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Gestão de pessoas

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A arte no universo corporativo

Continuando nosso especial sobre a semana 20Internacional da Felicidade, desta vez vamos trazer a importância da arte para todo o processo de vivência, inclusive na trajetória do trabalho

Colunista Miriam Baêta

Miriam Baêta

22 de Março

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Artigo A arte no universo corporativo

Em um primeiro momento, a ideia de artistas aceitando convites de gestores para trabalhar em organizações fora do mundo da arte, e por períodos extensos pode parecer até contraditório. Afinal, artistas e gestores têm valores, motivações e formas de pensar e agir absolutamente distintas— principalmente se estamos falando do setor privado.

De um lado vemos a arte com o objetivo final justificado em si; (Guerard 1936) e do outro, os negócios objetivando geração de lucro e impulsionamento da economia (Friedman, 2007). No entanto, por mais imperativo que seja reconhecer diferenças, devemos também evitar as representações engessadas das chamadas empreitadas artísticas e dos propósitos de gestão.

Ver os domínios das artes e do mundo organizacional como culturas separadas, cada uma com suas crenças, normas e linguagens ao invés de extremos opostos, permite a possibilidade de aprendizado mutuo, ao mesmo tempo, em que preserva as respectivas identidades (Strauß, 2009).

Semelhante a outras experiências de aprendizado intercultural, aqui também é necessário sair da zona de conforto e navegar por momentos de frustração, conflitos e mal-entendidos (Eriksson, 2009). Essas dissonâncias são particularmente prováveis nesse tipo de interação intercultural, principalmente porque o mundo das artes sempre teve como papel criticar à sociedade e dar voz aos marginalizados.

Forma-se então uma relação de ganhos para ambas as partes, com gestores valendo-se das intervenções artísticas para o desenvolvimento de habilidades de seus funcionários como criatividade e liderança, aprimoramento da comunicação e estímulo aos processos de inovação. E artistas com seus objetivos atendidos, como a busca de contextos fora do mundo das artes para exposição de seus trabalhos, a procura de inspiração visando aprimorar projetos dentro do próprio universo artístico, e de uma forma mais abrangente, o estímulo de mudanças na própria sociedade (Berthoin Antal 2009).

O potencial da criatividade nos seres humanos é algo notável. No entanto, é mais fácil vê-la manifestada em setores como tecnologia, produtos e serviços ao invés de primeiramente como uma habilidade a ser cultivada e utilizada por indivíduos.

E, como são pessoas que estão à frente de empresas, galerias, orquestras, teatros e museus, é possível afirmar que artistas e gestores experimentam mais compatibilidades do que diferenças.

Para os artistas, o trabalho está na arte que criam, enquanto para os gestores, na ideia ou no projeto que estão buscando. Garantidamente, ambos trazem a motivação como denominador comum.

Artistas passam meses ou até anos planejando e executando seus projetos. Além de novas ideias, também precisam de determinação, habilidades de negociação e assertividade. Da mesma forma, para atingir metas e objetivos, gestores precisam coordenar e considerar diferentes perspectivas dentro e de fora de suas empresas.

Em última análise, todo coreografo, diretor de cinema ou regente de orquestra é também, na verdade, responsável pelo resultado do trabalho de sua equipe.

Embora existam inúmeras semelhanças entre artistas e gestores, quando o segundo depara com situações inesperadas, experimenta desconforto e até uma certa vulnerabilidade. Já os artistas contemplam estas situações como “solo fértil” para potenciais transformações da sua arte.

Muitos executivos CEOs possuem uma mentalidade rígida de causa e efeito que, em ambientes corporativos, não operam de maneira tão linear. Baseados em gestão científica, utilizam KPIs e metas no treinamento de seus funcionários, induzindo-os a pensar da mesma forma. Esses líderes hesitam em aprovar qualquer outro experimento que não lhes dê garantia do resultado satisfatório. Passam então a operar em um ciclo repetitivo, restringindo sua capacidade de pensar “fora da caixa.”

Por outro lado, artistas não estão limitados por expectativas ou restrições intelectuais que afligem os que ocupam cargos de liderança. Também não se preocupam em atender o mercado, uma vez que seu processo criativo leva tempo, correndo paralelamente a evolução do mesmo. Seu senso de urgência, está na criação do que desejam e na paixão ardente que reside dento deles.

A arte não oferece garantias. Muitos artistas, como Samuel Beckett, Charles Dickens e Virginia Woolf, passam parte significativa de suas vidas experimentando outras atividades que lhes permitiram reunir e filtrar informações para depois dar sentido a elas. Foi através destas experiências multidisciplinares que puderam unir pontos, garantindo-lhes o surgimento de ideias únicas e criativas.

Ao longo da história, a arte foi vista mais pelo seu aspecto materialista. Apesar de artistas já reconhecem o profundo impacto da arte no bem-estar e no crescimento pessoal, apenas após o avanço da neurociência, e través de tecnologias não evasivas, pudemos nos aprofundar no funcionamento do cérebro fornecendo uma compreensão mais assertiva de como a arte nos afeta; possibilitando assim uma gama de oportunidades interessantes para o surgimento de soluções personalizadas.

