazos longos antes de aparecer à luz do sol, mas todas são do século 21. 

IMPACTO NOS STAKEHOLDERS

Seleciono quatro movimentos globais que buscam o resgate da consciência empresarial, em uma lista que não pretende ser exaustiva, cada um com sua abordagem própria de transformação:

1) B Lab

Conhecido no Brasil por conta do Sistema B, o B Lab foi fundado pelos norte-americanos Jay Coen Gilbert, Bart Houlahan e Andrew Kassoy com o objetivo de criar critérios para certificar empresas que existem não apenas para gerar lucro, mas para gerar benefício para a sociedade (daí um dos significados do B). Com a certificação, teve origem uma comunidade global de empresas que seguem esses altos critérios de gestão consciente e impacto positivo.

2) Capitalismo Consciente

Fundado por Raj Sisodia e John Mackey para difundir uma nova forma de fazer negócios; baseia-se na integração dos interesses dos stakeholders e tem quatro pilares: (1) propósito maior, uma orientação pela causa pela qual a empresa existe; (2) orientação para os stakeholders, ou seja, a geração de valor para todas as partes interessadas e não apenas os acionistas; (3) liderança consciente, que remete à redefinição do papel do líder como principal guardião do propósito e da cultura da organização; e (4) cultura consciente, ou a incorporação dos valores, princípios e práticas subjacentes ao tecido social de uma empresa.

3) B Team

Criado pelo britânico Sir Richard Branson, fundador do Virgin Group, e pelo alemão Jochen Zeitz, fundador da Zeitz Foundation, tem o objetivo de unir líderes de grandes empresas para discutir melhores práticas de gestão para um “plano B” para o mundo. O lucro não é o mais importante, dizem seus militantes; importa o benefício social, econômico e ambiental.

4) GAMECHANGERS 500

O mais recente de todos nasceu pelas mãos do norte-americano Andrew Hewitt, para ser uma alternativa (ou um confronto) ao Fortune 500, o ranking das 500 maiores empresas dos Estados Unidos. Ele se propõe ser o ranking das 500 melhores empresas para os Estados Unidos. Tem critérios de análise que buscam avaliar as práticas conscientes de gestão da empresa, assim como seu impacto no mundo.

Muitos outros movimentos de impacto poderiam estar listados; vários surgirão nos próximos anos. Independentemente de nomes e propostas, enfatizo a mensagem principal: não são casos isolados; está claro que há uma onda de pessoas e organizações buscando mudar a narrativa dos negócios e do capitalismo no mundo. 

NOVOS MODELOS DE GESTÃO

Há movimentos que discutem a forma como a empresa se organiza e é gerida, e como responde às demandas do meio externo. Falam de propósito como elemento fundamental da gestão, e enxergam a empresa como uma força positiva no planeta.

5 PERGUNTAS A RAJ SISODIA E MICHAEL GELB

por Adriana Salles Gomes

1: Como diferenciar uma empresa humanizada (firm of endearment) de uma organização que cura?

R: A organização que cura é a empresa humanizada evoluída, que tem um cuidado genuíno com todos os stakeholders e uma noção de propósito compartilhado. Organizações que curam vão além em suas expressões de amor e cuidado para com as pessoas; elas ativamente buscam fontes de sofrimento e dor, e as aliviam. Procuram trazer mais alegria para as vidas de todos os stakeholders. 

A ideia da cura é uma metáfora organizadora para as empresas pensarem nas formas em que podem servir melhor os outros. Curar é ideia fundamental em todas as sabedorias tradicionais. Sendo assim, organizações que curam são impregnadas com um tipo de energia missionária, de servir quem mais precisa de ajuda.

2: Segundo a famosa pesquisa de Geert Hoefstedt da década de 1970, brasileiros são mais hierárquicos e masculinos. Isso nos dificulta nessa evolução?

R: Observamos a tendência do desequilíbrio hierárquico machista em muitas culturas latinas. Mas o reequilíbrio de energias masculina e feminina está ocorrendo – em escala vasta, global, e no Brasil também. Houve um excesso de energia masculina, que faz com que o masculino saudável (caracterizado por traços desejáveis como coragem, força, resiliência, disciplina, foco e conquistas) seja corrompido e vire dominação, agressão, concorrência excessiva, mentalidade de vencer a qualquer custo. 

