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Gestão de pessoas

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A fragilidade da relação de trabalho e os impactos na marca empregadora

O emprego está perdendo a centralidade identitária para o trabalhador e se tornando algo que viabiliza a realização de propósitos pessoais

Colunista Bruna Gomes Mascarenhas

Bruna Gomes Mascarenhas

16 de Fevereiro

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Artigo A fragilidade da relação de trabalho e os impactos na marca empregadora

Filmes e séries sempre colocaram temas de dinheiro e poder como centrais em diversas tramas e, de uns anos para cá, a conexão desses assuntos com o mundo do trabalho pela ótica de quem trabalha vem ganhando força em produções para TV. The White Lotus (especialmente na primeira temporada), Severance, The Dropout e We Crashed, só para citar algumas das mais recentes, exploram em diferentes contextos e intensidades o quanto o mundo do trabalho escancara o impacto de assimetrias econômicas e sociais em termos de possibilidades, espaços e, principalmente, de consequências para erros cometidos no ambiente organizacional.

Nos Estados Unidos, a mídia tem descrito o sucesso desses conteúdos como reflexo de um momento pós-pandemia em que o discurso “eat the rich”, algo como “comam os ricos”, ganha força. Na esfera do trabalho, ele se reflete em questionamentos sobre entregar seu tempo, talento e esforço a uma relação frágil, que parece beneficiar poucos e de forma muito desproporcional. As conversas já um pouco desatualizadas sobre a demissão silenciosa (o tal quiet quitting) acompanharam esse caminho em 2022 e talvez já sinalizassem uma ficha caindo sobre valer ou não a pena fazer esforço extra quando tudo pode terminar com uma ligação de 5 minutos ou uma mensagem no Slack.

Desde o começo de 2022, vejo reflexos mais intensos disso tudo na esfera de marca empregadora por aqui. Começou com um movimento bem crítico a qualquer demonstração de apreço pela empresa onde se trabalha – seja porque algumas pessoas postam seus kits de onboarding comemorando a chegada na empresa antes mesmo de verem se vai dar certo, seja porque postam textos de agradecimento quando deixam a empresa voluntaria ou involuntariamente. Uma passada rápida pelo Linkedin rende vários exemplos.

Do fim do ano para cá, com o número elevado de demissões em massa realizadas por diversas organizações – especialmente pelas startups (mas não só elas, importante dizer) - o tom da conversa aumentou. Não à toa: estamos vendo gente demitida depois de poucos meses de contratação e equipes desfeitas antes mesmo de terem a chance de mostrar resultados, a comunicação desses movimentos muitas vezes feitas sem qualquer tato e perfis profissionais normalmente muito disputados no mercado aparecendo nas planilhas de demitidos que circulam nas redes para ajudar na recolocação.

Ninguém que precisa de um emprego para viver está a salvo

As postagens nas redes e as conversas cara a cara agora questionam CEOs que lamentam as decisões de demitir em massa, mas mantém seus salários ou até os reduzem, talvez mais para sinalizar preocupação do que para realmente sentir um impacto ao menos parecido com o de quem perde o emprego. Discutem a irresponsabilidade de contratar agora sem qualquer planejamento do que vem depois, sendo que as consequências disso para os indivíduos sempre são bem mais duras do que para as empresas que se reestruturam. Trazem à tona estudos que indicam que cortar pessoas é muitas vezes o jeito mais rápido, mas menos sustentável de resolver problemas. As antes celebradas filosofias de ganhar mais à base de intermináveis cortes de custos começam a ser questionadas ao estarem no cerne de organizações que tremeram em suas bases recentemente.

Talvez tenha sido sempre assim sempre e agora estejamos testemunhando um despertar mais numeroso sobre a fragilidade das relações de trabalho. No começo dos anos 2000, no livro Cultura Organizacional: identidade, sedução e carisma, a brilhante professora Maria Ester de Freitas escreveu sobre o trabalho tomando um espaço central da vida das pessoas ao passo que outras referências sociais – família, comunidade, religião, crença – perdiam espaço. Primeiro, porque precisávamos dedicar cada vez mais horas a “ganhar a vida”, depois, porque passamos a costurar nossas identidades pessoais às identidades profissionais de forma cada vez mais inseparável, encorajados, em parte, por discursos organizacionais altamente sedutores e pela validação social ampla de uma “carreira de sucesso”. Isso tudo é válido especialmente para os chamados “trabalhadores do conhecimento” e de maior renda, pois é importante entender da bolha de que estamos falando.

Agora, ouso dizer que estamos vendo uma outra transição, uma em que o trabalho perde essa centralidade identitária para ser algo que viabiliza o que realmente queremos ser e fazer da vida e que, muitas vezes, não é trabalho. E se o trabalho for minimamente alinhado ao nosso propósito pessoal, melhor. Afeto envolvido? Até pode ser, mas de forma cada vez mais cuidadosa, porque a gente sabe que pode se machucar a qualquer momento, então melhor proteger os sentimentos e deixá-los para as relações mais profundas.

O que isso tudo significa para o trabalho de marca empregadora?

Do lado das empresas, mais pé no chão, penso eu. Mais coragem para falar claramente o que se oferece às pessoas e o que se espera delas em troca, tudo isso em tons mais voltados a informar do que apenas encantar – ou com clareza sobre o momento certo para cada coisa. Percebo, também, a escalada de atributos de solidez, estabilidade e segurança nos itens valorizados em empregadores e que antes pareciam chatices diante de tanta coisa mais sedutora oferecida ao redor. Do lado das pessoas, espero que tenhamos talentos mais letrados em leituras de balanços e de cenários de mercado ao fazerem escolhas de carreira, porque se tem algo que tempos assim deveriam ensinar é olhar para fundamentos.

Para aqueles que têm o privilégio de trabalhar para suprir algo além do básico, está ficando cada vez mais evidente a necessidade de entender e limitar o espaço que o trabalho pode ocupar na vida – e as escolhas de carreira serão cada vez mais pautadas por isso. Agora, cabe ver como tudo isso se desenrola em um contexto em que o poder de escolha volta a estar mais nas empresas – sempre está, mas há ciclos em que o cenário se equilibra um pouco melhor – e observar se os esforços por marcas empregadoras fortes eram apenas contextuais ou realmente pautados por posicioná-las de forma verdadeira diante dos talentos.

  • The White Lotus e Succession estão disponíveis na plataforma HBO+; WeCrashed e Severance na Apple TV+ e The Dropout na Star+
  • Em uma reunião recente, a expressão "caiu a ficha" surgiu e nos perguntamos: “qual é o jeito mais novo de dizer isso?”. Alguém ajuda?
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Autoria

Colunista Bruna Gomes Mascarenhas

Bruna Gomes Mascarenhas

Atua como consultora em projetos de comunicação, employer branding e gestão da mudança pela Smart Comms, empresa que fundou em 2016. Pós-graduada em marketing (FGV), graduada em comunicação (Cásper Líbero) e mestranda em psicologia organizacional (University of London), atuou por 13 anos nas áreas de comunicação e marca em empresas como Johnson&Johnson, Unilever, Touch Branding e Votorantim Cimentos. É professora do curso livre de employer branding da Faculdade Cásper Líbero, um dos primeiros do Brasil, autora de artigos sobre o tema em publicações brasileiras e internacionais e co-autora do livro Employer Branding: conceitos, modelos e prática.

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