Empresas como o Deutsche Bank, com mais de 60 peças de arte, em 911 localidades espalhadas por 48 países— considerado o maior colecionador de arte contemporânea dentro do universo corporativo— conseguiram enxergar em primeira mão os benefícios que a arte provoca no ambiente de trabalho. No seu website, podem-se ver estampadas as seguintes frases: “Arte constrói, arte questiona. Arte transcende barreiras.

A importância de um ambiente rico em estímulos foi primeiramente explorada nos finais dos anos sessenta, início dos anos setenta, pela neurocientista Marian Diamond. Em seu laboratório, Marian criou três ambientes distintos para seus camundongos, incluindo um extremamente rico em estímulos. Após algumas semanas, o camundongo que habitou o ambiente rico revelou um aumento de 6% no córtex cerebral em comparação com o camundongo que habitou o ambiente mais estéril e teve perda de massa cerebral.

A Siemens é outra empresa que embarcou em vários projetos centrados na arte contemporânea. Segundo eles, o principal objetivo é descobrir tópicos e perspectivas artísticas que abordem os desafios atuais da sociedade e investiguem as preocupações emergentes do futuro. Esses projetos são criados em parceria com artistas e estabelecimentos de arte não apenas na Alemanha, mas também internacionalmente, enfatizando a jornada criativa e o trabalho em conjunto com colaboradores artísticos.

Deixando um pouco o universo corporativo e direcionando os holofotes para o indivíduo, o que se faz mais relevante são os diversos aspectos da criação artística comuns a qualquer pessoa. Por exemplo, nosso sistema de “esforço e recompensa” está diretamente ligado aos trabalhos manuais. Dr. Kelly Lambert, em seu livro "Lifting Depression: A Neuroscientist's Hands-On Approach to Activating Your Brain's Healing Power", explica que 80% dos neurônios em nosso cérebro são responsáveis pelo controle dos movimentos, com uma grande parte ligada ao uso das mãos.

Isso significa que todas as vezes que usamos nossas mãos para executar uma tarefa, estamos também levando nosso cérebro à academia. Aprender técnicas novas também aumenta a neuroplasticidade do cérebro, o que se traduz em melhora no aprendizado, planejamento e poder de decisão. Mais ainda, quando estamos absorvidos em tarefas manuais, entramos no que o psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi chama de estado de“flow.” E uma vez que “flow” assemelha-se a outras práticas de “atenção plena” como a ioga e a meditação, mergulhar em uma atividade artística provoca os mesmos resultados.

Vinte a quarenta e cinco minutos de prática artística são capazes de baixar o cortisol— hormônio responsável pelo estresse— reduzir ansiedade, controlar impulsos, e construir resiliência.

O estresse é um risco comum à saúde mundial. A Organização Mundial da Saúde (OMS) descreveu o estresse como a "epidemia do século XXI". Conforme a psicologia, este ocorre quando uma pessoa enfrenta situações de demanda ou ameaças sem ter recursos suficientes para atendê-la. A prevalência do estresse também pode estar ligada ao estilo de vida acelerado e em constante mutação, com fatores ligados às exigências no trabalho, desigualdade de renda, conexão social e hábitos não saudáveis.

Para tratar e prevenir o estresse, as Terapias de Artes Criativas (CATs) estão sendo reconhecidas como intervenções extremamente eficazes. Essas terapias usam atividades como a criação de marcas não verbais— rabiscos, ou “doodling” na língua inglesa— para acessar as emoções e modificar o comportamento. Cientistas perceberam que esta ação simplória tem a capacidade de gerenciar o estresse e seus efeitos mais comuns, como a dúvida, a desconexão e o esgotamento.

As intervenções artísticas têm se tornado cada vez mais uma solução eficaz, tanto no mundo corporativo quanto no âmbito individual. Gerentes e artistas estão unindo forças e trazendo soluções inovadoras para o ambiente de trabalho. Além disso, os avanços da neuroestética, explorados pelos neurocientistas, têm revelado descobertas que podem ser aplicadas para a melhora da saúde e bem-estar, deixando evidente que a arte tem o poder de transformar e contribuir significativamente para nossa qualidade de vida.

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Autoria

Colunista Miriam Baêta

Miriam Baêta

Miriam é artista plástica há mais de 25 anos de carreira no mercado de jóias e acessórios de moda. Trabalhou na Lenny Niemeyer, com coleção em pedras de jade para a modelo Naomi Campbell, Marco Bicego e Marie Betteley em parceria com a Sotheby’s e Fabergé. Foi coordenadora nacional no Instituto Brasileiro de Gemas e Metais, (IBGM), liderou por mais de dez anos o Caderno de Tendências Brasil e o projeto Gold Trend Brasil. Produziu um anel, chamado "Descobrimento", que foi exposto no Louvre e em outros museus na Europa. é mestre em Estudos da Felicidade, New jersey-USA, mestre em Marketing Social, pela IAG/PUC. Tem MBA em negócios de moda e é Bacharelado em Artes Plásticas, com Minor em Terapia da Arte, pela SVA.

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