Mas as culturas latinas têm vantagens também, que podem ajudar as organizações que curam: já tivemos contato com qualidades como a alma, a afirmação da vida, e a abordagem emocional e centrada na família que tornam a América Latina, e o Brasil em particular, locais muito propensos a estar na vanguarda dessa transformação global. 

3: Há diversos movimentos corporativos em prol de um capitalismo mais consciente. Seria mais efetivo termos um movimento único?

R: Não, é saudável ter múltiplas ideias concorrendo por atenção; um planejamento central de soluções de tamanho único não funciona. Todas essas ideias (sistema B, empresas humanizadas etc.) são compatíveis.

Ao longo do tempo, algumas dessas ideias naturalmente vão se destacar das outras e algum tipo de consenso em torno de uma estrutura organizadora vai evoluir organicamente. 

Temos de estar cientes de que o dogmatismo de qualquer tipo – ou o fundamentalismo, como você preferir chamá-lo – é perigoso. Não precisamos, nem queremos, fundamentalistas do capitalismo consciente. 

4: De um lado, líderes políticos que negam a mudança climática, rejeitam imigrantes e diversidade, e querem desregulamentar tudo. De outro, o movimento de investidores como Black Rock. Quais as chances de as healing organizations prevalecerem neste contexto?

R: Vivemos um ponto de inflexão. Estamos em um ponto alto de evolução humana, cooperação produtiva e disseminação da sabedoria e, simultaneamente, há uma grave ameaça a tudo isso – sobretudo pela forma como a tecnologia está sendo usada, por alguns, como multiplicador de força para ignorância, ganância e medo.

Na verdade, não sabemos o que vai acontecer. O que sabemos com certeza é que o bem-estar da humanidade e a continuidade da vida na Terra dependem muito da abordagem de negócios e de capitalismo que abraçarmos. Se continuarmos com a mentalidade de curto prazo e de lucro acima de tudo, vamos garantir nosso próprio declínio e ruína. Mas, se reconhecermos os negócios como instrumento de serviço e como uma forma de curar nossos corpos, psiques e sociedades, veremos a ascensão de uma era dourada do ser humano – de um florescimento planetário diferente de tudo que já existiu. 

5: Dá tempo de virar o jogo?

R: Claro! Todos os desafios que enfrentamos podem ser superados. Basta uma ação humana orquestrada, cooperativa, criativa, baseada em amor genuíno e em cuidado com o outro, com outras espécies e com nosso precioso planeta.

ACELERADORAS E OUTROS INTERMEDIÁRIOS DO BEM

por Sandra Regina da Silva

Com o slogan “Entre ganhar dinheiro e mudar o mundo, fique com os dois”, a ONG brasileira Artemisia foi fundada em 2004, em São Paulo, pela norte-americana Potencia Ventures. Ela é uma aceleradora de negócios rentáveis que procura negócios potencialmente lucrativos para trazerem soluções em larga escala aos desafios sociais. “Apoiamos empresas que nascem com esse propósito, para que a população de baixa renda tenha acesso ao básico e possa se desenvolver”, diz Priscila Martins, gerente de relações institucionais da Artemisia, que atua nos pilares da saúde, educação, moradia, serviços financeiros, alimentação, mobilidade e energia.

A intermediação da Artemisia funciona assim: a equipe mergulha no cotidiano de comunidades para entender suas dores e identificar oportunidades de negócios que possam mitigá-las ou eliminá-las. Então, mapeia startups que tenham soluções inovadoras para os desafios encontrados. “Chegamos a analisar até 1,3 mil negócios de impacto para selecionar os dez que serão acelerados por nós, durante seis meses”, conta Martins.

Um sinal da importância desse papel intermediário é o fato de que, entre 2011 e 2016, houve um crescimento de 640% no número de negócios que chegam para análise pela Artemisia. E o número continua subindo. Em 2018, 1,2 mil se inscreveram só para a seleção de negócios que usam dados para gerar impacto social, de acordo com a gerente – em vários segmentos. Vão de empresas no estágio inicial na fase de prototipagem a scale-ups que buscam rápido avanço para impactar um grande número de pessoas.

A viabilização financeira das startups da Artemisia é feita com parceiros como Caixa, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ford e Cargill, entre vários outros, além de alguns fundos como o Vox Capital. 

