fb-embed

5 min de leitura

A cooperação é a moeda do futuro

Diferente da maioria dos moradores de São Roque de Minas, cidade de 6 mil habitantes da região da Serra da Canastra (MG), João Carlos Leite pôde frequentar a universidade. Formou-se em agronomia pela Universidade Federal de Lavras e, em vez de ganhar o mundo como sonhava o pai, decidiu transformar São Roque na Suécia brasileira. A seguir, Joãozinho, como é conhecido o cofundador e presidente do conselho da Saromcredi, conta como sua cooperativa de crédito está inspirando o Brasil

Gabrielle Teco

18 de Abril

Compartilhar:
Artigo A cooperação é a moeda do futuro

5) A Saromcredi já movimenta mais de R$ 300 milhões de ativos financeiros ao ano e o plano é chegar a R$ 1 bilhão em 2031. O que faz sua cooperativa de crédito crescer a taxas de 10% a 15% ao ano, mesmo em tempos difíceis para vários setores no Brasil?

Historicamente, o cooperativismo de crédito se fortalece em tempos de crise, pois surge como alternativa para que a população tenha acesso mais barato ao capital. É assim que nosso cooperado [empresa] consegue competir no mercado: ele produz a um custo mais baixo; com isso aumenta a produção, gera mais emprego, e esse dinheiro circula na cidade para a compra de produtos e serviços. E é assim que a qualidade de vida das pessoas e da sociedade melhora. O resultado da 

Saromcredi é, na verdade, o resultado desse desenvolvimento econômico e social promovido pelo cooperativismo na região. 

Começamos em 1991 com a cooperativa de crédito, mas hoje já contamos com outras formas de cooperação, como uma cooperativa educacional, chamada Instituto Ellos, e a Aprocan [Associação dos Produtores de Queijo Canastra]. Com o cooperativismo, percebo uma revolução silenciosa no modelo de desenvolvimento do País. Basta comparar o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] das cidades com e sem cooperativas de crédito.

4) Você não entendia nada de banco    e nunca tinha atuado no ramo da educação. Mesmo assim, fundou uma cooperativa de crédito e uma educacional que hoje são referências no Brasil. O que move você?

Entendi que o cooperativismo é um antídoto para o lado mau do capitalismo – a concentração de riqueza. Afinal, qual é o maior problema do Brasil hoje? Desigualdade social. Quando vejo produtores ganhando dinheiro, empresas crescendo, alunos passando nas melhores universidades e famílias orgulhosas, isso me move. Cooperativismo distribui renda e quebra monopólios. 

Com o cooperativismo, aprendi que mesmo uma cidade tão pequena como São Roque de Minas é capaz de resolver seus problemas. Quando, nos anos 1990, o último banco foi embora da cidade alegando que não era uma boa praça bancária, todo mundo quis ir embora também. Formiga, o município mais próximo, fica a 120 quilômetros e metade disso em estrada de terra. Seria  inviável prosperar nesse contexto. A Saromcredi e o Instituto Ellos mudaram o contexto. Isso me move. 

3) A ética é um dos valores centrais dos cooperativistas. Levando em conta a discussão no Brasil atual, como vocês abordam o tema?

Eu aprendi com meu pai que é melhor falar pouco e fazer muito. A gente não precisa falar de ética, basta ser ético – palavras vão com o vento, exemplos não. E hoje temos muita gente aqui dando bom exemplo: diretores, funcionários, cooperados. 

Já no Instituto Ellos, as crianças têm aulas de valores cooperativistas em que mostramos, por exemplo, que é falta de ética fazer bullying e que você precisa ser solidário. Trabalhamos com ética no dia a dia, mas, para sustentar isso, ensinamos ética lá na base, para as crianças. 

Como nosso sonho é ter R$ 1 bilhão de ativos até 2031, precisamos ter responsabilidade – já que muito dinheiro vem acompanhado de muito poder. Por isso, o capital precisa ser gerido por pessoas éticas e solidárias, que pensam no desenvolvimento da comunidade. Percebo que as novas gerações já questionam mais as coisas e não aceitam os maus exemplos. Temos com elas a oportunidade de mudar o Brasil – e isso me faz crer que a cooperação é a moeda do futuro.

2) Moeda do futuro? Por favor, explique.