Além de fazer a aceleração, a Artemisia apoia a educação voltada a empreendedores, incluindo o MBA de gestão de negócios socioambientais em parceria com o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) e orientação pedagógica do Centro de Empreendedorismo e Administração em Terceiro Setor da USP; e o curso online sobre negócios de impacto social.

EM SALVADOR

A Vale do Dendê, sediada na capital baiana, tem três pilares de atuação. Dois são iguais aos da Artemisia: ela acelera negócios de impacto socioeconômico e tem escola (embora uma escola voltada à economia criativa). O terceiro pilar é prover serviços de consultoria em estratégia. Outro diferencial é seu foco, bastante específico – ela se dedica ao afroempreendedorismo.

O jornalista Rosenildo Gomes Ferreira conta que a ideia de criar o Vale do Dendê surgiu em 2015, quando conversava com o empreendedor social Paulo Rogério Nunes. Com o professor Helio Santos, Ferreira e Nunes elaboraram uma tese de investimento que serviu para definir o modelo de atuação e as ferramentas que seriam usadas. Mais tarde, Ítala Herta se juntou ao grupo.

Em 2017, os quatro sócios-fundadores percorreram empresas e conseguiram o patrocínio das fundações Itaú Social e Alphaville para lançar a primeira edição de seu programa de aceleração de negócios de impacto social. “O foco são empresas que atuam nas áreas de design de moda, artes (produção cultural e audiovisual), gastronomia e tecnologia (games e apps)”, afirma Ferreira. O primeiro edital atraiu 107 inscrições, 30 deles participaram da pré-aceleração e dez foram selecionados num pitch e estão sendo acelerados neste momento. 

Paralelamente, há os eventos. O Vale do Dendê realizou o evento Ocupação Afro Futurista, também em 2017, sobre cultura maker, empreendedorismo, economia criativa e tecnologia. A primeira edição aconteceu em Salvador e a segunda, em 2018, foi ampliada também para as cidades baianas de Seabra e Irecê. Entre as atrações, estão shows, workshops, palestras, laboratório de realidade virtual e feira maker.

COWORKING SOCIAL

Agora, imagine ter seu escritório num espaço compartilhado com outros empresários com o mesmo objetivo – criar um mundo mais justo. E que ainda houvesse uma equipe focada em conectar os negócios de impacto e de cidadania com investidores, empresas e organizações não governamentais, para escalar o impacto social. Essa é a proposta do espaço de coworking 

Civi-co voltado a empreendedores cívico-sociais, localizado em São Paulo.

O Civi-co oferece aos empreendedores que aderem ao plano mensal atividades de mentoria, serviços de assessoria de imprensa, eventos e networking, além de toda a infraestrutura open space, salas de reunião privativas e cafeteria. Foi, aliás, o espaço o escolhido pelo Vale do Dendê para montar uma filial em São Paulo no ano passado. Ali a holding social apresentou seus acelerados a investidores, por exemplo, e quatro já conseguiram capital.

Artemisia, Vale do Dendê e Coworking são intermediários que ajudam a viabilizar empreendedores sociais – seja educando-os no que for preciso, seja apresentando-os a quem for preciso. O momento para a intermediacão é propício: cada vez mais pessoas querem associar-se a empreendedores sociais, como os jovens herdeiros de empresas familiares.

1) Organizações Teal:

Elas foram propostas pelo belga Frédéric Laloux no livro de negócios Reinventando as organizações. Para o ex-consultor da McKinsey, elas têm um “novo paradigma de consciência humana”, abrindo mão de suas necessidades de controle e hierarquia em prol de uma formação em rede, que conta com três principais elementos: (1) a autogestão, que são as práticas para que as pessoas consigam gerir a organização por conta própria, sem necessidade de hierarquia ou consenso; (2) a integralidade, ou práticas que buscam trazer para o trabalho todos os aspectos da pessoa, não só a racionalidade e as características masculinas; e (3) propósito evolutivo, ou práticas para a adaptabilidade dos objetivos da empresa, tratando-a como ser vivo em vez de tentar prever seu futuro.

2) Holacracia:

Mobilização iniciada pelo norte-americano Brian Robertson e liderado por sua empresa HolacracyOne, é um modo de estruturar uma empresa que substitui a hierarquia convencional, distribuindo poder e responsabilidade. Conta com uma constituição de práticas que evolui frequentemente, além de um software e redes de especialistas para facilitar sua implementação.