Bom, eu penso que, se o comunismo é teoricamente bom em distribuir riqueza e o capitalismo é muito eficiente em gerar riqueza, o cooperativismo une esses dois mundos ao adotar o melhor dos dois modelos. Para ficar mais claro, vou dar o exemplo dos produtores de queijo canastra aqui na região. São cerca de 800 produtores, 400 só em São Roque de Minas. Se somarmos o faturamento de todos, temos algo em torno de R$ 20 milhões ao ano. Porém, estávamos operando na clandestinidade, porque a produção de queijo feito de leite cru estava proibida no Brasil desde a década de 1950. 

A gente se perguntava: se é tão perigoso, por que a gente come esse queijo e não morre? Inconformados com a falta de resposta, fomos até a França para entender o processo produtivo deles e começamos a importar boas práticas. E também atuamos para que o governo revisse a lei. Em 2018, finalmente, isso ocorreu e a produção de agroartesanais voltou à legalidade. O que nós fizemos? Criamos a Aprocan, associação que hoje conta com 58 associados, dos quais 23 já estão com seu produto adequado às novas normas. Criamos uma marca coletiva e já nascemos faturando R$ 12 milhões ao ano. Um queijo que antes era vendido por R$ 10 ou R$ 15 o quilo hoje pode ser vendido por R$ 50. De quem é essa empresa? É de todos. Todos produzem e vendem individualmente, mas todos cooperam em defesa de uma marca e de uma renda mais justa para todos. É aí que vemos a cooperação como moeda. 

1) Que tipo de líder é o Joãozinho e que tipo de pessoa você gosta de ter trabalhando ao seu lado?

Para começar, não me vejo como líder – acho que líderes mesmo houve poucos na história do mundo. Eu me enxergo como gestor: procuro ser eficiente na gestão e criar bons resultados. Se você chegar aqui na cooperativa e perguntar “cadê a mesa do presidente?”, não vai encontrar. Eu sento num cantinho, sento no outro. Não sou chefe de ninguém. Só estou presidente quando estou no conselho. No mais, sou cooperado como todos os outros, às vezes exercendo funções executivas. Quando temos um problema, todo mundo opina e toma as decisões em conjunto. 

Sobre as companhias, aprendi que é bom ter pessoas mais inteligentes do que a gente no time. Gosto de quem possa me ensinar coisas. E gosto de pessoas que sonham e querem crescer, positivas e éticas. Não gosto dos pessimistas, dos fofoqueiros, dos que falam uma coisa e fazem outra.

Compartilhar:

Autoria

Gabrielle Teco

Editora-executiva da HSM Management

Artigos relacionados

Imagem de capa Evitando o escoamento de dinheiro público: a revolução das Cidades-Esponja

ESG

26 Julho | 2024

Evitando o escoamento de dinheiro público: a revolução das Cidades-Esponja

A crescente frequência de desastres naturais destaca a importância crucial de uma gestão hídrica urbana eficaz, com as "cidades-esponja" emergindo como soluções inovadoras para enfrentar os desafios climáticos globais e promover a resiliência urbana.

Guilherme Hoppe

6 min de leitura

Imagem de capa Uma reflexão sobre o chamado “Networking”

Gestão de pessoas

22 Julho | 2024

Uma reflexão sobre o chamado “Networking”

Como podemos entender e praticar o verdadeiro networking para nos beneficiar!

Galo Lopez

2 min de leitura

Imagem de capa Inteligência artificial no trabalho: estratégia ou desespero?

Transformação Digital

19 Julho | 2024

Inteligência artificial no trabalho: estratégia ou desespero?

A inteligência artificial (IA) está no centro de uma das maiores revoluções tecnológicas da nossa era, transformando indústrias e redefinindo modelos de negócios. No entanto, é crucial perguntar: a sua estratégia de IA é um movimento desesperado para agradar o mercado ou uma abordagem estruturada, com métricas claras e foco em resultados concretos?

Marcelo Murilo

13 min de leitura

Imagem de capa SHIFT: Um novo modelo de gestão para liderar na complexidade

Gestão de pessoas

17 Julho | 2024

SHIFT: Um novo modelo de gestão para liderar na complexidade

Conheça o framework SHIFT pela consultora da HSM, Carol Olinda.

Carol Olinda

4 min de leitura