3) Sociocracia:

A sociocracia clássica foi proposta por August Comte em 1851, mas foi implementada de forma mais ativa em empresas na década de 1970 na Holanda por Gerard Endenburg. Mais recentemente, incorporou as práticas dos movimentos agile e lean para se converter na “sociocracia 3.0”, uma proposta do alemão Bernhard Bockelbrink e do britânico James Priest. 

A sociocracia defende um modelo de gestão flexível e baseado em princípios, adotando práticas de autogestão para adaptar a organização às mudanças no contexto. É um sistema aberto e gratuito, sem certificações e com uma lista de práticas a serem utilizadas pelos interessados.

4) Responsive.org:

Menos um conjunto de técnicas e mais um movimento de pessoas que acreditam na filosofia,

a Responsive.org surgiu como uma conferência sobre práticas de gestão responsivas e, com o tempo, tornou-se uma comunidade global de prática e troca sobre o assunto.

5) Betacodex:

Fundado em 2008 como uma transformação do movimento “Beyond Budgeting”, que promovia práticas de orçamentação dinâmica e não baseada em previsibilidade, tem como objetivo promover um conjunto de práticas que aumentam a flexibilidade organizacional e a capa­ci­dade de se adaptar ao contexto.

MOVIMENTOS NO BRASIL

No Brasil, a história dos negócios com impacto positivo também não é recente. O Instituto Ethos, que faz 21 anos em 2019, nasceu com a missão de “mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade justa e sustentável”. Apesar de ter sua gênese conectada ao movimento de Responsabilidade Social Empresarial, seus pilares de atuação – meio ambiente, direitos humanos, integridade e gestão consciente – dialogam diretamente com os outros movimentos apresentados. [Leia a entrevista de Ricardo Young nas páginas a seguir.]

Em 2013, seguindo o sucesso global do movimento Capitalismo Consciente, um grupo de empresários e executivos brasileiros fundou o Instituto Capitalismo Consciente Brasil, que tem como objetivo difundir os princípios do movimento e inspirar empresários brasileiros a adotá-los. É presidido por Rony Meisler, CEO do Grupo Reserva, símbolo da nova geração de empresários brasileiros. [Leia sobre as empresas humanizadas na página 50.]

No mesmo ano de 2013, surgiu também o Sistema B Brasil, liderado hoje por Marcel Fukayama, empreendedor social brasileiro e confundador da Din4mo, empresa de venture capital e private equity focada em impacto social. [Leia mais sobre o Sistema B Brasil e as empresas B do País na página 42.]

As iniciativas de consciência nos negócios surgem em toda parte no Brasil, pois só fazem aumentar os brasileiros entusiastas e praticantes dessas, como este Dossiê revela. Falando da minha experiência própria, cito nosso Grupo Anga, do qual sou cofundador, e que nasceu com o propósito de “empreender negócios conscientes”, buscando utilizar em sua gestão ideias vindas de todos esses movimentos. Temos hoje um modelo gerencial inspirado nas organizações “teal” de Laloux, por exemplo, e nossas quatro empresas possuem propósitos claros para gerar impacto positivo com suas operações. (Full disclaimer: a Qura, startup editorial que faz a revista HSM Management em parceria com a HSM, é parte do Grupo Anga.)

DA PRODUÇÃO CONSCIENTE AO CAPITAL CONSCIENTE

A maior mudança promovida pela carta da BlackRock não é 0 conteúdo, mas o emissor. Todos os movimentos mencionados aqui têm como premissa fundamental o protagonismo do líder empresarial. Esse líder, ciente da importância de implementar determinada filosofia na gestão, começa uma jornada pessoal e organizacional de transformação, que leva a resultados diferentes para todos os stakeholders.

Porém, existe uma premissa subjacente de que o líder tem autonomia para criar a mudança, que ele consegue sozinho combater o pensamento hegemônico em prol de um pensamento mais ecossistêmico e de longo prazo. 

Se o líder for o dono da empresa, isso pode acontecer. Mas, e se não for? E se os detentores do capital preferirem sacrificar as pessoas, os fornecedores e o planeta em prol do lucro no curto prazo? Nesse caso (mais comum do que deveria ser), provavelmente os líderes conscientes estarão em uma luta inglória, dado que a palavra final das decisões estratégicas estará com os acionistas. A carta da BlackRock é transformadora porque vem não de quem lidera a produção, mas desses acionistas.

No livro Reinventando as organizações, Laloux conta a história da AES Corporation, empresa multinacional de energia fundada por Roger Sant e Dennis Bakke, com presença em diversos países (inclusive o Brasil, até há pouco tempo). Sob a inspiração de Bakke, implementou práticas de autogestão, responsabilidade social e foco em propósito mesmo sobre lucro. 

Mas, quando Bakke saiu do comando, em 2002, durante uma crise no setor energético, e Paul Hanrahan o sucedeu, a AES aboliu as práticas “teal” de gestão e voltou a adotar um sistema tradicional e hierárquico. Por que fez isso? Para atender às demandas dos acionistas.

Não é possível empresários e executivos adotarem práticas de gestão conscientes e reinventarem o capitalismo se os investidores-acionistas não estiverem de mãos dadas com eles. 

O novo jeito de fazer negócios precisava ser oficialmente abraçado pelo capital para não ser um modismo. E agora foi. 

UM NOVO CAMINHO

O mundo é um lugar melhor por conta do capitalismo. 

Com a primeira revolução industrial na Inglaterra, que serviu como estopim para o capitalismo evoluir e se tornar o que é hoje, criamos melhorias que beneficiaram as vidas de milhões de pessoas – produção abundante de alimentos, remédios para doenças anteriormente incuráveis, sistemas de transporte mais rápidos e eficientes, sistemas de comunicação que permitem acesso a conhecimento. Se contássemos sobre esses avanços para algumas gerações anteriores, elas possivamente confundiriam essas tecnologias com mágica.

Mas o mundo também é um lugar pior por causa do capitalismo.

Na busca incessante por colher os lucros dessas soluções, acabamos criando novos problemas que jamais poderiam ser previstos. Índices nunca antes registrados de problemas de saúde ocasionados por produtos industrializados. Poluição de rios e lagos. Extinção de diversas espécies. Aquecimento global ocasionado pela ação humana. 

As empresas têm um impacto desproporcional no mundo. Como diz Sisodia, que é cofundador do movimento global do Capitalismo Consciente e coautor de um livro homônimo, a triste realidade é que a maioria das empresas podem ser fonte de sustento, bens e serviços, mas também são fonte de problemas, de sofrimento para as pessoas e de destruição do meio ambiente. 

Como forma de isolar os problemas de quem os causou, damos a eles o nome de “externalidades negativas”, e agimos como se  “tudo bem” causar certos impactos negativos, para atender às demandas de seus acionistas. Cada vez menos gente diz “tudo bem”. Sisodia, por exemplo. Cerca de dois anos atrás, ele  e Michael Gelb lançaram o conceito de healing organizations, ou empresas que curam – conceito  esse que os dois detalham em entrevista a HSM Management [veja o quadro da página 35] e que batiza todo este Dossiê. 

As empresas e os gestores retratados nas próximas páginas tampouco dizem “tudo bem”. Ao empregarem pessoas, produzirem e entregarem seus produtos e serviços, eles buscam gerar lucro e causar externalidades positivas. As empresas que curam procuram fazer com que ossubprodutos de suas operações tornem o mundo um lugar melhor. E quando elas crescem, em vez de gerar mais sofrimento e concentração de riqueza, geram mais impactos positivos e provocam um círculo virtuoso.

Eu sou um millennial, com algumas características nerd e, portanto, não posso encerrar este texto sem falar em minha crença de que a lei de Metcalfe vai acelerar o círculo virtuoso das empresas que curam. 

Para quem não se lembra, a lei de Metcalfe é a que aborda o valor de um sistema de comunicação. Ela diz que o valor de uma rede cresce na razão do quadrado de seu número de usuários – se entram mais dois usuários, por exemplo, o valor da rede não aumenta dois, mas quatro. 

A lei de Metcalfe é frequentemente utilizada para explicar o famoso efeito de rede, e pode gerar um efeito de rede de consciência corporativa, quando empresas militantes da responsabilidade socioambiental preferirem ser fornecedoras e clientes umas das outras e preterirem as que não comungam de tais ideias. Pois isso já acontece, e cada vez mais, caro(a) leitor(a).

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Autoria

Pedro Nascimento

CEO da Qura Editora, sócio do Grupo Anga, administrador de formação, foi vice-presidente da Confederação Nacional de Empresas Juniores em 2014 e é conselheiro do Instituto Capitalismo Consciente Brasil.

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